Colab

Podcast Brilho e Resistência e a cena drag de Belo Horizonte

Série em áudio revela histórias de acolhimento, criatividade e luta que sustentam o movimento drag na capital.

A riqueza da cena drag em Belo Horizonte vai muito além de apenas figurinos: está, também, no impacto que as artistas fazem na cultura do espaço urbano, na comunidade composta por famílias que encontram espaços de acolhimento e pertencimento, e na resistência de uma gente que se monta e brilha pelos palcos da cidade. O podcast Brilho e Resistência, trabalho de conclusão de curso das recém-graduadas Helena Antunes e Laura Seraphim, orientado pela professora Lúcia Lamounier, retrata uma visão detalhada sobre a rotina das artistas drag, os bastidores dos shows, as inspirações para os figurinos e roteiros e a importância de se valorizar essa vertente artística da capital mineira.

O podcast é uma série de três episódios, com enfoques diferentes sobre a cena drag de BH, e conta com depoimentos de diversas artistas e pessoas que trabalham no ramo, que relatam o cotidiano da produção da arte que fazem, além do por trás das apresentações e da comunidade, que serve como local de acolhimento e apoio às drags. 

A capa do primeiro episódio, com imagem da drag Charlotte e suas filhas.

As duas autoras da obra não se conheciam antes da realização do TCC, por estudarem em campi diferentes da PUC Minas. “A gente é um complemento. A Helena veio com a parte da paixão drag, e eu vim muito com a parte de conhecimento de podcast, que eu já tinha trabalhado, e com a vontade de fazer um TCC que não fosse só pros professores e para a parte acadêmica, mas que contribuísse para uma parcela minorizada da população. A Helena queria fazer algo de drag, e eu nunca tinha pensado nisso, mas vi sentido e comprei a ideia. A gente levou essa parceria por um ano e meio”, conta Laura Seraphim, sobre o processo de criação do trabalho.

“Se pudéssemos resumir a família Drag em uma palavra, seria comunidade. Porque ela resume o que a gente objetiva fazer enquanto comunidade LGBTQIA+, que é utópico de pensar, mas a família Drag concentra a vivência e o senso de comunidade e apoio. Não quero influenciar o trabalho das minhas filhas, mas é num aspecto de direcionar e proporcionar o que eu já aprendi, vivenciei e absorvi como uma possibilidade para que elas analisem se isso tem a ver com o que querem e o que fazem”.

Neste carrossel, você conhece a família de Charlotte: sua mãe, suas filhas e irmãs drag. / instagram: podbrilhoeresistencia

 “Quando estão juntas, as Drag Queens formam mais do que um grupo. Elas são uma família por escolha.” – RuPaul, apresentador do reality “RuPaul’s Drag Race”.

Por trás do espetáculo

“Muita gente perguntou por que não falamos de violência ou preconceito. Eu e a Helena não quisemos entrar só nessa parte, que já é muito frequente. Queríamos mostrar a história daquelas pessoas. No episódio 1, para mim um dos mais emocionantes, o que toca é ver que as drags precisaram se fortalecer entre si para sobreviver, criar sua própria fortaleza”, diz Laura Seraphim.

O segundo episódio, “Figurino: o corpo veste a arte”, fala sobre os figurinos montados pelas artistas drag, e como estes são formas de expressão artística. Os figurinos, brilhantes e elaborados, são um dos aspectos mais marcantes dos shows drag, pois eles carregam a essência e a expressão artística de quem os usa. Muitas das referências de montagem de figurino, para as artistas, são figuras icônicas do mundo pop, como conta Helena Antunes: 

“Cada uma tem um estilo. A Charlotte, por exemplo, tem referências mais “Barbie”, com cabelo loiro, rosa e lentes claras. Ela também já reproduziu figurinos da Beyoncé e Lady Gaga. A Mira falou de vilãs como Úrsula, Cruella e até o Macaco Louco das Meninas Superpoderosas. Além das inspirações, há o desafio financeiro: os figurinos são caros e trabalhosos. Muitas vezes precisam reutilizar peças, adaptar materiais. Esse episódio mostra que não é só “pegar o salto e o vestido da irmã”, mas um trabalho criativo e complexo”.


Pabllo Vittar, cantora drag amplamente conhecida e consolidada na música pop brasileira, também não poupa esforços nas montagens de seus visuais. Para o clipe de sua música “Bandida”, lançado em dezembro de 2021, Pabllo se inspirou em desenhos feitos pelo desenhista Mateus Forte, estudante de artes visuais na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Pabllo acompanhava Mateus e seus trabalhos nas redes sociais, e readaptou os desenhos de figurinos publicados por Mateus para o clipe de sua música.

“Eu fiquei muito feliz por ver meu trabalho sendo reconhecido mais uma vez e por uma artista que eu admiro e sou fã. Eu achei lindo, acho que combinam super com a estética dela”, afirmou Mateus, em entrevista ao G1.

Visual em jeans inspirado no desenho de Mateus Forte / Reprodução: Instagram maateusforte/pabllovittar

No episódio 3, “Backstage: bastidores que sustentam o palco”, as graduadas pautam a rotina e os desafios de quem produz eventos drag. Os shows e eventos sofrem com falta de patrocínios, publicidades e assistência dos veículos de comunicação. Neste contexto, surge a Wig: coletivo que, desde 2023, se dedica à organização e valorização da arte drag. Criada a partir de conexões feitas na Festa Absurda (maior festa LGBT+ pop de Belo Horizonte), a Wig atua como elo entre contratantes e artistas. Em entrevista concedida ao episódio, Rafael Pessoa, produtor da Wig e braço direito das drags do coletivo, explica sobre a organização de eventos:

“A ideia da Wig é, também, educar o mercado. Eu, nessa frente, consigo lutar por um preço justo. Sei que ainda não cobramos o valor que deveria ser cobrado mas, dentro da realidade de hoje, nós conseguimos exigir um cachê lucrativo para as artistas”.

Questionadas sobre o papel que os veículos de comunicação poderiam exercer para contornar a escassez de publicidade vivida pelos grupos drag, as autoras falam sobre como o jornalismo deve agir: “Sinceramente, não consigo imaginar a Globo fortalecendo a cena drag. A Pabllo, por exemplo, já era grande antes da Globo. O que imagino é apoio local e de veículos alternativos. Faz falta jornalismo que mostre o lado positivo, não só tragédia. Perfis, reportagens sobre drags locais já ajudariam muito, porque serviriam de material para elas buscarem patrocínios. Mas ainda é raro. No jornal O Tempo, por exemplo, houve perfis de drags, mas com intervalos de anos. Falta frequência e interesse”,conta Helena Antunes.

“Isso precisa ser estimulado, também nas universidades. Aproveitar o espaço da faculdade para desenvolver projetos que dificilmente teriam apoio fora. Essa mudança talvez venha com novas gerações ocupando espaços no jornalismo e nas redações”, completa Laura Seraphim.

Adicionar comentário