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Memórias do movimento estudantil contribuem para valorização da luta política

Ana Maria Rodrigues e Américo Antunes compartilham memórias do movimento que ajudou a combater a ditadura

O movimento estudantil faz parte da caminhada de diferentes alunas e alunos ao longo do período discente. Especialmente no regime militar brasileiro, esse movimento foi fundamental na luta contra a ditadura. Em Belo Horizonte, não apenas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas também na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), jovens universitários se organizavam em torno de pautas relacionadas aos direitos humanos e à liberdade.

Um dos dias mais importantes para a luta estudantil na capital mineira foi em 3 de junho 1977. Na ocasião, foi organizado o III Encontro Nacional dos Estudantes na Faculdade de Medicina da UFMG, com o intuito de reconstruir a União Nacional dos Estudantes (UNE), posta na clandestinidade na década de 1960 pelos militares. Cerca de 400 estudantes foram repreendidos e levados ao Parque de Exposição da Gameleira, onde foram fichados e interrogados. Presente nesse dia, estava o jornalista Américo Antunes, então estudante da PUC Minas e presidente da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais (UEE – MG).

Do interior de Minas Gerais, Antunes conta como a universidade, junto às mobilizações dos estudantes, transformaram sua vida: “Eu era uma pessoa, virei outra completamente diferente. Isso só foi possível porque tinha o movimento estudantil, diretório acadêmico e pessoas antes de mim já lutando e transmitindo isso para os calouros”. Ele acrescenta que é apaixonado pelo movimento estudantil até hoje, “embora eu já seja um senhor de barba branca e meio careca. Mas, até a barba branca e o ‘meio careca’ vem daí, do conhecimento e abertura de ‘janelas’ para o mundo que o movimento estudantil me proporcionou”.

O jornalista relembra o quanto ter acesso a uma universidade foi fundamental para entender a conjuntura do país em tempos de censura: “Na época, eu descobri haver uma ditadura [no Brasil], eu não aprendi isso lá em Diamantina, pelo contrário, as notícias sobre a repressão eram escondidas. Na universidade, eu comecei a ter acesso a essas informações e a saber por colegas que foram banidos [da universidade]”.

O jornalista também recorda as mobilizações de maio de 1977 feitas pelos estudantes da Universidade de São Paulo (USP) e PUC-SP, “quando eu entrei no movimento estudantil, foi porque ‘explodiu’ no país o movimento contra a prisão de três estudantes em São Paulo”, conta.

Na imagem em destaque: saída de estudantes abraçados da escola de Medicina da UFMG, durante o III ENE (Encontro Nacional de Estudantes). em 1977. Foto: Euler Cássia /  Acervo Jornal Hoje em Dia.

Legado para o presente

Além dos atos de rua, as reuniões e assembleias feitas pelos estudantes eram fundamentais para a existência do movimento. A jornalista Ana Maria Rodrigues de Oliveira, que hoje é professora adjunta da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, caracteriza sua experiência no movimento estudantil da universidade católica como dinâmica, tanto do ponto de vista político, quanto cultural. “O DCE fazia muitas reuniões e figuras da oposição eram convidadas para irem ao campus fazer discursos. Eu me preocupava com o contexto do Brasil e assistia a muitos debates […] Só o fato de a gente se reunir já era um ato político”.

Os estudantes de hoje não têm noção de como é bom viver em uma democracia, como é menos arriscado e temos mais possibilidade de fazer as coisas”

Ana Maria Rodrigues de Oliveira, jornalista e antiga militante do movimento estudantil

A professora e jornalista também relembra a importância do movimento e da universidade em sua vida: “Me deu uma consciência muito forte, mudou minha visão de mundo. Quando eu estudava no Ensino Médio, eu não tinha noção do que era a ditadura, foi quando cheguei na universidade que percebi. As universidades eram informes de debates e mobilização”. Ela ressalta que as experiências no movimento estudantil trouxeram consciência sobre a importância e o valor da democracia: “Os estudantes de hoje não têm noção de como é bom viver em uma democracia, como é menos arriscado e temos mais possibilidade de fazer as coisas”.

Movimento estudantil e direitos

Além da pauta nacional contra o regime militar, Ana Maria recorda a mobilização dos estudantes por outras pautas na PUC Minas, como a diminuição do preço das mensalidades, melhorias no refeitório – que está fechado desde 1992 – e nas condições de ensino. Antunes também foi um participante ativo dessas mobilizações. “O motor do movimento estudantil nas universidades particulares, naquela época, era a diminuição das mensalidades, vivíamos uma inflação muito alta. Nossa arma foi o ‘boicote’ das mensalidades, fazíamos um trabalho de convencimento de todos os alunos e quando nós tínhamos sucesso, nos chamavam para negociar”, relembra o jornalista.

Da direita para esquerda, os estudantes Sérgio Moreira, Américo Antunes, Ignácio Hernandez e o ex-presidente Luís Inácio “Lula” da Silva na PUC-MG no fim da década de 1970. Créditos: Acervo pessoal de Américo Antunes

Para Antunes, “a juventude continua e continuará tendo papel essencial nos processos de transformação social, de luta pela liberdade, justiça e pela democracia”. O jornalista compara os diferentes períodos do movimento na história do país e os define como pendular e cíclico: “Eu sou da geração da retomada do movimento em 1977 até a reconstrução da UNE, em 1979, ele vinha ascendendo. Nos anos 80, ele teve um descenso, mas retomou de uma forma ousada em 1992, no impeachment do Collor”.

Atualmente, o movimento estudantil brasileiro tem se mostrado combativo ao atual governo, presidido pelo ex-capitão do exército Jair Bolsonaro. Segundo a socióloga e professora Andréia dos Santos, do curso de Ciências Sociais da PUC Minas, a política bolsonarista, com forte inclinação à extrema-direita, mobiliza estudantes por uma luta comum por direitos: “O movimento estudantil é fundamental na defesa da liberdade de cátedra junto aos professores, além de continuar sendo fundamental na defesa de uma educação pública e de qualidade”, explica.

Bárbara da Cunha de Faria

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