Quem passa pela orla da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, depara-se com um marco da arquitetura moderna: o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, idealizado por Juscelino Kubistchek e projetado por Oscar Niemeyer. A Unesco reconheceu os quatro edifícios que o integram (a Igreja de São Francisco de Assis, o Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube) como Patrimônio Cultural da Humanidade em 2016.
Construído em 1943, o conjunto completou 80 anos em maio de 2023. Mas, atualmente, nem todos os prédios podem ser visitados. O acesso do público à sede do antigo Cassino, que hoje é um museu de arte, está restrito. A situação se prolonga desde 2019, quando a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), órgão responsável pelo Plano de Obras da capital mineira, fez uma vistoria e recomendou que o espaço não fosse utilizado para eventos. O motivo: inseguranças do sistema elétrico e da estrutura da edificação.
Em entrevista ao Colab, Luciana Féres, presidente da Fundação Municipal de Cultura, explicou as razões desse fechamento e contou as previsões para o futuro do museu.
O projeto de restauração
Ao contrário do que muitos pensam, o Museu não está fechado para reformas: as obras ainda nem começaram. O edifício é tombado pelos Institutos Nacional (IPHAN) e estadual (IEPHA) do patrimônio, e também no âmbito municipal. Ou seja, qualquer intervenção feita no local tem que passar pela aprovação desses três órgãos de proteção. Antes de começarem as obras, é preciso fazer análises técnicas e apresentar um projeto de restauração.
A restauração é muito diferente de uma reforma comum. É um processo científico, com muitos critérios. Se você está reformando um prédio que não é tombado, você pode entrar em uma instalação e simplesmente trocar todos os materiais, o piso, pintar as paredes… Mas no caso de um prédio como o do Museu da Pampulha não é assim que trabalhamos, porque ele é um patrimônio histórico. Não podemos, por exemplo, trocar um mármore que veio de Portugal por porcelanato. Todas as intervenções têm que ser criteriosamente pensadas”.
Luciana Féres, presidente da Fundação Municipal de Cultura de BH
Nos últimos quatro anos, a Secretaria Municipal de Cultura enviou laudos e propostas de projeto mais de uma vez. Porém, o IPHAN os indeferiu e pediu revisões. O período também coincidiu com a extinção do Ministério da Cultura, entre 2019 e 2022, pelo governo de Jair Bolsonaro. A pasta só voltou a existir em janeiro de 2023, após a transição para o novo Governo de Lula da Silva. Além disso, por se tratar de uma construção feita há mais de oito décadas, o projeto original não foi encontrado, o que criou a necessidade de estudos minuciosos para identificar a origem das patologias.
Razões do fechamento ao público
Apesar de as obras não terem começado, a presidente da FMC explica a razão de o museu estar fechado: “O prédio hoje é como se fosse um esqueleto que está sendo estudado. Foram retiradas camadas, tanto nas colunas, quanto no piso e no teto, em um processo que chamamos de “prospecção”. Ele não pode ficar aberto ao público porque é como se estivesse exposto. Nós estamos inspecionando a edificação para encontrar os problemas estruturais e resolvê-los no projeto”, explica Luciana Féres. Ela ressalta que o edifício de Niemeyer é uma “jóia arquitetônica” e demanda cuidados.
Temos que tratar como uma obra de arte que precisa ser preservada. É por isso que o projeto de restauro exige várias etapas de aprovação”.
Luciana Féres, presidente da Fundação Municipal de Cultura de BH
Situação atual e próximos passos
A boa notícia é que o IPHAN aprovou o projeto básico em maio de 2023. Segundo Luciana Féres, a etapa atual é a elaboração do projeto executivo, que envolve, entre outros, detalhes como o planejamento da iluminação e hidráulica. Após a aprovação desta, começará o processo de licitação e, por fim, o início das obras. A expectativa é que isso aconteça até o fim de 2024.
Ainda não é possível prever o prazo de finalização, visto que processos de restauração costumam ser longos. Mas, de acordo com um cronograma não oficial, feito com previsões do tempo que cada fase irá exigir, a estimativa é que tudo dure, no mínimo, mais três anos. As informações constam no ofício n°020/2023, enviado para a Câmara Municipal de Belo Horizonte no último mês de março.
Um pouco de história…
Quando o Juscelino foi prefeito, na década de 1940, ele pensou em aproveitar o potencial cênico da Lagoa da Pampulha para criar ali um núcleo de atração para Belo Horizonte. E a âncora dessa atração era o cassino, porque os cassinos eram um sucesso na época, no Rio de Janeiro e em outros lugares. Eles atraíam muita gente e também rolava muito dinheiro”.
Flávio Carsalade, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG e autor do livro Pampulha.
De cassino a museu
Segundo Flávio Carsalade, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG e autor do livro Pampulha, o projeto do Cassino foi o ponto de partida do Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Os outros edifícios d’A Casa do Baile, da Igrejinha e o Iate Clube vieram depois. A própria Casa do Baile foi projetada como um equipamento voltado para o Cassino, uma alternativa para que as pessoas que não tinham recursos financeiros para jogar tivessem outra opção de lazer.
Dos quatro projetos maiores do Oscar Niemeyer ali na beira da Lagoa, o Cassino é o mais complexo. É o maior prédio, o mais elaborado. Se não fosse o Cassino, a Pampulha não existia. Ele influenciou muito do que foi feito no país depois da Pampulha – que foi berço da arquitetura moderna no Brasil. Foi uma novidade completa. É um marco importante não só para a cidade, mas para a história da arquitetura mundial”
Flávio Carsalade, arquiteto e urbanista
Em 1946, três anos após a inauguração do Cassino, o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu os jogos de azar no Brasil. Com essa decisão, o Cassino teve que encerrar suas atividades. O edifício passou a receber apenas solenidades e eventos, até que, em 1957, se tornou o Museu de Arte da Pampulha.
Casalarde acrescenta que os desafios atuais se devem ao fato de que o local não foi pensado (no projeto original) como museu, por isso, possui características que exigem adaptações. “As paredes são todas vidraçadas e a luz não é a ideal, além de o piso ser sensível e os revestimentos muito nobres. Porém, instalar um museu de arte ali foi muito importante para a cultura de Belo Horizonte e para a sobrevivência do prédio. Ele estava à deriva desde que proibiram o jogo no Brasil”, afirma.
Reconhecimento pela UNESCO
Muito do fato da Pampulha ser patrimônio mundial se deve ao Cassino“
Flávio Carsalade, arquiteto e urbanista
Flávio Carsalade também coordenou o dossiê da candidatura do Conjunto Arquitetônico da Pampulha à Patrimônio Cultural da Humanidade, encaminhado à UNESCO em 2015, que concedeu o título no ano seguinte. Entre os critérios atendidos estavam o fato de o Conjunto representar uma obra-prima do gênio criativo humano, exibir um evidente impacto sobre o desenvolvimento da arquitetura e ser um exemplar excepcional de conjunto arquitetônico.
Questionado se o fechamento temporário do museu pode prejudicar a imagem da Pampulha perante a organização, ele afirma que não há esse risco: “A UNESCO quer ver as coisas bem cuidadas. Ela sabe que o processo de restauração demora, e que as condições do país são difíceis, principalmente a questão financeira. O que importa para eles é saber que a restauração está sendo feita e dentro dos melhores padrões técnicos. Só haveria problemas se nenhuma atitude estivesse sendo tomada, mas eles sabem que aqui a prefeitura está agindo nesse sentido”
Serviço: conheça atividades promovidas pelo Museu da Pampulha
Apesar de a sede estar fechada, as atividades do museu nunca pararam.
Existe a ideia de que um museu é só espaço de exposição, mas não é. O museu é um espaço de conhecimento, pesquisa, conservação, difusão e restauração constante dessas obras de arte. O Museu da Pampulha é um museu vivo”.
Luciana Féres, presidente da Fundação Municipal de Cultura de BH
O programa de residência artística do museu, Bolsa Pampulha, reconhecido nacionalmente por formar grandes artistas, continua funcionando e recebendo bolsistas. Os jardins projetados pelo paisagista Burle Marx, que compõem a paisagem cultural, estão com o acesso liberado. Também há um programa educativo em curso, que recebe grupos e cidadãos em oficinas, visitas guiadas e rodas de conversa com o público.
Em relação ao acervo do Museu de Arte da Pampulha, que possui mais de mil peças, incluindo criações de artistas como Di Cavalcanti e Portinari, Féres afirma que existe um projeto em curso para a adaptação de um espaço (uma casa na região da Pampulha), que receberá as obras e funcionará, provisoriamente, para visitação, durante o período da reforma.
Enquanto isso, exposições com as obras do MAP têm acontecido em outros lugares. A mais recente é “Arte Brasileira”, na Casa Fiat de Cultura, com cerca de 200 obras da coleção rara do Museu de Arte da Pampulha. A mostra tem entrada gratuita e fica em cartaz até fevereiro de 2024.
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