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Suicídio é a quarta maior causa de mortes entre jovens no mundo

Quando o cantor e ator Moonbin, um dos seis membros do grupo de K-pop Astro, foi encontrado morto em seu apartamento em Seul, os fãs começaram a repercutir a possibilidade de suicídio. A causa da morte ainda está sob investigação, mas a polícia afirmou que é possível que o jovem de 25 anos tenha tirado a própria vida. O cenário global é alarmante. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a quarta causa de morte mais recorrente entre jovens no mundo. Apesar do número geral de suicídios estar em queda, há aumento entre jovens de 15 a 29 anos. Esses números indicam a necessidade urgente de abordagem e investimento em saúde mental. 

O episódio envolvendo Moonbin não é caso isolado. A morte do cantor é a mais recente de uma série de tragédias envolvendo jovens celebridades sul-coreanas. Jonghyun, vocalista da SHINee, tirou a própria vida em 2017. Em 2018, Minwoo, da boy band 100%, morreu em casa, e teve a causa da morte apontada como em decorrência de parada cardíaca. A cantora e atriz Sulli, do f(X), cometeu suicídio em 2019, após uma longa batalha contra o cyberbullying, e sua amiga, Goo Hara, foi encontrada morta em casa um mês depois. 

De acordo com a produtora de eventos e especialista na cultura coreana Laiza Kertscher, a relação que a Coréia tem com o tema saúde mental é fechada e preconceituosa. “Eles não percebem muito como uma doença, como algo que precisa de acompanhamento ou tratamento. É um problema social, cultural do país.”

Segundo dados da OMS de 2019, mais de 700 mil pessoas morrem anualmente em decorrência de suicídio. Isso representa uma a cada cem mortes, com uma queda de 36% em relação ao período de 2000 a 2019. Apesar disso, há aumento na taxa entre jovens de 15 a 29 anos. Essa é a quarta maior causa de morte nessa faixa etária, ficando atrás apenas de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Ainda segundo a OMS, na região das Américas os números também crescem. Somente no Brasil, a cada 46 minutos uma pessoa tira a própria vida, o que totaliza quase 12 mil suicídios por ano.

Fenômeno complexo

O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial, provocado por diversos fatores que se associam, afirma o suicidólogo Lício de Araujo Vale, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio (Abeps). “A grande maioria das pessoas que põe fim à própria vida não querem matar a sua vida. Elas querem matar a sua dor; a dor mental, a dor emocional, a dor econômica. O suicídio tem fatores psicológicos, familiares e sociais que podem desencadeá-lo”. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), entre 85% e 95% das pessoas que cometem o autoextermínio possuem algum problema de saúde mental diagnosticável relacionado. A depressão é o mais comum, estando envolvida em 50% dos casos de tentativas de suicídio, e em uma porcentagem ainda maior de atos consumados.

Entre 85% e 95% das pessoas que cometem o autoextermínio possuem algum problema de saúde mental diagnosticável relacionado

Outros fatores como problemas conjugais, bullying, desentendimento de adolescentes com os pais, descoberta de doenças graves, perda de ente querido e experiências traumáticas na infância podem desencadear uma tentativa de suicídio em pessoas com depressão. O alcoolismo e o consumo abusivo de drogas também são fatores de alto risco, aponta Lício. Há o agravamento da situação entre os jovens que fazem uso dessas substâncias de forma mais precoce.

Carolina Nassau, psicanalista e pesquisadora

A psicanalista e pesquisadora Carolina Nassau, especializada em adolescência e risco de suicídio, afirma que o público que ela mais atende em seu consultório é de adolescentes. A tecnologia, o aumento do tempo que passam em casa, a pressão com o futuro e um alto desempenho de resultados são fatores que contribuem para isso. “Geram nos adolescentes perda de contato com a família e problemas de socialização, além de comportamentos e pensamentos nocivos e autolesivos.” O suicídio é, em muitos dos casos acompanhados por ela, visto como uma alternativa mais rápida para o alívio de sentimentos de angústia e dor. Lício acrescenta que sensações de não pertencimento, exclusão e pais digitalmente distraídos são as grandes queixas dos adolescentes e jovens do Brasil.

Pressão e falta de apoio

Inseridos nessa faixa etária, os idols coreanos sofrem com a cobrança da alta performance, destaca Laiza. “Eles começam desde muito cedo, acabam perdendo parte da juventude. Muitos deixam de estudar, ficam focados no treinamento pesado, eles treinam horas por dia, alguns são privados de ter telefone celular, de poder namorar.” E isso não acontece apenas com os artistas do K-pop. Carolina também afirma que as pressões afetam a saúde mental. “São jovens muito pressionados para terem um alto desempenho em várias esferas da sua vida para garantir um futuro, já que o futuro se tornou algo incerto […]. Então, eu acho que essa pressão por um alto desempenho dos jovens tem piorado a situação de saúde mental deles”.

A terceirização do processo educacional é um dos agravantes no aumento de casos. Segundo Lício de Araújo, as redes sociais “educam” as crianças e os jovens, e as famílias não os ensinam a lidar com a frustração. Assim, eles deixam de ser educados no âmbito familiar, que é o primeiro grupo social do sujeito, onde são estabelecidas as primeiras relações afetivas, bem como as principais identificações, fazendo da família uma base fundamental de suporte. 

Estigma sobre suicídio não fica restrito ao Brasil

Segundo pesquisa do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Infância e Adolescência (INPD), 13% dos adolescentes possuem transtornos psiquiátricos. Destes, por estigma ou desconhecimento, apenas 19,3% buscam tratamento. De acordo com o suicidólogo Lício, esse preconceito, sobretudo no Brasil, tem a ver com a política pública de saúde mental, muito associada à loucura. 

Na Coréia do Sul o estigma também é normalizado, e isso se relaciona com os aumentos de transtornos mentais e índices de suicídio. Laiza Kertscher afirma que a sociedade coreana não se importa tanto com as questões emocionais. “Eles não percebem muito como uma doença, como algo que precisa de acompanhamento ou tratamento”. 

Lício de Araújo, suicidólogo

Para uma política em que a saúde mental é valorizada e percebida como um bem necessário, é preciso entender que o corpo humano não adoece apenas fisicamente, mas as emoções também podem adoecer. Lício de Araújo diz que da mesma forma que procuramos um dentista quando sentimos dor no dente, também devemos procurar um profissional de saúde mental quando estivermos com problemas. 

Por meio da educação e de informações sobre o tema, as pessoas podem compreender melhor suas questões e identificar possíveis sinais de um pedido de ajuda. Como explicado pela psicanalista Carolina Nassau, muitas vezes, sentimentos e ameaças não são levados a sério por desconhecimento

É comum os familiares e amigos não perceberem que “a mente e o corpo falam”.

“Transtornos alimentares, autolesões, isolamento, ausência de amigos, falas. Assim, uma coisa muito importante é que a grande maioria das pessoas que vem a tirar a própria vida, em algum momento, fala disso. A gente tem aquele mito, né, de que a pessoa que fala não faz, porque ela está fazendo aquilo para chamar atenção. E a verdade é que se ela está falando, é porque ela pensou. E se ela pensou, em algum momento no limite ela pode vir a fazer sim”, explica Carolina. 

“Ele já tinha ameaçado suicidar várias vezes, mas não acreditamos na época”

Fernanda Fernandes, empresária

É o que a empresária Fernanda Fernandes, 47 anos, relembra. Ela perdeu o marido para o suicídio no ano de 2010. “Ele já tinha ameaçado suicidar várias vezes, mas não acreditamos na época […]. Tomava remédio controlado e dava surto todo ano.” O esposo de Fernanda cometeu suicídio durante um almoço de família, mas na ocasião ninguém considerou que ele poderia levar adiante os anúncios feitos previamente. Todos consideravam que as falas faziam parte do quadro de surtos que já tinha ocorrido.  

Prevenção, pós-venção e cuidados

A suicidóloga Vivian Zicker, uma das fundadoras do Grupo de Apoio a Enlutados por Suicídio (Gaes), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o primeiro de Belo Horizonte, diz que “como os suicídios são subnotificados, diferentemente dos acidentes de trânsito e homicídios, não há interesse do governo em desenvolver políticas públicas de prevenção”. Ela ressalta a importância dos grupos de apoio, devido à necessidade de cuidar daqueles que perderam pessoas queridas para o autoextermínio, já que o risco de novos casos entre elas aumenta consideravelmente quando não tratadas.  

Para Fernanda, que perdeu o marido, a divulgação de tais iniciativas é necessária. “Eu nunca soube que tinham lugares que acolhiam pessoas que tiveram parentes que suicidaram, e acabou que eu suportei tudo sozinha, me virei nos trinta. Meus filhos não falam muito sobre esse assunto. Foi muito dolorido e apagamos para ver se não doía mais. Nisso já faz mais de dez anos que estou tocando a vida”, relata.

Os grupos de ajuda também revelam a importância de romper com os tabus acerca do tema, para que aqueles que sofrem com sentimentos de autodestruição não tenham vergonha de demonstrar fragilidade e buscar ajuda. Foi justamente por perder o pai em decorrência de suicídio que Lício se transformou em especialista no assunto, buscando ajudar outras pessoas. 

“Foi a partir da experiência pessoal, da perda do meu pai, que eu decidi estudar o fenômeno do suicídio, me tornar especialista na área, para colaborar tanto na prevenção, que é evitar que outras pessoas morram por suicídio, como também cuidar do luto e da dor, que é chamada a pós-venção do suicídio, das pessoas que ficaram.”

Saiba como lidar com ideias suicidas

Carolina explica que um dos primeiros passos ao lidar com alguém com ideações suicidas é acionar a rede de apoio, geralmente formada pela família, amigos e profissionais de saúde mental. “Isso é muito importante, para que o jovem não fique desamparado e tenha alguém para ouvi-lo. Encaminhando para um psiquiatra ou para um psicólogo, esse jovem vai ser escutado para perceber quais são os fatores de risco, os fatores de proteção e aí vai iniciar a direção do tratamento”, indica.

Outras medidas essenciais na prevenção ao suicídio, para Vivian, são a criação de políticas públicas que atendam à demanda psicológica e psiquiátrica atual, a luta contra a psicofobia, isto é, o preconceito com pessoas que apresentam transtornos e questões mentais, e a psicoedudação, que visa informar o jovem sobre o seu transtorno e como lidar com ele.

“Uma sociedade adoecida em vários aspectos gera indivíduos adoecidos também

Vivian Zicker, suicidóloga

Há também os grupos de apoio para os enlutados por suicídio, destinado às pessoas que perderam alguém nessa circunstância e que queiram conversar abertamente sobre o tema. Eles costumam ser coordenados e facilitados por enlutados, psicólogos e voluntários. Na área da saúde, denomina-se pós-venção o acompanhamento e as intervenções específicas para aqueles que passam pelo luto após um suicídio. Esses grupos de apoio, além da terapia, caso seja necessário, são formas de prevenir outras mortes autoprovocadas.

Fita amarela representa a campanha Setembro Amarelo contra o suicídio

Setembro Amarelo

Criada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de  Psiquiatria (ABP), o Setembro Amarelo teve início no Brasil em 2015. O mês é dedicado ao compartilhamento de formas de conscientização e prevenção ao suicídio, e no dia 10 é comemorado o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. O símbolo da campanha é uma fita amarela, e vários pontos turísticos, considerados cartões postais do país, já foram decorados e iluminados com a cor, como por exemplo o Cristo Redentor, no Rio, e o Congresso Nacional, em Brasília. 

Para Vivian, o Setembro Amarelo é um exemplo de como fornecer conhecimento para que as pessoas saibam os caminhos a seguir para lidarem com o sofrimento”. 

Conteúdo produzido por Caroline Vitória, Júlia Castro, Kelly Dias e Maria Clara de Sá na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard e do estagiário docente Marcus Túlio e da monitora Janaina Veloso.  

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