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Varal de corda com notas falsas de 100 reais espalhadas na Esplanada dos Ministérios, na altura do Museu Nacional da República em Brasília, DF, em protesto de 2015. A iniciativa é do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.
Varal com notas de 100 reais instalado na Esplanada dos Ministérios, na altura do Museu Nacional da República em 2015 em Brasília, DF.. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O custo invisível da sonegação fiscal: Quem paga essa conta?

Quando o imposto não é pago, a conta chega em forma de filas no hospital, escolas sem estrutura e preços mais altos. A sonegação fiscal é o impacto que todos sentem mas poucos enxergam.

Em maio deste ano, 48 itens se encontravam em falta na Farmácia de Minas. Em junho do mesmo ano, 36 escolas públicas não possuíam coleta de esgoto, seis operavam sem o fornecimento regular de água e duas não possuíam banheiro dentro de suas dependências internas. Em agosto, o pronto socorro do Hospital das Clínicas operou acima da capacidade suportada, atendendo pacientes até mesmo nos corredores.

Situações como essas se repetem com frequência em Minas Gerais e em várias outras partes do país. Na maioria das vezes, são atribuídas à falta de investimento público, à má gestão ou à corrupção. Mas há um fator silencioso, raramente mencionado, que corrói a base do Estado e agrava as desigualdades sociais: a sonegação fiscal.

O que é sonegação fiscal?

Sonegação fiscal é quando o cidadão comum, empresa ou comerciante omite ou falsifica informações com a intenção de pagar menos impostos que o necessário, ou não pagar nenhum tributo. Em outras palavras, é quando alguém deixa de pagar o que deve por lei, de forma intencional. A prática da sonegação é considerada um crime, inicialmente previsto no Código Penal com a Lei nº 4.729/1965, que foi revogada e atualizada, sendo substituída pela Lei nº 8.137/1990. O crime pode resultar em detenção, chegando a pena prevista de dois a cinco anos e multa, além da inscrição em dívida ativa e bloqueio de bens. Ela pode ser praticada tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas, havendo diferentes formas de ser cometida.

As formas mais comuns de sonegação fiscal são a omissão de receitas, por meio da não emissão de notas fiscais, em que parte do valor total que deveria ser tributado e repassado ao Estado é escondido e não declarado pelo devedor. Outra prática comum é o uso de notas fiscais falsas, sem que tenha acontecido uma compra real de um produto, feito com o intuito de inventar despesas que não existem. Além desses casos, a sonegação também acontece quando empresas contratam funcionários sem registro, declaram valores diferentes do preço real de um produto ou alteram registros contábeis para parecer que lucraram menos, tudo isso para pagar menos imposto.

Frequentemente, a sonegação fiscal é confundida com outras duas práticas que estão dentro da lei, a elisão fiscal e a inadimplência. No caso da elisão, o devedor procura brechas na própria lei, que conseguem reduzir a carga tributária, por meio de um planejamento tributário, com toda uma equipe jurídica para trabalhar no caso. Já a inadimplência ocorre quando o devedor reconhece a dívida, mas não possui recursos financeiros para pagá-la, então há apenas uma multa, com cobrança de juros, além da inscrição em dívida ativa. 

O tamanho dos números da sonegação no Brasil

Antes de entendermos mais a fundo o problema da sonegação fiscal em Minas Gerais e quem são os principais afetados por isso, é importante analisarmos o contexto econômico e tributário do país. Para uma melhor compreensão da situação tributária nacional, buscamos o porta-voz do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Fernando Steinbruch, para uma análise mais detalhada sobre os dados disponibilizados pela organização. O estudo mais recente fornecido à nossa equipe mostra que o Brasil possui um grande problema com a sonegação de impostos. De acordo com o artigo publicado em 2023, com base em dados dos cinco anos anteriores, o país deixa de arrecadar cerca de R$374 bilhões por ano em tributos não declarados, um valor que representa 10,45% de toda a carga tributária potencial da economia brasileira.

Os dados mostram que, mesmo que os índices de sonegação venham diminuindo desde 2004, o Brasil segue em uma situação alarmante. Em 2002, o percentual era de 32%, subindo para 39% em 2004, e a partir daí, apenas diminuindo, até o ano de 2021, quando alcançou 10,45%, o menor índice da América Latina (até o momento de publicação da pesquisa). 

O gráfico mostra a queda gradual do índice de sonegação fiscal no Brasil entre 2002 e 2021. Segundo o IBPT, o percentual de impostos não declarados caiu de 39% em 2004 para 10,45% em 2021 — uma redução que indica avanços na fiscalização e maior conscientização tributária, embora o problema ainda represente grandes perdas para o país.

O gráfico mostra a queda gradual do índice de sonegação fiscal no Brasil entre 2002 e 2021. Segundo o IBPT, o percentual de impostos não declarados caiu de 39% em 2004 para 10,45% em 2021 — uma redução que indica avanços na fiscalização e maior conscientização tributária, embora o problema ainda represente grandes perdas para o país.

Ainda de acordo com o artigo, as empresas brasileiras deixam de declarar aproximadamente R$2,16 trilhões em faturamento por ano. Além disso, 47% das pequenas empresas, 31% das médias e 16% das grandes apresentam algum nível de sonegação. É importante lembrar que, mesmo que em proporção, as pequenas empresas sonegam mais, são as grandes organizações que acumulam os maiores valores, porque movimentam muito mais dinheiro.

O gráfico revela que as pequenas empresas concentram o maior percentual de indícios de sonegação fiscal no Brasil (47%), seguidas pelas médias (31%) e grandes (16%). Os dados indicam que, embora as grandes corporações tenham maior visibilidade, a evasão fiscal é mais recorrente entre negócios de menor porte, o que reforça a importância da fiscalização e da educação tributária em todos os níveis empresariais.

O gráfico revela que as pequenas empresas concentram o maior percentual de indícios de sonegação fiscal no Brasil (47%), seguidas pelas médias (31%) e grandes (16%). Os dados indicam que, embora as grandes corporações tenham maior visibilidade, a evasão fiscal é mais recorrente entre negócios de menor porte, o que reforça a importância da fiscalização e da educação tributária em todos os níveis empresariais.

Analisando os diferentes setores, em termos de arrecadação, o setor industrial é o que mais sonega, seguido pelo comércio e pelos serviços financeiros. O levantamento também aponta que o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) é o tributo com maior índice de sonegação, seguido pelo ICMS e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A tabela mostra os procedimentos fiscais realizados em 2021, com os respectivos créditos tributários recuperados em cada segmento econômico. O setor industrial lidera com 44,3% do total, seguido por comércio (12,8%) e serviços financeiros (11,6%). No total, foram identificados R$180,65 bilhões em créditos fiscais provenientes da fiscalização de pessoas jurídicas no Brasil, segundo dados da Receita Federal.

A tabela mostra os procedimentos fiscais realizados em 2021, com os respectivos créditos tributários recuperados em cada segmento econômico. O setor industrial lidera com 44,3% do total, seguido por comércio (12,8%) e serviços financeiros (11,6%). No total, foram identificados R$180,65 bilhões em créditos fiscais provenientes da fiscalização de pessoas jurídicas no Brasil, segundo dados da Receita Federal.

Em 2021, foram emitidos 302 mil autos de infração relacionados à sonegação fiscal, o que equivale, em média, a 34 autuações por hora. O valor total das autuações chegou a R$269 bilhões. Segundo o IBPT, 72% dos valores sonegados são autuados pela Receita Federal, mas cerca de 25% dessas autuações acabam sendo anuladas em processos administrativos ou judiciais, o que escancara as brechas dentro da própria lei e a falha no sistema tributário brasileiro.

Analisando o estudo, conseguimos ver o quanto o país segue com altas taxas de sonegação, que não são apenas valores desviados de empresas com uma visão egocêntrica e individualista. São R$374 bilhões anuais que poderiam estar sendo destinados à educação, à saúde, e poderiam até mesmo diminuir a quantidade de impostos pagos. Ainda que os índices sejam nacionais, podemos avaliar Minas Gerais como parte desse cenário, visto que a lei, da mesma forma que é aplicada em um estado, é aplicada nos outros, sendo inclusive, se falha em um, falha nos demais.

Quem paga essa conta?

Os números apresentados pelo IBPT ajudaram a mostrar o quanto a sonegação fiscal passa dos limites econômicos e afeta a base da sociedade, reduzindo a capacidade do Estado de investir em áreas essenciais e ampliando a desigualdade social. No fim das contas, quando uma empresa deixa de pagar os seus tributos ou um contribuinte oculta uma parte da renda, o que parece apenas um valor economizado, acaba se transformando em menos medicamentos nos postos de saúde, menos verbas nas escolas e menos políticas públicas funcionando.

O presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais, Matias Bakir, vê como um dos grandes potencializadores desse crime a normalização da prática e a falta de responsabilização do indivíduo em cometer a fraude. “A gente ouve coisas do tipo assim: fulano é esperto, engana o fiscal e sonega o imposto. Ele não é esperto não, ele é criminoso mesmo, ele cometeu um crime, porque ele apropriou daquilo que não é dele, a apropriação indébita também é crime.” argumenta a o presidente do Sindifisco.

A sonegação, segundo ele, é mais do que apenas uma fraude contra o Estado. Essa prática é um ataque direto à cidadania e à esperança coletiva. Ela atrapalha o financiamento das políticas públicas e transforma o direito em privilégio, deixando o acesso à saúde, à educação e a outros serviços básicos cada vez mais distantes de quem realmente precisa. Na entrevista, ele destaca as consequências da prática criminosa com a população mais economicamente vulnerável.

“ A sonegação é um furto qualificado, porque você tirou a esperança, a expectativa de vida do pobre. Então, você roubou, diga-se de passagem, da sociedade pobre, da criança que precisa de uma escola pública. Com o valor financeiro, o Estado poderia estar abrindo novas escolas, abrindo um novo hospital, fazendo uma cirurgia.” destaca Matias Bakir.

O desafio social: o impacto público

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e o Ministério da Saúde (MS), em 2022, o estado registrou déficits em equipamentos e medicamentos, o que levou a atrasos em atendimentos e adiamentos de cirurgias eletivas. Esses problemas não são isolados, a sonegação fiscal compromete a qualidade do atendimento, aumenta o risco para pacientes e sobrecarrega o sistema de saúde, que já opera com limitações. O Tribunal de Contas da União (TCU), estima que cada real não arrecadado significa menos vacinas distribuídas, menos exames realizados e menos leitos disponíveis. Como resultado, a população mais vulnerável, que depende do Sistema Único de Saúde (SUS), é desproporcionalmente afetada, enquanto os contribuintes regulares arcam com uma maior carga tributária.

Além da saúde, a sonegação fiscal compromete outros pilares essenciais da sociedade. As projeções iniciais do governo para o Orçamento de 2027 indicam falta de recursos para o pagamento dos investimentos mínimos em saúde e educação, que são compromissos constitucionais. Isso pode resultar em cortes de investimentos, paralisação de obras e redução de serviços básicos, comprometendo o cumprimento dos mínimos constitucionais em saúde e educação, afetando diretamente o futuro das gerações mais jovens e perpetuando desigualdades sociais.

“É interessante observar que o governo mineiro pratica uma política fiscal tipo Robin Hood ao contrário, tirando dos pobres para dar aos ricos, como é o caso das isenções e benefícios fiscais às grandes ‘empresas amigas do governo’ que deixam de contribuir para setores como a educação, saúde, segurança pública, melhorias nas escolas e demais serviços.” pontua Denise de Paula Romana, coordenadora geral do Sind-UTE/MG

Denise de Paula Romana, coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), deixa claro o quanto a sonegação e o corte de investimento em educação afetam diretamente no setor escolar: “São implicações diretas sobre o orçamento destinado à educação pública. Infelizmente, em Minas Gerais, todas estas práticas são corriqueiras no atual governo. Este tipo de ‘política invertida’, se reflete em ações governamentais que buscam reduzir o papel do estado na gestão pública da educação através da transferência de responsabilidades a outros entes e entidades como no caso do projeto Mãos Dadas, que buscava repassar as escolas estaduais aos municípios; ao projeto Somar que as entregava às Organizações da Sociedade Civil (OSCs) – e foi suspenso por decisão do Tribunal de Contas do Estado”. 

Embora a segurança pública também possa ser usada como exemplo de setor afetado pela sonegação, desde 2019 os estados brasileiros aplicam apenas cerca de metade dos recursos enviados pelo Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) em investimentos, o que evidencia a má gestão do dinheiro público.

Concorrência desleal e o peso da sonegação no comércio mineiro

A sonegação fiscal não afeta apenas os cofres públicos, também desequilibra o mercado e prejudica quem tenta atuar dentro da legalidade. No comércio mineiro, esse impacto é sentido especialmente pelos pequenos e médios empresários, que acabam enfrentando uma concorrência desleal em comparação com quem burla o sistema tributário.

Para a economista Gabriela Martins, da Fecomércio-MG, a sonegação é um dos principais fatores que aumentam a competitividade no setor. “Quando há sonegação, boa parte do comércio sofre bastante com essa competitividade desleal. Alguns empresários que sonegam acabam prejudicando quem está totalmente legal. Os preços e as margens de quem sonega conseguem ser totalmente diferentes de quem paga todos os seus impostos direitinho. O mercado não fica honesto, é totalmente desleal mesmo”, afirma.

Segundo ela, a sonegação e a informalidade atingem desde o pequeno comerciante até grandes setores da economia. “O comerciante que sonega consegue vender uma bala a um real, enquanto quem paga todos os tributos precisa vender por R$1,50 para equilibrar as contas. Ele se vê obrigado a baixar sua margem de lucro para conseguir entrar na concorrência com o outro comerciante que trabalha de maneira totalmente informal. Então, isso gera perda de renda, desemprego e enfraquece o comércio formal. É uma cadeia que vai se destruindo e prejudica desde o empresário até o consumidor final”, explica a economista.

Um tema recorrente nas entrevistas foi a falta de compreensão da população em relação à sonegação, seja quanto ao seu significado, às suas consequências ou até mesmo às próprias formas de ocorrência. Gabriela citou a complexidade do sistema tributário brasileiro como um fator agravante para a falta de conhecimento público sobre o assunto: 

“Muitos empresários não querem estar sonegando ou inadimplentes quanto à questão fiscal. É porque realmente o acesso à informação da maneira correta pode ser muito difícil. A nossa carga tributária no modelo atual é muito complicada”

Além do desconhecimento sobre a prática, ela vê a alta carga tributária como um dos motivos que acabam levando contribuintes à essa realidade. “É uma situação muito ruim, tanto para a empresa quanto para o Estado. É uma situação muito ruim também para o consumidor. É uma coisa que a gente não pode defender em hipótese nenhuma, mas sendo bem realista e franca, um dos motivos também é essa alta carga “, afirma Gabriela Martins, economista da Fecomércio MG

Gabriela Martins, economista da Fecomércio-MG.
Fonte: Arquivo Pessoal

Gabriela defende que o papel da Fecomércio-MG vai além da defesa dos interesses empresariais. Ela atua como uma ponte entre o setor de produção e o poder público, buscando um ambiente de negócios mais justo, competitivo e sustentável, destacando que, a instituição tem investido em diálogo, capacitação e políticas que favorecem o desenvolvimento equilibrado do comércio mineiro: “A Fecomércio atua em várias frentes, comissões e projetos para garantir que o comércio mineiro tenha condições mais equilibradas. Nosso foco é fortalecer a formalidade, oferecer capacitação e promover um mercado que seja justo para todos”, conclui.

Entre brechas e privilégios: o que revela a lei sobre a evasão fiscal?

Quando se fala em sonegação fiscal, uma discussão sempre é aberta em relação a diferenciação entre evasão fiscal e elisão fiscal. A partir de qual ponto uma elisão se torna evasão? Na opinião do pesquisador e advogado tributarista Fernando Steinbruch, um dos responsáveis pela pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) mostrada anteriormente, a evasão seria todo aquele não pagamento de tributo ou a postergação de tributo com a finalidade de lesar o fisco, já a elisão seria como utilizar de brechas na legislação, por meio de um planejamento tributário para, ter certa vantagem econômica em relação aos tributos. Para ele, “Evasão é sonegação, é ilícito e deve ser combatido. E a elisão é um planejamento tributário que busca, dentro da legalidade, fazer uma economia tributária.”

Contudo, o planejamento tributário costuma ter um custo mais elevado, já que não se trata apenas dos cálculos de impostos. Ele exige uma equipe maior, formada por contadores, advogados tributaristas e consultores financeiros, todos preparados para analisar a legislação, identificar brechas legais e bolar estratégias que reduzam a carga tributária dentro da lei. Por isso, esse tipo de prática acaba sendo mais acessível a grandes empresas, que possuem orçamento suficiente para investir nesse tipo de serviço.

Steinbruch analisa a alternativa como um benefício para as grandes empresas, mas não a vê como se fosse algo criado na lei para beneficiá-las: “O planejamento tributário, sem dúvida nenhuma, beneficia as empresas que têm uma estrutura, têm condições de pagar profissionais qualificados e buscar, vamos dizer assim, uma engenharia tributária, coisa que não é possível nem para um médio, nem para um pequeno contribuinte. Agora, essa questão de ser montado para isso, eu não concordo com isso. É o que existe, mas eu não acho que tem essa tendência já no nascimento dessa questão”.

Analisando além dos conceitos, a sonegação fiscal no Brasil não é apenas um problema de fiscalização, e sim algo que também está enraizado em nossa cultura. Na visão do advogado, muitos contribuintes ainda veem o pagamento de tributos como uma obrigação sem retorno, o que acaba alimentando uma desconfiança e um distanciamento entre o cidadão e o Estado: “O que é o tributo? É um pacto que o contribuinte faz com a sociedade. Eu te dou uma parte da minha renda e tu me dá uma boa parte de serviços. O que acontece muitas vezes é que o contribuinte sente que ele está dando a parte dele e que muitas vezes ele não está recebendo a contrapartida necessária. Então acho que é aqui que começa um desequilíbrio”.

O pesquisador lembra que o sistema tributário brasileiro é guiado por alguns pilares constitucionais, como o princípio do não confisco. O princípio do não confisco diz na constituição que nenhum tributo pode ser tão elevado a ponto de confiscar a renda ou os bens do contribuinte, que o cidadão deve pagar impostos conforme sua renda. “A Constituição prevê que o tributo não pode ter efeito de confisco. Mas o que é confisco? Isso não está definido de forma objetiva. 

Steinbruch frisa também que na Constituição do país não há um limite objetivo para esse confisco. Ele não pode ser exagerado, mas não há um critério rígido que imponha uma porcentagem, ou valor específico. Perguntado sobre as altas taxas de tributação serem um dos motivos para a alta sonegação, o professor relata que entende como um agravante, mas não uma justificativa: “A carga tributária elevada até pode fazer com que o contribuinte queira se esquivar de pagar imposto, mas não tem a menor justificativa. Pode passar na cabeça de alguém isso, mas é um compromisso que tem que pagar. O direito que o contribuinte tem é lutar através dos seus deputados, senadores, que a carga tributária não aumente, mas enquanto os tributos são legais é uma obrigação do contribuinte pagar”. 

O papel do auditor fiscal: entre o poder público e os perigos da profissão

Em meio à complexidade do sistema tributário, há um rosto por trás da fiscalização dos tributos, o auditor fiscal. É ele quem rastreia operações suspeitas, cruza dados, identifica as fraudes e enfrenta diretamente o poder econômico de grandes empresas. Além da atuação técnica, o presidente do Sindifisco-MG, Matias Bakir, destaca que esse trabalho vai além do técnico, tornando-se um ato de coragem e de compromisso social.

 “O auditor fiscal é, antes de tudo, um agente social. Ele combate o crime, o contrabando, a sonegação e devolve ao Estado o dinheiro que foi tirado da sociedade”, afirma Matias, que dedicou 32 anos à fiscalização tributária em Minas Gerais. Porém, com grandes responsabilidades, a rotina acaba se tornando suscetível a riscos. Ao trabalhar diretamente com a fiscalização de empresas com um grande poder aquisitivo, muitas vezes esses servidores acabam tendo que lidar com ameaças, tentativas de suborno e até violência.

 “Eu já tive uma arma apontada para a minha cabeça. Já ameaçaram meu filho, que na época tinha três anos. É uma profissão perigosa”, relata Bakir, que trabalhou como auditor em cidades do Noroeste mineiro. 
A imagem mostra Matias sentado à mesa, gesticulando com as mãos enquanto fala. Ele usa um terno escuro, camisa branca e gravata vermelha. Ele tem o cabelo grisalho curto e uma expressão séria, parecendo concentrado na conversa. O fundo é simples, com uma parede branca e um interruptor visível. Créditos: Sindifisco-MG/ Arquivo
Matias Bakir, presidente do Sindifisco-MG
Créditos: Sindifisco-MG/ Arquivo

Matias Bakir também citou alguns casos de violência contra auditores fiscais, como o da chacina de Unaí, cidade localizada na Região Noroeste de Minas Gerais, onde três fiscais e um motorista foram assassinados em uma emboscada, em 2004. Situações como essa ainda servem de alerta sobre os perigos de enfrentar grandes esquemas de sonegação. Porém, mesmo com o perigo, o compromisso com o interesse público prevalece. Matias lembra que o auditor é uma peça essencial para garantir a arrecadação que sustenta os serviços básicos, como saúde e educação, mas critica a falta de estrutura e de reconhecimento do Estado:

“Em 2016, tínhamos mais de 2.100 auditores. Hoje somos cerca de 1.250. Com menos gente, fica mais difícil combater o crime tributário, mesmo com toda a tecnologia que a Fazenda vem desenvolvendo”.

Ele também critica a falta de investimento na fiscalização e as concessões fiscais concedidas a grandes grupos econômicos. Segundo o presidente do Sindifisco, Minas Gerais deve abrir mão de R$25 bilhões em impostos em 2026 por meio de benefícios fiscais, valor que poderia fortalecer o trabalho da fiscalização e melhorar os serviços públicos. Matias, assim como Fernando Steinbruch, também reforça que o problema da sonegação está enraizado em nossa cultura, o que faz com que seja normalizada.“O brasileiro ainda vê o sonegador como esperto, não como criminoso. Mas ele está tirando da sociedade, da escola pública, do hospital. É um furto, um furto qualificado”.

O combate e a recuperação de receitas em Minas Gerais

A Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF/MG) afirma que o combate firme à sonegação do ICMS tem sido essencial para garantir que os recursos arrecadados cheguem, de forma regular, ao caixa estadual e também aos 853 municípios mineiros. Segundo o subsecretário da Receita Estadual, Osvaldo Scavazza, “cada valor recuperado pela ação fiscal representa mais investimentos em saúde, educação, segurança pública, infraestrutura e demais serviços essenciais”.

A imagem mostra dois agentes da Receita Estadual de Minas Gerais, identificados pelas camisetas pretas com letras amarelas. Eles estão em um ambiente interno do shopping, manuseando um equipamento eletrônico sobre um balcão. À esquerda, há roupas coloridas penduradas em cabides. A cena sugere uma ação de fiscalização ou verificação de documentos fiscais. Créditos: SEF MG/ Divulgação.
Equipe de operação da Receita Estadual em shopping de Belo Horizonte.
Créditos: SEF MG/ Divulgação. 

De acordo com dados fornecidos à nossa equipe pela SEF/MG, mais de R$ 82 bilhões em receita tributária foram assegurados ao Estado em 2025, resultado da atuação do Fisco mineiro. Ainda segundo o subsecretário, até setembro de 2025, as operações de fiscalização recuperaram R$3,93 bilhões em recursos e contribuíram para reduzir desigualdades e fortalecer a economia. Entre 2019 e 2025, foram realizadas mais de 400 operações de combate à sonegação, com 547 mandados de busca e apreensão e a recuperação de R$15 bilhões aos cofres públicos. “Com a ação fiscal, a arrecadação ganha consistência, os repasses aos municípios se tornam mais robustos e o ambiente de negócios fica protegido contra práticas desleais”, destaca Scavazza.

O presidente do Sindifisco, Matias Bakir, observa uma melhora crescente na fiscalização do Estado, dando destaque ao avanço tecnológico, ao comprometimento e entrega da equipe de auditores fiscais de Minas Gerais e à inteligência fiscal, em termos de identificar o sonegador. “É muito raro você ter conhecimento que o Alto Fiscal de Minas se rendeu a uma corrupção. Isso é bonito a gente falar e é bom participar de um corpo desse. Então, dado a isso, esse comprometimento nosso, essa ética, é um fiscal que agarra mesmo, trabalha forte”.

Contudo, Matias também ressalta a falta de investimentos do Estado na Secretaria da Fazenda:

“Imagina, com um grupo desse, se o Estado investisse mais e nós tivéssemos um número maior, mais treinamento, mais capacidade, essa negação de Minas iria ser a menor do país. A Fazenda está totalmente acéfala, está destruída, não tem um secretário com poder político, para poder reestruturar a fazenda como precisa, não temos.”

Educação fiscal nas escolas: plantar hoje a cidadania de amanhã

Em um país que perde mais de R$374 bilhões por ano em tributos não declarados, ensinar desde cedo a importância dos tributos é uma forma de formar cidadãos mais conscientes. Em Minas Gerais, desde 1998 o Programa de Educação Fiscal Estadual (Proefe), desenvolvido pela Secretaria de Fazenda (SEF) em parceria com a Secretaria de Educação (SEE), vem trazendo esse assunto para as escolas públicas.

Em 2024, o programa ofereceu cinco mil vagas para o curso Trilhas de Educação Fiscal, voltado à capacitação de professores. No mesmo ano, 84 turmas da rede estadual escolheram a disciplina eletiva de Educação Fiscal, somando cerca de 3 mil estudantes. Em 2025, o número chegou a 37 turmas do 1º ano do ensino médio, reunindo aproximadamente 900 alunos, com destaque para os vales do Jequitinhonha e Mucuri.

Um estudo apresentado no IV Simpósio Sul-mato-grossense de Administração reforça a importância desse tipo de iniciativa. A pesquisa, feita com 295 estudantes de ensino médio em Andradina (SP) e Três Lagoas (MS), mostrou que 82% dos adolescentes ampliaram a compreensão sobre o tema e passaram a se sentir mais motivados a pedir nota fiscal após participarem de palestras de educação fiscal. O resultado evidencia como esse tipo de ação pode transformar a relação dos jovens com o dinheiro público e reforça o que Minas Gerais busca formar cidadãos mais conscientes e participativos.

A SEF/MG também reforça que o cidadão é peça fundamental nesse processo de conscientização sobre a evasão. Ao exigir a emissão da nota fiscal, ele contribui diretamente para a justiça tributária e pode ser premiado pelo programa Nota Fiscal Mineira, que já distribuiu cerca de R$17 milhões em prêmios e beneficiou entidades de assistência social em todo o estado. “O engajamento do cidadão aproxima sociedade e Estado na construção de um ambiente de negócios equilibrado e de uma gestão pública mais eficiente”, afirma o subsecretário Osvaldo Scavazza.

É aí que entra também o papel do auditor fiscal, que vai muito além da cobrança e da análise de dados. Esses profissionais também atuam na formação de professores e profissionais da educação para uma consciência coletiva sobre o valor dos tributos. Mais do que fiscalizar, eles ajudam a formar as próximas gerações para que compreendam a função dos impostos e enxerguem a nota fiscal não como um papel descartável mas como um ato de responsabilidade.

O presidente do Sindifisco-MG, Matias Bakir, reforça que
“a educação é a base de tudo, inclusive da justiça fiscal”, afinal o combate à sonegação começa com o conhecimento”.

Conteúdo produzido por Mateus França e Luísa Cambraia sob a supervisão do jornalista e professor Getúlio Nuremberg.

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Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

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