Da obsessão pela escuta à recusa da objetividade como farsa, Chico Felitti fez um convite provocativo ao público que lotou o auditório da PUC Minas Lourdes na noite de 9 de junho: encontrar grandes histórias nos lugares mais improváveis. “Tem história em tudo”, repetiu, como quem já percorreu o Saara carioca atrás de uma canga da Lady Gaga e dali saiu com uma pauta inusitada sobre uma ex-mulher-fruta. Entre risos e silêncios atentos, os presentes ouviram uma fala sobre apuração minuciosa, responsabilidade ética e a coragem necessária para ir além do jornalismo que ele chamou de “sério”.
Reconhecido por trabalhos que se tornaram fenômenos, como o podcast A Mulher da Casa Abandonada e o livro Ricardo e Vânia, Felitti defendeu que boas histórias raramente nascem prontas. Ele destacou que elas requerem tempo, vulnerabilidade do repórter e uma disposição genuína para não saber todas as respostas de antemão. “O que eu preciso é silenciar as vozes para conseguir trabalhar”, disse, revelando sua curiosa rotina de escrever seus livros em locais públicos, no meio do burburinho da vida real, para se concentrar no que realmente importa: a narrativa que emerge.
Com bom humor, o jornalista compartilhou os bastidores de suas investigações mais complexas e expôs, sem rodeios, suas próprias inseguranças e o processo de aprendizado contínuo. “Meu primeiro podcast é um lixo”, brincou, ilustrando que a evolução exige experimentação e autocrítica.
Se a escuta ativa é a sua técnica fundamental, a empatia é seu método inegociável. Felitti detalhou que mantém contato com muitas de suas fontes por anos, criando laços de confiança que vão muito além da pauta imediata. Ele, inclusive, revelou ter atendido pedidos para tirar episódios do ar em respeito ao direito ao esquecimento e à vida privada das pessoas envolvidas. Ao recusar o mito da imparcialidade, uma premissa frequentemente cobrada no jornalismo tradicional, Felitti adota o que chama de “sinceridade brutal”. “Se eu estou contando a sua história, eu sou responsável pelo que acontecer com ela depois. Troquei objetividade por responsabilidade”, afirmou, deixando clara a sua visão de um jornalismo que se assume parte do que narra. Para ele, essa responsabilidade implica um compromisso ético muito mais profundo do que uma suposta neutralidade.

A conversa, mediada pela professora Nara Scabin e pela estudante Ella Halfeld, explorou uma gama de temas relevantes para o jornalismo contemporâneo. Foram abordados aspectos como ética nas reportagens, o estilo narrativo que o caracteriza, o impacto das redes sociais na apuração e na distribuição de conteúdo, e os desafiadores modelos de financiamento para o jornalismo independente.
Felitti aprofundou-se nos desafios de fazer jornalismo fora das grandes redações e revelou detalhes sobre sua rotina de trabalho, marcada por uma apuração quase obsessiva e uma recusa firme em ceder à lógica das métricas de vaidade, que muitas vezes priorizam cliques em detrimento da profundidade. “Prefiro fazer outras coisas para ganhar dinheiro e contar a história certa, quando ela vier. Eu não acredito em forçar o saque”, declarou, reiterando seu compromisso com a qualidade e o tempo de maturação da pauta.
Ao final, Felitti dividiu com o público um dos aprendizados mais importantes de sua singular carreira: “A história escolhe a gente. E ela sempre diz algo sobre quem a gente é”. Para Felitti, essa máxima é mais do que uma frase bonita: é uma verdade que se manifesta em cada pauta. Até porque, ninguém passa seis meses acompanhando um morador de rua, ou investiga uma síndica à la Coreia do Norte, por puro acaso.
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