Além do Bicentenário, o 7 de setembro deste ano de 2022 ganha mais atenção devido às tensões políticas criadas nas comemorações da independência de 2021, quando o atual presidente, Jair Bolsonaro, utilizou a data para promover discursos antidemocráticos e insultar ministros do STF. O vínculo construído pelo governo Bolsonaro com símbolos nacionais como a bandeira, o verde e amarelo e o 7 de setembro levantam discussões sobre a memória da população brasileira sobre eles. Mas cabe notar que o uso dos símbolos nacionais pelo Estado já era comum bem antes do surgimento do bolsonarismo.
Durante a ditadura militar, usar as cores da bandeira era uma forma de mostrar apoio ao regime, portanto, a juventude resistente negou tais cores, conforme conta o professor Mozahir Salomão Bruck, da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas. “Passando ali na década de 70, eu, menino, me lembro disso. O Brasil se divorciou do verde e amarelo. Essas cores do Brasil viraram um tipo de sinalização de compactuação com a ditadura”. Especialista no estudo da memória, Bruck explica que, diferentemente da história, a memória é construída no presente e, por isso, está sempre mudando.
Da ditadura, a memória do povo brasileiro sobre o verde e amarelo só veio a mudar em 1992, durante as manifestações dos cara-pintada a favor do impeachment de Fernando Collor, conforme lembra Mozahir. Porém, essa visão do uso do verde e do amarelo como símbolos de união do povo fora das disputas políticas tradicionais abriu espaço para a apropriação das cores por governos populistas, como é o caso do governo Bolsonaro.
A antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, em entrevista para a Folha de S. Paulo, diz que os governos populistas usam símbolos nacionais de maneira a transformar a oposição em inimigos da pátria. A ligação entre o governo e os símbolos da nação cria espaço para afirmar que aqueles que estão contra o governo estão, consequentemente, contra a nação.
Essa estratégia do uso da bandeira e das cores do país como símbolo de uma luta unida contra a corrupção corrobora com o discurso anti-estrutural proposto pela figura de Jair Bolsonaro. A antropóloga Letícia Cesarino, em palestra ministrada na UFMG, explica que Bolsonaro se coloca publicamente como o anti-político, ou seja, aquele que está fora da figura do político tradicional brasileiro. A aversão à política tradicional, materializada no Brasil pelo antipetismo, facilita a consolidação de discursos extremistas como os de Bolsonaro.
Ao longo dos anos, o verde e amarelo foi associado a movimentos que estavam “acima” dos conceitos de direita e esquerda, logo, antipolíticos, o que abriu caminho para apropriação da bandeira e do 7 de setembro pelo governo vigente, conforme pontua a professora Letícia Cesarino.
A associação dos símbolos nacionais ao governo de Bolsonaro levou a uma ressignificação desses pelo povo, que passou a ligar as atitudes e falas do governo a objetos, bandeiras e datas comemorativas, como é o caso do 7 de setembro. Nesse contexto, o professor Mozahir Bruck explica que a memória resulta de diversos acontecimentos que se passaram ao longo do tempo mas, principalmente, como eles são apropriados e ressignificados no presente. “Olha o que virou o 7 de setembro agora em 2022. As pessoas associam isso [a data] ao risco de golpe”, aponta Mozahir Bruck.
Assim, a memória do povo brasileiro sobre o verde e amarelo sofre mudança constante. Para Mozahir Bruck, os brasileiros têm com as cores e a bandeira uma relação de paixão e, ao mesmo tempo, de vergonha. A negação dos símbolos nacionais aparece como uma reação da sociedade face a governos autoritários. Segundo Bruck, a estigmatização “marca uma sociedade fraturada por movimentos autoritários e que dá como resposta a isso esse rechaçamento à apropriação dos símbolos nacionais, porque o verde amarelo virou um símbolo do estado, não da sociedade”.