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Manifestantes protestando a favor da entrada de imigrantes e refugiados nos Estados Unidos (Reprodução: Pixabay - pixabay.com/images/id-2590766/)

Os dois lados da imigração: uma denúncia do descaso contra imigrantes e refugiados

Correntes migratórias ganham força após anos 2010

Desde o início do século XXI, a imigração tem sido uma das pautas mais discutidas entre cientistas sociais e políticos de todo o planeta. São milhões de pessoas deixando os países em que nasceram todos os dias, rumo a nações que, de acordo com a crença popular, têm melhores condições acadêmicas, de trabalho ou de vida. No entanto, embora a proposta seja tentadora para muitos, os grandes fluxos migratórios e suas consequências levam ao seguinte questionamento: por que as pessoas que imigram recebem tratamentos diferentes de acordo com seu país e contexto de origem?

A resposta para essa pergunta é complexa, mas pode ser explicada a partir de três principais rótulos: pessoas deslocadas, pessoas refugiadas e imigrantes.

Conhecendo deslocados e refugiados

De acordo com o portal Ajuda em Ação, “Um refugiado é uma pessoa que é obrigada a abandonar o seu país de origem ou residência porque a sua vida está em perigo. Muitos fazem-no para escapar à guerra, ao conflito ou à violência. Também incluídos nesta categoria estão aqueles que são perseguidos por razões de origem, religião, nacionalidade, orientação sexual ou identidade de gênero, entre outros”. Ainda segundo o site, embora as pessoas deslocadas possam fugir das suas casas pelas mesmas razões que os refugiados, a diferença está nas fronteiras. Enquanto os refugiados atravessam fronteiras internacionais, as pessoas deslocadas permanecem dentro do mesmo país, mas em outra zona.

O termo [deslocamento forçado] contempla pessoas e grupos forçadas a deixar suas casas devido aos efeitos dos conflitos armados, violência generalizada, violação dos direitos humanos ou calamidades humanas ou naturais.

Roberta Nunes, Jornalista e mestranda em Sociologia pela UFMG

Dados que comprovam a crise

Em 2020, o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) divulgou documento que aponta que mais de 82,4 milhões de  pessoas no mundo estão em situação de deslocamento forçado. Dessas, 26,4 milhões são refugiadas (sob mandato do ACNUR) e 44 milhões são deslocamentos internos forçados, que é o número mais alto até então.  De acordo com o relatório, os países que tiveram maiores situações de deslocamento internacional foram a Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul, Myanmar, RDC, Somália, Sudão, República Centro-Africana e Eritreia. Já os países que mais acolheram foram Turquia, Colômbia, Paquistão, Uganda e Alemanha.

Sabe-se que, atualmente, a emigração, ou seja, o fluxo de pessoas que deixam seus lares rumo a outros países, é mais forte em territórios que apresentam índices reduzidos de desenvolvimento humano e econômico. Segundo o site World Population Review, os dez países com os maiores números de emigrantes no ano de 2021 são:

  1. Índia, com 15.9 milhões
  2. México, com 12.5 milhões
  3. Rússia, com 10.4 milhões
  4. China, com 9.7 milhões
  5. Bangladesh, com 7.2 milhões
  6. Síria, com 6.2 milhões
  7. Paquistão, com 5.9 milhões
  8. Ucrânia, com 5.8 milhões
  9. Filipinas, com 5.4 milhões
  10. Afeganistão, com 4.9 milhões

Em relação ao deslocamento interno forçado, ou seja, quando o fluxo migratório ocorre dentro da fronteira nacional, a Colômbia continua sendo o país que reporta o maior número de pessoas, seguida de Síria, República Democrática do Congo, Iêmen, Somália, Afeganistão, Etiópia, Nigéria, Sudão e Sudão do Sul.

Sobre a situação colombiana, Roberta Nunes, Jornalista e mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica: “Na Colômbia, as vítimas [da intolerância] não são escolhidas exclusivamente por etnia, religião, classe ou grupo. Todos são atingidos apesar de quem são. No entanto, o modo como são afetados, os tipos de violência, e violações de Direitos Humanos se relacionam às suas identidades”.

Acampamento de refugiados no Paquistão (Reprodução: Pixabay – pixabay.com/images/id-81770)

O que é a imigração?

Diferente dos dois últimos conceitos, o título de imigrante é amplo, e pode ser atribuído tanto às pessoas que se deslocam de seus países de origem por questões relacionadas à fragilidade social quanto à aquelas que o fazem por espontânea vontade. Em resumo, imigrante é o indivíduo que, por qualquer que seja o motivo, reside em um território diferente daquele onde nasceu. No entanto, embora esse intercâmbio populacional seja interessante do ponto de vista cultural, a realidade imposta sobre imigrantes costuma variar de acordo com seu local de origem.

Sobre a influência de estereótipos e preconceitos, forma-se a crença equivocada de que, potencialmente, grupos vindos de países desenvolvidos representam progresso, enquanto aqueles vindos de países que enfrentam conflitos sociopolíticos representam ameaças. Dessa forma, o tratamento recebido pelas pessoas que optam por realizar a imigração não é igualitário – pelo contrário, ele representa riscos a milhões de  pessoas que, hoje, tentam refúgio no exterior. Incapazes de retornar a seus respectivos lares e sem o apoio de líderes políticos, os imigrantes são condicionadas a integrar parcelas marginalizadas de uma sociedade, abrindo mão de direitos básicos para sua sobrevivência.

Embora a decisão de emigrar não seja simples em nenhum caso, é impossível ignorar o fato de que, à medida em que a imigração ocorre de forma livre e é incentivado por órgãos públicos ou privados, como costuma ocorrer no norte global, os desafios tornam-se significativamente menores. Além disso, os riscos diminuem, e ameaças como a perda de identidade são descartadas.

A imigração e a perda de identidade

Como consequência do descaso de dezenas de governos em relação às intensas crises migratórias registradas ao redor do mundo durante os últimos 20 anos, a perda de identidade é um problema recorrente para aqueles que tentam recomeçar a vida longe de casa. Tratados como um problema por governantes das principais potências mundiais, os imigrantes estão sujeitos à perda de direitos civis e humanos. Um exemplo desse fato é o caso de Alan Kurdi, que morreu afogado em uma praia da Turquia. O menino de três anos estava à bordo de um barco clandestino rumo à Grécia com sua família, e ficou mundialmente conhecido apenas como  “o menino sírio” após as fotos de seu corpo na costa turca chocarem a internet, em 2015.

Eu sou migrante, mas ninguém espera que eu arrisque minha vida num barco avariado ou cruze um deserto num caminhão para encontrar trabalho fora do meu país. A migração segura não pode limitar-se à elite global.

António Guterres, secretário-geral da ONU

Sobre o tema, Tatiane Hilgemberg, professora de Comunicação da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e testemunha da crise envolvendo imigrantes venezuelanos na fronteira do Brasil, destaca: “Quando afirmamos o que somos, demarcamos fronteiras, separando o ‘eu’ do ‘outro’. Essas fronteiras afirmam e reafirmam relações de poder e, nesse sentido, quando fazemos isso, embutimos valores sobre esse outro (os estereótipos e estigmas)”.

Apesar dos desafios no combate aos preconceitos envolvendo a imigração, ainda existem ferramentas com potencial para frearem a crise enfrentada pelos milhões de imigrantes e refugiados dos quais se tem notícia em 2021. Hoje, o mais influente desses recursos é a mídia. “Através dos meios de comunicação, os discursos midiáticos ajudam a definir, normalizar, influenciar e refletir os valores dominantes de uma sociedade”, relembra Tatiane.

Pressionar nações a utilizarem as estratégias disponíveis para o combate a histórias únicas e inverdades é uma das opções para que o recomeço na vida de imigrantes, refugiados e pessoas deslocadas se torne um processo mais simples. Afinal, o direito de contar com um lugar seguro para chamar de lar deve pertencer a todos, independente de sua etnia, religião, contexto social ou, é claro, nacionalidade.

“Nós somos de outra cultura, damos o melhor para o ser humano e somos felizes, porque estamos passando por dificuldades nesta vida. Somos guerreiros”

Yaneth Salazar, imigrante venezuelana e cozinheira

Julia Marques dos Santos

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