Não é de hoje que a palavra “exclusividade” possui uma conotação positiva. Estamos sempre em busca de algo especial e único. Você com certeza já se sentiu tentado a visitar aquela praia deserta, comprar aquele vestido sem igual, sentar-se na poltrona executiva do avião, frequentar áreas vips em festivais ou tantas outras singularidades. No jornalismo, um “furo” tem muito mais valor do que uma notícia disponível para todos. Basta notar que um artigo com o título “não é para qualquer um”, que a visão sobre o produto ou serviço em si já muda.
Com o Clubhouse, não poderia ser diferente. O aplicativo aciona nos internautas um desejo quase inexplicável de fazer parte daquele grupo seleto. No Twitter, uma multidão de jovens e adultos buscam por convites e até negociam valores com aqueles que já estão dentro da redoma.
O aplicativo despertou o interesse de milhares de pessoas, crescendo mais rápido do que o próprio TikTok, passando de 600 mil para 6 milhões de usuários desde dezembro de 2020.
Mas, o que é afinal o ClubHouse e o que explica esse fenômeno?
Classificado como parte teleconferência, parte podcast, e fundado em abril de 2020, o Clubhouse partiu de uma ideia desenvolvida por Rohan Seth, ex-funcionário da Google, e Paul Davidson, empresário do Vale do Silício.
De acordo com o artigo publicado pelo portal americano Business Insider, em janeiro deste ano, os criadores do app surgiram com o conceito do que futuramente se tornaria o Clubhouse em 2011, com o objetivo de criar uma rede social baseada na voz.
A ideia era dar oportunidade para que pessoas de todos os cantos do mundo pudessem conversar, compartilhar experiências e contar histórias.
Peer pressure e a crescente necessidade de fazer parte
Apesar de tratar de um conceito relativamente novo no universo de aplicativos de interação entre usuários, o Clubhouse acabou se destacando mais pelo simples motivo de ser uma rede social “exclusiva”, na qual só se entra através de um convite de alguém que já tenha feito uma conta lá dentro – além disso, o app só está disponível para usuários de iOS, o sistema da Apple.
Essa estratégia, embora abordada como não intencional pelos criadores – afirmaram, de acordo com outra matéria publicada em fevereiro pelo Business Insider, estarem trabalhando para a versão do aplicativo chegar em aparelhos Android o quanto antes -, aumenta o desejo incontrolável de pertencimento, ou o peer presure, já que se torna cada vez mais difícil ser a pessoa que está por fora de algo tão comentado.
Essa sensação de fazer “parte” de algo importante é um fator que influencia, e muito, os potenciais novos usuários do aplicativo a correrem para a adesão – ao mesmo tempo em que pressiona os que ficam de fora para buscarem formas de entrar.
O termo em inglês peer presure, que pode ser traduzido como uma pressão coletiva de amigos ou pessoas cuja opinião você considera valiosa, encaixa perfeitamente para explicar este aspecto que fez do Clubhouse um sucesso instantâneo.
O Clubhouse nos tempos de Aristóteles
De acordo com o jornalista e professor de história e sociologia Homero Nunes, a necessidade de pertencimento que sentimos não é algo novo. “Aristóteles já dizia, na Grécia antiga, que o ser humano é um ser social, vivemos em sociedade. Então, essa pressão dos grupos sempre existiu, a questão é que tudo isso é potencializado nessa era da informação, sobretudo com a tecnologia e as redes sociais.”
Homero comenta que o peer presure também pode ser fruto de um constante temor de se expor como um “ignorante” aos acontecimentos sociais, sentimento que normalmente é evitado ao máximo. “Seguindo o pensamento de rede de agendamento, em que a opinião pública é definida pelo o que a mídia fala, nós nos sentimos pressionados a saber mais sobre o assunto do momento, para não ficar perdido e parecer alienado.”
Com esse fenômeno se intensificando, somos introduzidos ao conceito de FOMO (Fear Of Missing Out, em inglês, traduzido como “medo de ficar de fora”).
“O próprio FOMO aparece nesse caso do Clubhouse porque as pessoas não aguentam o sentimento de estarem perdendo alguma coisa”, afirma Homero, e ainda completa dizendo que, além de ser potencializado pela pandemia, em função do distanciamento social, “isso acaba dizendo respeito aos nossos relacionamentos, mediada pelas tecnologias e redes sociais.”
Homero Nunes também pondera sobre o quanto nossa vida e nossos relacionamentos foram quase que completamente transferidos para as telas de celulares e computadores, e que essa passou a ser a maneira que encontramos de interagir.
Nós participamos da vida através de aparelhinhos, então quando surge algo novo e diferente, as pessoas vão querer testar e ver do que se trata, mesmo não sendo algo que vá durar muito tempo, como o próprio Snapchat, por exemplo”, afirma o professor.
Estratégias de neuromarketing impulsionam lançamentos de projetos digitais
O conceito do neuromarketing surgiu no final da década de 1990, nos Estados Unidos, elaborado por uma série de pesquisadores, incluindo Gerald Zaltman, professor da Harvard Business School (Escola de Negócios de Harvard). Ele engloba a união da neurociência com o marketing, visando compreender de que forma o consumidor toma a decisão de compra ou nesse caso, de baixar o aplicativo. Segundo o educador, cerca de 95% da atividade cerebral é inconsciente, além do que é perceptível ou verbalizado pela maioria das pessoas.
Para os profissionais do marketing, o neuromarketing surge como uma forma de facilitar o acesso ao subconsciente do usuário, lugar pouco habitado pelas formas tradicionais da publicidade. Sendo assim, surgiram inúmeras estratégias a fim de ligar esse campo publicitário ao comportamento do consumidor, incluindo táticas de gatilhos mentais de escassez, exclusividade, prova social e curiosidade.
Lançamentos e prova social
A jornalista Fernanda Mafia, especialista em infoprodutos e marketing digital, ressalta alguns desses aspectos importantes a respeito dos moldes em que o aplicativo se encontra: “Sobre isso dos convites exclusivos, tem uma coisa que desperta na gente que é esse sentimento de escassez, né? Quanto mais escassa é uma coisa, mais ela tem valor!”, afirma e, ainda, defende: “muitos aplicativos começavam mesmo só para um sistema operacional”.
Além da escassez, a “prova social” também é uma perspectiva que deve ser analisada ao tratar das estratégias na propaganda do Clubhouse. Já passou pela sua cabeça conseguir participar de um bate papo com Elon Musk, Mark Zuckerberg e até a Oprah? A nova rede social está apta a promover diversas interações como essas.
De acordo com Mafia, quando o app chegou ao Brasil e os primeiros usuários começaram a se cadastrar, o que chamou muita atenção foi a perspectiva de se conectar com indivíduos influentes. “Muitas pessoas famosas, conhecidas, grandes produtores digitais, grandes empresários, estavam lá dentro discutindo estratégias.” Essa situação ativa o gatilho da prova social, que é uma espécie de evidência utilizada para mostrar quão bom o produto é. No caso do Clubhouse, o estímulo foi ainda mais agravado por se tratar da aprovação por autoridades.
Por fim, a especialista em infoprodutos compara a nova rede de áudio ao TikTok, visto que ambas são feitas para que você passe o maior tempo possível dentro dela. Ela confirma que o TikTok também é um aplicativo viciante no qual só precisamos arrastar a tela para cima que ele se encarrega de nos entregar um vídeo interessante, que proporciona sensações momentâneas de prazer.
Com o Clubhouse, o cenário não é muito diferente, “as conversas ali dentro não ficam salvas, então, não tem replay! Se você não estiver ali escutando aquela conversa, naquela sala, naquele momento, você não consegue ver de novo. Perdeu, acabou, já era”. Além disso, Fernanda Mafia ressalta que o aplicativo desperta o nosso lado “fofoqueiro” de curiosidade, “o nosso lado ‘fifi’ de ficar escutando a conversa dos outros. Por mais que às vezes você não participe, você está lá escutando”.
Com a reputação instantânea criada com o lançamento do aplicativo, fica clara a vontade crescente de usuários em construir conexões por meio das mais diversas redes sociais. Acompanhar a evolução do Clubhouse no auge da era da tecnologia se tornou uma oportunidade de descobrir em primeira mão os efeitos positivos e negativos de um aplicativo que estimula cada vez mais as interações, muitas vezes exageradas, entre os seus usuários. E você, está lá ou resistiu à pressão?
Reportagem desenvolvida por Laura Peixoto e Stela Cambraia, monitoras de Jornalismo do Colab.
Adicionar comentário