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Cartaz da série Tremembé exibindo os participantes em uma grade de retratos, com o título da produção no topo e fundo escuro em contraste com as imagens
Cartaz divulgação/Prime Video

“Tremembé” questiona quanto vale uma segunda chance para condenados por assassinato

Nova série da Prime Vídeo mostra bastidores da vida no “presídio dos famosos’’ após a condenação pública

A série Tremembé, baseada nos livros do jornalista Ulisses Campbell e lançada pela Prime Vídeo no dia 31 de outubro, acompanha, durante cinco episódios, o cotidiano de prisioneiros condenados por crimes brutais que chocaram o país, “confinados” em um dos maiores presídios do Brasil: o de Tremembé, localizado no interior de São Paulo.

Dentre as principais figuras retratadas na série, estão Daniel Cravinhos (Felipe Simas), Cristian Cravinhos (Kelner Macêdo) e Suzane Von Richthofen (Marina Ruy Barbosa) condenados pelo assassinato dos pais de Suzane em 2002, Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato) e Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi), condenados pela morte da menina Isabella Nardoni em 2008, e Elize Matsunaga (Carol Garcia), responsável pelo assassinato do marido, Marcos Kitano, diretor da empresa alimentícia Yoki, em 2012.

Conhecida como “prisão dos famosos”, “Tremembé” se apresenta como uma espécie de “Big Brother”, retratando as relações dos prisioneiros com pressões externas e conflitos internos, além do estresse da convivência diária. O espectador vive uma verdadeira montanha russa de sentimentos, passando pelo ódio, raiva, angústia e, em alguns momentos, pena. Existem até mesmo momentos de alívio cômico, em que a tensão do ambiente prisional é substituída por hits do pop e do tecnobrega, como as músicas de Pabllo Vittar e Grelo.

 A penitenciária de Tremembé também é apresentada como um local contraditório. Ao mesmo tempo em que retrata aspectos comuns de uma prisão, com a presença de atividades para a reinserção social, como a costura para as mulheres e a marcenaria para os homens, e a oportunidade de realizar uma faculdade, também se manifesta como um ambiente com melhores condições do que outros presídios comuns, com direito a realização de festas e confraternizações entre os presos.

 Em Tremembé, alguns prisioneiros desfrutam de privilégios, como ter as melhores camas ou armários exclusivos para guardar seus pertences. Essa realidade de segregação dentro do próprio sistema penitenciário é um reflexo de uma das problemáticas mais profundas dos presídios brasileiros: as desigualdades estruturais entre os detentos. Além disso, o contato direto com agentes penitenciários e o uso de técnicas de suborno para satisfazer os desejos dos prisioneiros escancaram a corrupção e as falhas no sistema de justiça.

 Esses elementos geram uma reflexão crítica sobre o senso de justiça dentro das prisões: prisioneiros que cometeram crimes tão graves e cruéis merecem viver em condições de “privilégio”? A série provoca o espectador a argumentar se, ao permitir que alguns condenados desfrutem de benefícios dentro do sistema penitenciário, não estamos, na verdade, perpetuando uma lógica de desigualdade que se reflete não só na sociedade, mas também nas próprias instituições de punição.

Também é possível ver duas realidades distintas: enquanto o lado masculino é marcado por uma vida tranquila entre os prisioneiros, com direito a confraternização entre eles, no feminino o cenário é de guerra entre as mulheres, em que os desejos da “mais forte” prevalecem. Nesse aspecto, destaca-se a personagem Sandrão, que atua como uma espécie de “comandante de Tremembé”, intimidando não apenas as outras detentas, mas também as próprias agentes penitenciárias. Sandrão também protagoniza um triângulo amoroso intenso com Elize Matsunaga e Suzane Von Richthofen.

No lado feminino do presídio, o ambiente é marcado por uma constante hostilidade, especialmente em relação a Anna Carolina Jatobá. Ela é constantemente atacada por outras detentas, a ponto de ser forçada a buscar proteção de prisioneiras mais influentes, como Sandrão. A justificativa para essa perseguição está diretamente ligada ao crime cometido por Jatobá: o assassinato brutal de sua enteada de apenas cinco anos. Esse episódio dentro da prisão levanta outra questão moral e social: certos crimes merecem um julgamento mais severo do que outros?

Um dos aspectos mais curiosos do seriado é a narrativa construída em torno dos personagens, para além dos desvios de caráter previamente conhecidos pelo grande público. Tremembé explora os limites entre a arte e a romantização de criminosos, abordando também o lado humano dos personagens para além dos crimes cometidos, como a instabilidade emocional de Daniel Cravinhos, o cuidado com o irmão e o interesse amoroso de Cristian Cravinhos com o personagem Duda e a culpa carregada por Anna Carolina Jatobá em sua relação com seus filhos. Ao mesmo tempo que vemos as fraquezas, também é mostrado o lado manipulador e cruel de alguns personagens, como Roger Abdelmassih, que tenta forjar uma doença e conseguir a liberação ao regime aberto, e Suzane Von Richthofen, que utiliza de atitudes contraditórias para conquistar o que quer, algo muito claro desde os primeiros minutos da obra e no seu relacionamento com Sandrão.

A produção da Prime Video constrói sua história a partir de elementos narrativos, em formato de storytelling, de um gênero em ascensão em produções brasileiras: o true crime. Outras séries produzidas nesse estilo como Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime, A Menina Que Matou os Pais, O Menino que Matou Meus Pais, A Menina Que Matou os Pais: A Confissão e Isabella: o Caso Nardoni, utilizam da reconstrução detalhada dos acontecimentos que antecederam os casos, permitindo conhecer melhor da vida dos personagens antes de suas condenações e como suas motivações influenciaram seus comportamentos, algo pouco explorado em Tremembé.

As reações dos condenados na vida real retratados na série foram diversas: enquanto alguns aproveitaram a visibilidade para se manterem ativos na mídia, outros criticaram veementemente a forma como foram retratados na produção. Suzane Von Richthofen, por exemplo, ganhou mais de 100 mil seguidores no perfil no Instagram em que comercializa chinelos feitos à mão. Elize Matsunaga também agradeceu o apoio dos fãs e familiares e fez uma reflexão sobre sua trajetória de vida.

Em relação aos irmãos Cravinhos, Cristian condena o modo como foi representado, incluindo cenas polêmicas como a que o seu personagem usa uma calcinha, e descreve a produção como uma “grande farsa”. O ex-namorado de Suzane Von Richthofen, Daniel Cravinhos, agora casado com a biomédica Carolina Andrade, por sua vez, respondeu algumas perguntas no Instagram que compartilha com a esposa sobre detalhes da vida em Tremembé e sua relação com outros detentos. 

Sandra Regina Ruiz Gomes, a Sandrão, concedeu uma entrevista ao Domingo Espetacular no domingo, 16 de novembro, onde relembrou suas vivências em Tremembé, dentre elas o relacionamento com Suzane Von Richthofen, e negou algumas informações apresentadas na série, como a que ela era uma das líderes da prisão.. Outros detentos como Roger Abdelmassih, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni não se pronunciaram sobre a obra.

Ao final, Tremembé escolhe não oferecer respostas definitivas. Entre fatos e ficção, provoca o espectador a pensar sobre limites éticos, tanto da representação quanto da punição. A série encerra sua narrativa com a pergunta que a atravessa desde o início: figuras que cometeram crimes tão graves merecem uma segunda chance? 

João Pedro Guido

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