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Homem Branco usando blusa social azul, óculos de grau com armação preta, posando sentado. Ao fundo, livros e monitores de computador com a logomarca do Jornalista Inclusivo.
Jornalista Rafael Carpi / Arquivo pessoal

Rafael Carpi: Transformando limitações em oportunidades

Em 2011, o jornalista Rafael Carpi, então com 27 anos, estava na casa da namorada, quando, ao descer a escada, sofreu o acidente que mudou sua vida e seus ideais. Ele conta que no local havia três lances de escada em espiral, onde ele se acidentou. Na queda, Rafael teve múltiplas lesões, incluindo uma fratura no fêmur, que o amorteceu, livrando-o da morte. Sofreu ainda um traumatismo craniano e uma fratura na quinta vértebra, que o deixou tetraplégico.

Após 20 dias em coma induzido e quatro meses hospitalizado, perdeu a capacidade de respirar, precisando de traqueostomia e várias sessões de fisioterapia. Só após o quinto mês voltou a respirar sozinho. Desde 2012, passou por diversas sessões de fisioterapia, ecoterapia e pilates. Rafael deixa claro que a recuperação de um acidente é um processo que envolve tanto a pessoa quanto a família. Conta da sua dificuldade em se adaptar à nova condição física, já que antes do acidente era um homem ativo e independente, e “hoje, se não me tirarem da cama, não consigo sair”. 

Rafael deitado em uma cama de hospital com uma sonda no nariz sendo alimentado pela mãe
Rafael no hospital após o acidente/Arquivo pessoal.

Juventude e início da carreira

Rafael, que nasceu e reside ainda na cidade de Itu (SP), relata que, mesmo com dificuldade de leitura, na disciplina de história e em decorar textos durante o colegial, persistiu nos estudos. Seu pai era advogado e lia muito, por isso, sempre o incentivou a ler e lhe apresentou diversas obras para auxiliar na aprendizagem.

Mesmo com as dificuldades, Rafael prestou vestibular para diversos cursos, como rádio e TV, geologia e música. Rafael não conseguiu passar em nenhum deles de primeira. Matriculou-se então em um cursinho pré-vestibular, e, a partir daí, passou a se interessar por literatura brasileira. Ao final do curso, fez um teste vocacional que apontou sua vocação para jornalista, resolveu tentar jornalismo na Unise e acabou se interessando pela área.

No seu primeiro ano de curso já começou a trabalhar para uma rádio, com a função de repórter de rua. No segundo ano foi contratado por um jornal local de Itu, onde permaneceu até se formar em 2006, quando pediu demissão do jornal para ser fotógrafo de navios de cruzeiro. 

Rafael trabalhando em um cruzeiro / Arquivo pessoal

Após dois anos, voltou a trabalhar no jornal de Itu, mas logo saiu para entrar na agência de comunicação de amigos, a Sigma Six. Foi nesse período que o acidente aconteceu.

Carreira após o acidente 

Você aprende a lidar com seu corpo

Rafael Carpi – jornalista

Assim que Rafael começou a usar a cadeira de rodas, a primeira atitude foi retomar as atividades profissionais. Continuou na empresa Sigma Six, que, por sorte, mudou de sede para rua onde ele morava. Isso evitou transtornos de acessibilidade, pois ele usava cadeira motorizada e necessitava de elevador. Mas o desafio maior foi readaptar seus poucos movimentos ao trabalho, principalmente no computador, “não conseguia render”. O mercado de trabalho no jornalismo para pessoas com deficiência enfrenta obstáculos, apesar dos avanços em acessibilidade e inclusão. Os ambientes , em geral, não estão preparados para receber profissionais com diferentes tipos de deficiência, tanto em termos de infraestrutura física quanto de ferramentas digitais adequadas. Ele decidiu se demitir e teve dificuldade para encontrar emprego. Conta que ficou fazendo bicos entre 2012 e 2017, trabalhando de  casa, com equipamentos próprios. 

Entrevista com vocalista da banda Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna, após o acidente / Arquivo pessoal

Além do preconceito

Rafael explica que, para além do preconceito, que existe, não há consciência coletiva sobre as necessidades das pessoas com deficiência. Como morava em uma cidade pequena, conta que era necessário mudar a estrutura, ou seja, criar acessibilidade para conseguir trabalhar. Ele reforça que “não precisa ter desculpa por parte das empresas, mas sim acessibilidade atitudinal e física, como as leis pedem”. Além disso, as empresas precisam cumprir a cota para pessoas com deficiência, a lei garante esse direito. Mas não adianta ter a vaga se os instrumentos de trabalho não forem adaptados. Ele enfatiza que precisou adaptar por conta própria os equipamentos. 

“Por que não vemos jornalistas com deficiência nos jornais?” “Por que eu sairia de casa se não há acessibilidade nas ruas?”, questiona. Rafael também critica a infantilização das pessoas com deficiência e afirma: “O mundo foi construído para pessoas sem deficiência”, mas defende que as pessoas com deficiência enriquecem a inclusão.

Quem luta por direitos não luta por direitos só para si

Rafael Carpi, jornalista

Jornalista inclusivo: o projeto da sua vida

Conversando com um professor da faculdade, Rafael uniu a condição de pessoa com deficiência com a formação, procurando informações sobre inclusão e acessibilidade. Assim iniciou o projeto Jornalista Inclusivo, lutando não somente pelos seus direitos, mas também por todas as minorias. “Trabalhar com inclusão e diversidade envolve lutar por todos, incluindo a comunidade LGBTQI+ e mulheres negras com deficiência.” 

Rafael conta que começou compartilhando as informações apuradas no Facebook. No final de 2019, decidiu dar um passo maior e criou o site Jornalista Inclusivo. As principais pautas abrangiam a inclusão. Segundo ele, o cuidado maior era em garantir que o site fosse acessível desde o início, adotando práticas que facilitassem a navegação para pessoas com deficiência. Ele implementou técnicas importantes, como a organização dos títulos em hierarquia, que permite que pessoas com deficiência visual, utilizando leitores de tela, entendam a ordem de importância das informações.

Além disso, Rafael aprendeu a evitar o uso de links genéricos, como clique aqui, optando por frases descritivas. Passou também a usar texto alternativo em imagens, para que estas sejam interpretadas adequadamente por leitores de tela. Ele também integrou ferramentas como o Hand Talk, que traduz o site para Libras, beneficiando pessoas surdas. Essas práticas tornam o site mais inclusivo e acessível. Atualmente  Rafael tem outros projetos em andamento. Embora o foco do site seja nas pessoas com deficiência, ele também aborda a interseccionalidade, diferenciando da produção jornalística tradicional.

Rafael considera o site Jornalista Inclusivo o projeto da sua vida, mas também contribui com o trabalho do Instituto Paradigma, uma organização voltada a acadêmicos e inclusão.

No Instituto “existem pessoas especializadas em cada tema que concluem os artigos. Tem pessoas fixas e pessoas que esporadicamente criam o conteúdo, e eu faço a edição e adequação do SEO, que é uma técnica de rankeamento do site no Google. É basicamente isso, eu cuido da parte de edição dos textos gerais, dos artigos e notícias.”

O futuro jornalístico 

“O futuro do jornalismo é colaborativo”, defende Rafael. Para ele, é importante trabalhar com a comunidade, priorizar os recursos multimídia e fazer entrevistas pelo celular. Como exemplo, cita o Mobile journalism (Mojo), termo em inglês que se refere a um método de coleta de notícias e narrativa que utiliza dispositivos portáteis para produzir, editar e compartilhar conteúdos.

O jornalismo tem que representar a sociedade

Rafael Carpi, jornalista

“Se todas as pessoas têm os mesmos direitos, como uma pessoa cega vai ler sua matéria? Será que ela se sentirá representada?” Ao questionar sobre a falta de equidade, o jornalista lembra ser preciso incluir e mostrar as dificuldades como forma de trazer representatividade para as pessoas e para as distintas realidades. Ele destaca ainda que 9% dos brasileiros vivem com alguma deficiência.

Este perfil foi produzido por Bernardo Matias, Clara Almada, Davi Reis, Murilo Fialho, Júlia Dias e Yago Marques, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. O monitor João Augusto colaborou com a edição digital.

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