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Pedro Spinelli: o jornalismo por trás das câmeras

Em um mundo em que a busca pela fama, pelo engajamento e pela exposição passaram a ser prioridade de alguns comunicadores, a escolha por estar atrás das câmeras parece um contramovimento. Para Pedro Spinelli, hoje produtor da TV Globo, ainda a maior emissora do país, a essência do jornalismo acontece mais distante das lentes.

Convidado para representar quem trabalha na produção jornalística em um evento na PUC Minas, o integrante da família Spinelli pisou pela primeira vez no campus São Gabriel para conversar com estudantes e depois conceder uma entrevista ao Colab. Com estilo despojado, vestindo moletom vermelho da marca Adidas e calça jeans preta, Pedro desceu a rampa que dá acesso ao prédio do curso de Jornalismo contando como era sua época de estudante, em que misturava as aulas no prédio 13, no campus Coração Eucarístico da PUC, com os jogos da copinha, a competição esportiva dos alunos da universidade.

Família de jornalistas

Pedro Spinelli, hoje com 25 anos, iniciou a graduação em 2018 e se formou em 2021. O jornalista brinca que teve apenas dois anos de faculdade, já que concluiu a graduação de forma on-line, devido à pandemia de Covid-19. No entanto, o jornalismo nem sempre foi uma certeza em sua vida.

No ensino médio, ele identificou que gostava de trabalhar com comunicação e odiava a área de exatas, por isso, antes de realizar a prova do Enem, Pedro decidiu que faria jornalismo, influenciado pela sua primeira experiência trabalhando com comunicação, na produtora da mãe, Adriana Spinelli (também perfilada pelo Colab), por volta dos 15 anos. Buscando ganhar seu próprio dinheiro, na empresa o jovem fazia funções técnicas, puxava cabo, segurava rebatedor de luz, montava tripé, até que foi evoluindo e chegou a trabalhar como cinegrafista. Ele analisa a influência de ter vindo de uma família de jornalistas na escolha da profissão.

Jornalismo já estava no meu sangue, na minha veia”, afirma Pedro Spinelli.

Foto de família com 4 pessoas brancas, em pé no sol, sorrindo. Dois homens e duas mulheres
Pedro Spinelli com a família / Arquivo Pessoal

Apesar de reconhecer que a profissão faz parte da família, visto que os pais e a irmã também são da área, o filho mais novo não se sentiu pressionado a seguir o mesmo caminho: “Eu acho que foi muito inconsciente, sabe? Não foi uma coisa tão direta, igual às vezes as pessoas imaginam. Eu era só uma criança, não sabia que eu ia ser jornalista.” 

Quando já estava atuando na área, Pedro começou a sentir a pressão de ser filho de Adriana Spinelli e Paulo César Jardim e irmão de Mariana Spinelli, jornalistas conceituados, principalmente por ouvir comentários maldosos em relação ao seu merecimento.

Para além da pressão

Em uma dessas ocasiões, Pedro se abalou, mas Helverte Moreira, hoje apresentador do Cidade Alerta Minas, e colega de trabalho de Pedro em seu primeiro estágio na Record Minas, o aconselhou: “É a Adriana que está aqui escrevendo as notas? É a Adriana que está aqui coordenando o helicóptero? Não é você que está fazendo isso? Pronto, porra.” Pedro confessa que isso foi uma das coisas que mais o marcou – ser visto pelo que estava fazendo e não por seu laço sanguíneo .

Hoje, Pedro diz ter aprendido a lidar com a pressão e até brinca que não tem como mudar de onde veio ou quem é. Pelo lado sentimental, ele enxerga como uma oportunidade de zelar pelo nome da família e refazer os passos dos pais, que também já trabalharam na Globo.

A continuação do legado

Às vezes, parece que o destino de Pedro Spinelli com a Globo já havia sido traçado. Isso porque, além de carregar o legado de seus pais na empresa, foi com o clássico efeito sonoro da vinheta da Globo, Plim Plim, que Pedro foi apelidado em seu trote de calouros quando entrou na faculdade. A coincidência ocorreu porque descobriram que seu pai era da Globo. Pedro conta que foi um telefone sem fio, já que o jornalista, conhecido como PC, já havia deixado a emissora há mais de quatro anos. Para ele, foi um momento engraçado que ficou como recordação. Pedro guarda a plaquinha do trote até hoje.

Pedro Spinelli sorrindo no trote de calouros da faculdade sujo de tinta. No pescoço, uma placa de papelão pendurada escrito "Calouro global #plimplim". Ao seu lado, um homem apontando para ele.
Pedro Spinelli em seu trote de calouros / Arquivo Pessoal

Além de vir de uma família de jornalistas, Pedro também namora uma colega de profissão, Pollyana Sales, repórter do portal OTempo. O casal de jornalistas se conheceu na Record TV e de uma amizade de redação surgiu um relacionamento que já dura cinco anos. Na correria da rotina, Pedro assume que ter alguém ao lado que entende a profissão é muito mais fácil: “Eu não [me] imagino namorando uma pessoa que não fosse jornalista, eu não sei o que que eu ia conversar com a pessoa.”

Um  homem abraçado de lado com uma mulher em um jardim. Ambos estão sorrindo.
Pedro Spinelli e sua namorada Pollyana Sales/ Arquivo Pessoal

Trabalho voluntário: “Só faz, não interessa quem vai ver”

A primeira experiência de Pedro trabalhando com esporte foi de forma voluntária, ainda na faculdade, quando um estudante de Direito da PUC o convidou para fazer a comunicação do “FootClass”, um evento que olhava o futebol para o lado mais acadêmico.

Uma das funções de Pedro era abrir o evento e, em meio a uma plateia que continha convidados como Mario Marra, jornalista da ESPN, e o Presidente da Federação Mineira de Futebol, Pedro relembra como se sentiu:  “Eu quase desmaiei na hora de fazer a abertura. Eu era muito novo e muito cru mesmo.” Apesar disso, o jornalista destaca a rede de contatos que começou a formar devido à experiência de organizar o evento.

Na mesma época, Pedro fez parte da equipe do “Roteiro Alternativo”, um projeto de criação da irmã Mariana Spinelli com dois amigos. Gerido 100% por universitários, a ideia era colocar a mão na massa, e assim Pedro fez. Foi repórter, editor de texto e vídeo, redator e cinegrafista. Como voluntário, ainda trabalhou na Rádio Vertsul FM noticiando esportes, convidado por Riney Ribeiro, na época chefe de reportagem da Record Minas, lugar em que estagiava. Pedro comenta que nem questionou qual o alcance da rádio, indo apenas pela experiência, já que era do tipo que topava qualquer coisa.

As coberturas marcantes

Em janeiro de 2019, Spinelli entrou na Record, onde foi marcado por coberturas difíceis. Ele cita a tragédia de Brumadinho como a maior delas. Pedro tinha acabado de entrar na emissora quando a barragem da Mina Córrego do Feijão se rompeu.

Eu nunca vou esquecer, que eu cheguei na redação, uma loucura insana, todos os chefes de todos os horários lá… A redação louca, telefone para lá e pra cá, e aí eu entendi o tamanho do que tinha acontecido.

No meio da confusão, Pedro foi designado para descobrir o caminho que a lama estava fazendo. Um dos apuradores, desesperado, entregou um mapa de Minas na mão de Pedro e o pediu para ligar para cada prefeitura e estabelecimento das cidades em que a lama pudesse passar. “Foi muito pesado, muito forte, mas foi a cobertura que mais me marcou como jornalista fora do esporte”, destaca.

Já no âmbito esportivo, ele cita o dia em que seu xará, atacante do Flamengo, tomou um soco do auxiliar técnico do próprio time, em uma partida contra o Atlético, no Independência. O jornalista foi designado para seguir o jogador por onde ele fosse, inclusive para a delegacia em que ele prestou depoimento. Pedro ficou organizando as entradas ao vivo nos programas esportivos durante a madrugada, pegou entrevista do delegado e realizou cobertura para o Esporte Espetacular e o Fantástico.

Pedro brinca que foi para um jogo às 20h e terminou na porta da delegacia às 5h, além de ter que ir virado para a festa de formatura do melhor amigo de infância, morrendo de sono.

Apesar de hoje trabalhar com esportes, esse nunca foi o anseio de Pedro. Na faculdade, sua meta era ser jornalista político, inspirado por Nilson Clava, da GloboNews. Em 2020, ele chegou a trabalhar na área, na Voda Comunicação, uma agência especializada em comunicação e marketing político, a convite de Celso Lamounier, sócio-fundador da empresa, criando conteúdo para as redes sociais de candidatos às prefeituras das cidades mineiras.

Cópia do pai

A trajetória de Pedro Spinelli na Globo se iniciou em uma oportunidade de estágio. A vaga para a qual concorreu não especificava em qual editoria era, mas o futuro de Pedro estava traçado, e ele entrou na produção de programas esportivos. Após se formar, trabalhou como freelancer e, no terceiro mês, foi efetivado como produtor de reportagem.

Um homem no centro da foto em um estádio de futebol. Ao fundo, a arquibancada em roxo escrito "ORLANDO".
Pedro em Orlando
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Pedro puxou o pai, Paulo César Jardim, e se sente mais à vontade nos bastidores: “A gente brinca lá em casa, que minha irmã é a cópia da minha mãe e eu sou mais a cópia do meu pai. Minha irmã gosta de vídeo, de aparecer, de falar, e eu sou mais igual meu pai, eu gosto mais de trabalhar atrás das câmeras.” Essa preferência não impede Pedro de “trocar de lado” quando necessário. O jornalista já chegou a atuar como repórter de vídeo e a participar de lives do Globo Esporte, mas admite que esse não é seu sonho e está muito feliz na produção.

Dois homens em pé. O da esquerda está com a mão no ombro do homem da direita. Ambos estão sorrindo.
Pedro Spinelli com seu pai / Arquivo Pessoal

A pauta para Pedro Spinelli

O processo de pensar em uma pauta do planejamento à veiculação é um dos desafios dos produtores. Na Globo, o setor de esportes é dividido entre cinco pessoas, tendo dois setoristas do Atlético, dois do Cruzeiro e um que cuida dos esportes olímpicos. Spina, como Pedro é apelidado pelos amigos, gosta de estar envolvido em todas as partes da produção. Após surgir uma pauta, ele diz acompanhar o repórter na rua, fazer captação, decupagem da entrevista, avaliação o que vai entrar no VT e acompanha a edição. Ele define como um trabalho que não para, já que a cabeça tem que estar sempre na pauta que vai entregar no próximo dia. 

O produtor assume que, por ser uma entrega diária, não é um trabalho fácil. “Cara, é muito difícil. Não é fácil, não vou mentir. Falar ‘ah, ser produtor é uma maravilha, é a coisa mais fácil do mundo.’ Não, é difícil, é muito difícil você exercitar a criatividade.” Mas o jornalista já tem suas estratégias para manter a criatividade ativa, uma delas é consumir diversos conteúdos e ficar antenado em tudo que é novidade no audiovisual. Ele explica que tira referências para a produção de VT’s até de vídeos que assiste no Youtube quando está descansando, sendo o Canal 11, de Portugal, um dos que mais assiste. De acordo com o comunicador, foi uma forma que ele encontrou de treinar o cérebro para ter repertório.

A arte de contar histórias

Pedro cita os conteúdos que mais gostou de produzir. Entre elas, uma série de cinco episódios que abordava a relação dos títulos da Copa do Mundo conquistados pelo Brasil com Minas Gerais. Como produtor e roteirista, Pedro foi responsável por achar conexões que poderiam ser destrinchadas nos episódios. No primeiro, na Copa de 58, a seleção ficou concentrada em Poços de Caldas, Sudoeste do estado, e depois foi para Araxá, região do Triângulo Mineiro. Na cidade, Pedro encontrou uma história inusitada: o dente do Garrincha, camisa 11, pendurado no teto de um bar como atração.

O jornalista também cita a história de Gledson Chaves, hoje videomaker do Hulk, principal peça do elenco atleticano. Gledson era fã do Hulk e tinha uma página no Instagram destinada a postar os gols do atleta quando ele ainda estava na China. Quando perdeu o emprego, e junto a conta no Instagram, Hulk o levou para morar e trabalhar diretamente com ele. Pedro conta que foi uma história que o marcou: “Tem muitas histórias legais fora do campo, né? Muitas vezes está sempre com aquele olhar viciado, de pensar só no que aconteceu no jogo, e as histórias às vezes mais legais estão fora do campo.”

Jornalismo esportivo: nem tudo são flores

O jornalista confessa que, assim como todas as profissões, o jornalismo também tem seu lado negativo. No esportivo, um dos que Pedro esbarra todos os dias é o de ver como um trabalho o que antes era diversão: “Eu nem lembro a última vez que eu fui ao estádio para ver um jogo. Então, você acaba perdendo um hobby, você acaba perdendo o lazer.”

Pedro aconselha os estudantes de jornalismo a pensarem bem na área que querem atuar. Se for no jornalismo esportivo, ele entende que o lado torcedor vai ter que ser deixado de lado para que o profissional possa assumir. Para ele, aqueles que são fanáticos por futebol e por clubes específicos podem não gostar de trabalhar com esportes do jeito que sonham: “Você vai ter que pegar esse lado e deixar no potinho, e sabe-se lá quando você vai buscar de volta”, adverte.

Pedro é um cara reservado e prefere não expor o time que torce a todo momento, apesar das pessoas imaginarem pelo sobrenome que carrega. Para ele, a rivalidade entre os dois principais clubes de Minas Gerais é um dos pontos que o leva a não evidenciar seu clube do coração a todo momento. Isso porque ele acredita que ainda falta maturidade da população em separar o pessoal do profissional. Trabalhando em uma emissora tradicional, como a Globo, ele entende que poderia ser desacreditado pelos rivais ou prejudicar o contato com os atletas de ambos os clubes.

A agressão sofrida

Em 2023, o profissional dos bastidores ocupou as manchetes dos principais jornais esportivos. Pedro Spinelli ficou conhecido como o jornalista agredido por Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, no pós-jogo da partida entre Atlético Mineiro e o time alviverde, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano.

Esse dia foi o dia mais louco, assim, o mais insano da minha carreira como jornalista até hoje”, revela Pedro.

Ele relata que a equipe da Globo estava fazendo uma pauta na torcida, mas que, por ter sido um jogo quente, com gol anulado e polêmicas, Pedro preferiu descer e garantir a zona mista. Quando acabou, ele estava esperando sua equipe e começou um bate-boca entre o diretor de futebol do Palmeiras, Anderson Barros, com o árbitro da partida, sobre o gol do Rony que havia sido anulado.

Como jornalista, Pedro decidiu filmar a discussão do seu próprio celular, sabendo que aquilo renderia uma nota. Na sequência, ele avistou uma mão puxando o aparelho e desferindo ofensas. Reconhecendo ser o técnico que estava cotado para assumir a seleção brasileira naquela semana, Pedro pediu para que ele devolvesse o celular, sendo acompanhado por Henrique André, repórter da Itatiaia, que também filmou todo o ocorrido.

Na foto tem quatro homens. Um deles está segurando o celular enquanto o que está em sua frente tenta pegar o aparelho. Os outros dois observam a cena.
Abel Ferreira segurando o celular do jornalista Pedro Spinelli / Henrique André, Itatiaia

Após recuperar o celular, Pedro comunicou a TV sobre o ocorrido e eles decidiram noticiar no GE, o site de esportes da Globo. E daí para frente, nos termos de Pedro, as próximas 48 horas foram de loucura, com jornalistas até de Portugal, país do técnico Abel Ferreira, querendo um posicionamento oficial sobre o que tinha acontecido.

O pedido de Abel Ferreira

Na segunda-feira seguinte ao episódio, ao chegar ao trabalho, Pedro recebeu uma mensagem da equipe de comunicação do Palmeiras. Nela, pediam desculpas e informavam que Abel também gostaria de se desculpar. Pedro, imaginando que o técnico pudesse entrar em contato, recebeu uma ligação com o DDD 11, de São Paulo. Querendo se resguardar de qualquer novo desentendimento, já entrou na sala da chefe, sem nem explicar o que havia acontecido, e atendeu a ligação de Abel Ferreira. O técnico pediu desculpas e assumiu não tê-lo reconhecido como jornalista.

a acontecer nas oitavas de final da Copa Libertadores de 2023. Em meio às brincadeiras dos colegas alertando que precisava de segurança, ele entrou na onda dizendo que ia deixar o celular no bolso. O encontro foi marcado pelo aperto de mão entre os dois, e o técnico português insinuando que daquela vez Pedro estava no local destinado à imprensa.

O reencontro do jornalismo com o público

Pedro diz que se vê otimista com o jornalismo, diferentemente de quando se formou, quando o discurso era de que a profissão iria acabar. Para ele, as redes sociais trouxeram uma infinidade de oportunidades, e hoje ninguém depende mais das poucas emissoras do mainstream. Ele ainda aconselha os estudantes de jornalismo: 

“Façam com amor, façam com vontade, sonhem alto e sejam otimistas, que em vez de o jornalismo morrer, pelo contrário, eu acho que está ficando cada vez melhor e cada vez mais importante para a sociedade”, finaliza.

Este perfil foi produzido por Danielly Camargos, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard.

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Danielly Camargos

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