A edição do BBB21 explodiu em polêmicas nas duas primeiras semanas de programa no ar, levando, inclusive, o participante Lucas Penteado a desistir após sofrer perseguição de outros membros da casa. Uma das situações que levou a sua saída foi a bifobia sofrida pelo participante em sua última noite, reflexo de um processo de invisibilidade bi.
Lucas beijou outro homem e foi bombardeado com críticas pelos demais moradores da casa, que colocaram em xeque sua bissexualidade. Participantes chegaram a alegar que o ator e cantor, também conhecido como Koka, teria beijado o participante Gil por atenção e por estratégia.
A bissexualidade é o “potencial de atração sexual/romântica por mais de um gênero, não necessariamente ao mesmo tempo, da mesma maneira, e/ou no mesmo nível”, de acordo com a ativista bissexual Robyn Ochs.
Invisibilidade bi no dia a dia
Fora da casa do BBB, o acontecimento repercutiu na vida de pessoas bissexuais que se identificaram com os questionamentos sofridos por Lucas, justamente porque têm sua sexualidade invalidada com frequência.
A psicóloga clínica e social de 26 anos, Fabíola do Amaral, que é bissexual, fala sobre os efeitos desse cenário: “Por sofrer a exclusão da sociedade, a pessoa bissexual acaba sentindo que não pertence a lugar nenhum e começa a se excluir também. A exclusão é feita socialmente, então, ela pensa: aqui não é para mim”.
A profissional também ressaltou como pessoas bis acabam sendo desumanizadas por essa falta de validação, não sendo vistas como pessoas capazes, mas como seres confusos e sexualizados.
“Assume-se que a pessoa é promíscua, participa de orgias, relaciona-se muito a postura dos bissexuais a ‘safadeza’, indecisão, medo de assumir. Falam para quem é bissexual que só é bi porque é mais fácil do que se assumir gay. O que eu mais vejo no consultório são pessoas bis tendo que lutar, sempre, para ter reconhecido o fato de elas terem uma sexualidade”, relata.
Faces da bifobia
“Uma vez eu estava em uma roda de homens gays, feliz por estar entre caras que também gostavam de caras, porém, quando eu disse que era bi, um deles respondeu ‘se assume gay logo’ e isso me entristeceu bastante, nunca mais esqueci disso”.
Quem contou este relato foi Nicolas Bastos, escritor e estudante de filosofia de 18 anos. Recentemente, ele se assumiu bissexual publicamente, mas já sofreu preconceito dentro da comunidade, problema frequente também com outra pessoa entrevistada, que quis se manter anônima.
“Na maioria das vezes, sofro preconceito de pessoas de dentro da comunidade [LGBTQIA+]. O que é muito doido porque as dores que nós sofremos são muito parecidas, senão iguais, e, ainda assim, reproduzem isso”, contou. Além do preconceito interno da comunidade, a falta de aceitação da família e do meio social ainda é um grande problema em comum entre as diferentes pessoas entrevistadas sobre sua bissexualidade.
“Meu padrinho não fala mais comigo”, “prefiro que minha família não saiba”, “tive desentendimentos com meus pais” são depoimentos comuns que se assemelham à preocupação de Lucas Penteado em sua última noite no BBB21. Horas antes de sair do confinamento, ainda na festa em que beijou o participante Gil, Lucas comentou que não saberia como voltar para sua “quebrada” depois de assumir em rede nacional sua bissexualidade.
Sobre essa circunstância do recorte socioeconômico, a psicóloga Fabíola do Amaral comenta: “Um homem preto falar que é bissexual vai ser visto pelo meio social dele como gay, ‘você é viadinho, você é bicha’. Na ‘quebrada’ ainda não enxergam muito bem a bissexualidade, ainda veem no binômio: você é gay ou você é hetero. Bissexual é indeciso, então, quando o Lucas se assumiu, o medo de não poder viver isso na própria comunidade foi real”.
Ela também fala o quanto é importante entender os diferentes recortes dentro da comunidade LGBTQIA+, como raça, classe e gênero:
“Um homem cis gay branco tem privilégio sobre um homem trans gay preto, existem várias questões que atravessam a sexualidade”
Fabiola do Amaral, psicóloga
Anos de luta
A luta pelo reconhecimento dos bissexuais não é recente e caminha junto dos movimentos LGBTQIA+. Um marco inicial veio com a publicação do manifesto bissexual, na década de 1990, que se posicionava contra as visões da bissexualidade como uma “confusão”, e contra a associação com a promiscuidade e não-monogamia. O manifesto colocava a sexualidade como não limitada a apenas homens e mulheres, lutando por uma visão de gênero não-binária.
Da década de 90 para o século 21, muito mudou. Casais do mesmo gênero ganharam mais espaço na mídia e, ainda que exista preconceito, muito já foi conquistado em relação a direitos e validação. Uma situação porém, se manteve constante: o apagamento dos bissexuais na comunidade LGBTQIA+.
A obra, “Historicising Contemporary Bisexuality” do historiador Lachlan MacDowall, fala como os pioneiros da luta pelos direitos da comunidade não mencionavam a bissexualidade. No meio acadêmico, isso também acontecia com os principais teóricos que escreviam sobre meios classificados pelo autor como “não-héteros”. A herança desse silêncio pode ser vista na invalidação que ainda ocorre, como tratado na obra de Lachlan: “A invisibilidade bissexual é o produto de um apagamento social”.
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