Depois de 36 anos, Vale Tudo retorna às telas da Globo, prometendo revitalizar as telenovelas do horário nobre a partir do dia 31 de março. A saga de Raquel e Maria de Fátima Accioly é uma das mais populares da história da teledramaturgia brasileira, e sua nova versão faz parte de um esquema maior que reflete tanto os desafios criativos da emissora quanto a busca pela nostalgia: os remakes.
Esse tipo de produção é frequentemente associado a grandes estúdios, que os utilizam como uma forma segura de gerar lucros. Segundo José Ricardo Miranda, doutor em Artes e Cinema pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “na história do audiovisual, o remake é uma questão antiga. Hollywood fazia isso muito já na década de 1940. No fechamento do primeiro ciclo clássico, já havia a retomada de refilmagens, revisões ou abordagens de obras anteriores. Eles filmaram, nos anos 1940, um filme francês dos anos 1930, por exemplo”.
Esse fenômeno ocorre por vários motivos, desde avanços tecnológicos até a tentativa de reconectar narrativas com novas gerações. Contudo, a opinião geral sobre remakes não é unânime. Na internet, não é incomum encontrar manifestações contrárias aos remakes já produzidos, como nos exemplos abaixo:
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O que faz um remake de respeito?
Um dos fatores determinantes para o sucesso de um remake é a presença de uma voz autoral na revisão da obra original. Para José Ricardo Miranda, “tem coisas muito boas e tem coisas absolutamente fracassadas de antemão. Algumas surpreendem; eu não esperava nada e acabaram sendo interessantes”. Como exemplo positivo, ele cita Os Infiltrados, remake do filme hong-konguês Infernal Affairs que, segundo ele, “traz uma revisão que agrega algo novo, transformando a história em algo pessoal, e não apenas um produto para capitalizar em cima do sucesso original”. Clássicos como Ben-Hur e Os Dez Mandamentos também são remakes, mas são frequentemente considerados obras originais por seus avanços significativos, tanto narrativos, quanto técnicos.
Por outro lado, o risco de fracasso é alto no mundo dos remakes. O espectador pode se deparar com um desastre desde o início, pois, na maioria das vezes, os motivos por trás da refilmagem são prioritariamente financeiros, buscando capitalizar na nostalgia de audiências específicas. Mesmo diretores renomados podem falhar nesse cenário. Água Negra, de Walter Salles, e RoboCop, de José Padilha, são exemplos de remakes mal-sucedidos. O último, segundo Miranda, “parece mais um projeto de encomenda, sem liberdade criativa”.
Há casos, no entanto, em que um remake consegue se destacar. Miranda menciona Madrugada dos Mortos, de Zack Snyder, como um exemplo interessante. “Eu não esperava nada daquele filme. Amo o original, que ainda é infinitamente superior, mas o Snyder conseguiu criar algo interessante, com regras próprias, repensando aquele universo dentro de um contexto pós-11 de setembro”.
O ponto central, portanto, é a liberdade criativa. Para Miranda, “o remake é interessante quando tem uma voz autoral por trás, com interesses que vão além dos financeiros. Claro que esses interesses nunca podem ser ignorados, mas, em alguns casos, eles podem ser secundários dentro de um desejo criativo maior”. O grande desafio é que, dentro da indústria, a liberdade criativa em materiais pré-existentes é rara, pois o novo — e, portanto, arriscado — é frequentemente trocado pela segurança do antigo.
De volta a Vale Tudo
Antes de Vale Tudo, a Rede Globo experimentou reações mistas com seus remakes. Muitos projetos se tornaram antológicos e são mais lembrados e aclamados que suas contrapartes originais — Gabriela, Mulheres de Areia e Pantanal, para citar alguns. Ao mesmo tempo, algumas produções fracassaram, caindo no escárnio da audiência — Saramandaia, Meu Pedacinho de Chão e, mais recentemente, Renascer.

Com a nova versão de Vale Tudo, resta saber se a Globo apostará em uma releitura inovadora e autoral ou se seguirá pelo caminho mais seguro, apenas reciclando um de seus maiores clássicos para garantir retorno financeiro. Manuela Dias, responsável pelo remake do folhetim, afirma que a narrativa da novela trará uma abordagem atualizada, mas respeitando o espírito original da trama. Ela promete explorar os dilemas sociais e políticos do Brasil pós-Jair Bolsonaro, mantendo a essência da história de Raquel e Maria de Fátima, ao mesmo tempo que se conecta com os novos tempos.
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Autoria de Miguel Pedrosa sob supervisão de Verônica Soares.
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