Eu nasci em 26 de outubro de 2002. No dia seguinte, 27 de outubro, ocorreram as eleições daquele ano: Lula e José Serra concorriam no segundo turno pelo cargo de presidente do maior país da América Latina. Cresci ouvindo a história de como o médico deu alta da maternidade antes do que deveria para a minha mãe, dizendo, ainda apreensivo: “olha, eu sei que você quer muito ir votar no Lula, então, vou te liberar mais cedo”. E ela foi. Por causa disso, fiz duas paradas nas casas de parentes antes de conhecer a minha própria.
Nos anos seguintes, desenvolvi um gosto especial pelo dia de eleição. Talvez porque não me preocupasse ainda com quem as venceria, talvez pelo ritual que seguíamos toda vez que meus pais iam votar: eles, que moraram no mesmo bairro antes de se casar, nunca trocaram de local de votação, mesmo depois de 26 anos de casados e vivendo em outras regiões.
Meu pai costumava votar sozinho, já minha mãe ia acompanhada por mim. Lá, esperando na fila, encontrávamos com parentes, antigos vizinhos e amigos que há muito ela não via. Eu entrava junto e ela me ensinava a usar a urna, ditando os números para que eu apertasse. Os mesários nos cumprimentavam e brincavam, dizendo coisas como “Qual das duas é a eleitora?” ou “de quem é o título?”.
As votações eram sempre seguidas de algum almoço de família, enquanto esperávamos a apuração, o que hoje já não parece tão natural: naquela época, acredito que havia, sim, certa tensão sobre o resultado, mas nada que se aproxime da realidade de 2022. Talvez seja a dias como aqueles a que as pessoas se referem quando falam em “festa da democracia”. Para mim, eles eram quase isso.
Nos intervalos de quatro anos que separavam esses dias, fui crescendo. Enquanto eu engatinhava, o Brasil também dava os primeiros passos de seu primeiro governo de esquerda; expandia as universidades enquanto eu cursava o ensino infantil e o fundamental. Enquanto o brasileiro adquiria poder de compra, eu aprendia a contar meus próprios trocados para comprar lanche na cantina do colégio. Quando saímos do mapa da fome, eu já chegava à pré-adolescência.
Há certa esperança em crescer junto com um país. Quem nasceu no final dos anos 1990 ou no início dos 2000 viveu momentos de otimismo que talvez só perceba agora, depois de ver seus castelos desmoronando. Certa vez, li um tweet que muito me marcou: uma garota dizia acreditar que outras gerações talvez não entendam a angústia de tentar criar planos para um futuro sem sequer ter expectativas de que esse futuro um dia chegue, ou, ainda, que nele haja condições plausíveis para que os planos que hoje fazemos se concretizem.
Nos últimos quatro anos, vimos os direitos reduzirem, a violência aumentar, o discurso de ódio ser naturalizado. Quem nasceu na virada do século vive, hoje, um choque de realidade pelo futuro que esperavam receber não ter se tornado o presente ideal.
Este ano, votei pela primeira vez, na mesma semana em que completei 20 anos. Em um acaso que gosto de acreditar que é um tanto quanto simbólico, repeti o voto dos meus pais, de 20 anos atrás, quando eu só tinha um dia de vida. Votei, talvez, não com a mesma empolgação quanto eles, mas com igual esperança de um país melhor.
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