As mulheres vêm se destacando no trabalho remoto mas enfrentam desafios que reforçam as diferenças de gênero
Todos os dias, às seis horas, Luana Bessa, 31 anos, profissão de Nail designer, residente na cidade de Divinópolis/MG, se levanta, deixa seu filho na escola e começa atender em seu estabelecimento às 07h30 até às 18 horas de terça-feira a sábado. Hoje parte do seu trabalho pode ser realizado nas plataformas digitais. É para as 64,5 mil seguidoras, a profissional, se prepara diariamente para ministrar e divulgar os seus cursos de Nail Designer, ou popularmente conhecidos como, Design de Unhas. Além de atender presencialmente seus clientes, Luana, vende cursos profissionalizantes on-line e presencial, formando mais de 400 alunas com o seu método.
Luana, ingressou no curso de manicure aos 13 anos no salão da igreja que frequentava. Na ocasião, ela pagava um valor simbólico de 20 reais por aula, mas somente iniciou os seus atendimentos um ano após, em um salão de beleza. Quando começou a exercer sua profissão de manicure, às vezes tinha vergonha de falar com o que trabalhava, pois as pessoas a enxergavam como alguém sem instrução educacional. Luana diz que foi difícil começar, mas se alegra com o êxito da carreira construída.
Ela, que trabalhava em um salão presencial e dependia da renda para sobreviver, viu o momento de isolamento social (decorrente da pandemia) como um momento de grande desconforto financeiro. Por ser autônoma e não possuir outra fonte de renda, a manicure alega ter se sentido desesperada com a instabilidade política e econômica que o Brasil viveu durante o pico da pandemia. Mesmo em um cenário de incertezas, Luana empreendeu abrindo seu próprio negócio e com a era digital conseguiu ampliar seu trabalho e, consequentemente, sua renda. Para a nail designer, devido às implicações da pandemia, ela precisou se tornar criativa na forma que conduzia a sua carreira, optando pelo trabalho a distância.
No Brasil, o número de trabalhadores autônomos, ou seja aqueles que não possuem vínculos trabalhistas com nenhuma empresa ou empregador, chegou a 25,7 milhões de pessoas durante o ano de 2022. O dado coletado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a taxa de informalidade registrada no trimestre (de julho a setembro de 2022) chegou a 39,4% dos brasileiros. Em um comparativo quantitativo, a porcentagem de pessoas inseridas no trabalho informal no Brasil representa o mesmo que a população inteira de Shangai, na China – o país mais populoso do mundo, ou nove vezes o número de habitantes de Belo Horizonte, capital do estado onde Luana mora.
Tendência facilitadora que pode enfatizar as desigualdades de gênero
Dona de um perfil com mais de 64,5 mil seguidores, a influenciadora viu na internet um espaço propício para divulgação e extensão do seu trabalho, de modo que, os insights de suas publicações, nas redes sociais, mostram o retorno positivo da influência do trabalho de Nail Designer para captação do seu público. Luana Bessa é uma das milhares de brasileiras que apostam no digital como fonte de renda, mas nem sempre todas têm as mesmas oportunidades e benefícios do trabalho remoto. Você já parou para pensar a quem o home office beneficia?
O trabalho levantado pelos pesquisadores Maria Aparecida Bridi, Giovana Uehara e Alexandre Zanoni buscou compreender o impacto do home office, durante a pandemia provocada pelo covid-19, para os 8,2 milhões de trabalhadores brasileiros que tiveram que se adaptar à nova realidade de trabalho. Os dados obtidos pela pesquisa revelam uma disparidade de gênero relacionados às dificuldades que o regime remoto trouxe para homens e mulheres, durante o mesmo período de adaptação, o que nos leva imediatamente ao modo que a figura feminina brasileira foi inserida no mercado de trabalho.
Se a mulher, antes da Constituição de 1946, para trabalhar fora de casa deveria ter a autorização de seu marido, hoje quase oitenta anos depois, ela ainda sente impactos negativos e jornadas de trabalho superiores às masculinas, devido à sua ascensão tardia ao mercado de trabalho. De fato, não podemos comparar a realidade profissional feminina brasileira do século XXI ao do meio do século passado, mas considerar pontos importantes apontados no estudo de Bridi, Uehara e Zanoni que mostram que para mulheres, de faixa etária entre 31 e 50 anos, com filhos, o tempo dedicado ao trabalho home-office é superior ao de homens da mesma faixa etária, também pais. Ao refletir sobre o porquê dessas mulheres dependerem de maior tempo para entregar o seu trabalho, a pesquisa apontou que a conciliação com o trabalho doméstico, interferências dos filhos e o acúmulo de tarefas propiciou tal cenário.
Se aprofundarmos sobre discussões de gênero e divisão de carga trabalhista, nos remetemos para o cenário de 1946, onde mulheres, enfim, não seriam mais obrigadas a trabalhar perante autorização dos seus cônjuges, e pensaríamos se a inserção no mercado de trabalho foi de fato uma boa ideia. Obviamente, se trata de um pensamento sarcástico.
É importante ressaltar que a pesquisa realizada pela Remir ao Instituto de Economia da Unicamp abordou 906 entrevistados, durante a pandemia de covid-19 em 2020. Dentro desse público, 67,77% são mulheres. Desse modo, os dados coletados mostram que em uma comparação do ritmo de trabalho remoto entre homens e mulheres durante a pandemia, 50,98% das mulheres em relação a 43,15% demonstraram trabalhar em um ritmo mais acelerado durante a pandemia, em uma modalidade de home office.
Para destrinchar esses dados, o estudo coletou depoimento dos 906 entrevistados sobre os impactos do trabalho remoto na sua rotina. Os resultados encontraram temas recorrentes nos testemunhos. Nas respostas masculinas, as palavras principaís foram associada às dificuldades da gestão de tempo do trabalho home office, dentro do lar, em comparativo ao mesmo tempo em um ambiente externo, como escritório, por exemplo. Já entre as mulheres, o termo “casa” revelou uma maior preocupação entre a conciliação do home office aos afazeres domésticos e cuidados com os filhos.
Ainda, um dos termos destacados na pesquisa e que chama a atenção ao ser analisado é o de “dificuldade” que o esquema home office traria aos meios de trabalho entre homens e mulheres. Novamente, as diferenças de respostas evidenciam o papel de gênero que cada grupo assume quando deparados com o trabalho externo dentro do ambiente caseiro. Para os homens abordados, as dificuldades do trabalho remoto estavam relacionadas às questões de falta de contato com colegas. Já para mulheres, as dificuldades apontadas são para a falta de concentração no trabalho provocada pelas interrupções ocorridas durante o tempo de atividade, causadas por filhos, maridos e problemas relacionados à casa.
Então, ainda que no imaginário social os papéis de gênero atribuídos aos homens eram os de provedores e os das mulheres de cuidadoras do lar e da educação dos filhos, no contexto atual, evidenciado pela pandemia, os dois papéis de gênero passam a ser, quase que instintivamente assumidos por mulheres. Mesmo que com os avanços das pautas feministas e lutas por igualdade entre gênero, após mesmo mudanças na Constituição que atribuem à mulher o mesmo direito salarial e carga de trabalho igual ao dos homens, o que se nota é que prevalece a divisão injusta de trabalho, onde mulheres se desdobram em jornadas duplas ou triplas, em um mesmo espaço de tempo quando homens conseguem se abster de outras funções para atender somente às atividades laborais.
Novas formas de economia com o trabalho plataformizado
Ainda que tais disparidades sejam destacadas, algumas mulheres apostam nas vantagens do home office, principalmente no contexto pós pandemia, como meio para alcançar a independência financeira, como é o caso da influenciadora e designer de unhas Luana, citada no início do texto. Com apenas um celular e acesso a internet, a profissional consegue ministrar cursos para suas mais de 64 mil ouvintes. O que antes dependia de um espaço físico e gastos com aluguel, luz e etc, hoje, por conta das redes sociais e canais de comunicação digital, Luana conquista a agilidade do seu trabalho com a palma da sua mão, essa que antes precisava do contato direto com sua cliente para atingir sua renda financeira.
Assim como Luana, muitas mulheres brasileiras conquistaram a fonte de renda extra através do trabalho plataformizado, que é aquele que depende do uso da internet e plataformas digitais, como aplicativos e redes sociais, para servir como canal de comunicação e fonte de vendas rápida e, às vezes, o único meio possível de contato com prováveis clientes. Ainda existem muitas mulheres que reclamam da dupla jornada como malefício, pois trabalham no mesmo ambiente que vivem. Isso implica perda da privacidade pessoal, excesso de carga de trabalho, indefinição de horário de trabalho e lazer se não houver planejamento e a tendência ao isolamento.
O empreendedorismo feminino, com o desenvolvimento de plataformas digitais, principalmente após 2020, durante o período da pandemia, revelou que 54% dos profissionais de marketing digital no Brasil são mulheres. Tais dados levantados pela plataforma tecnológica para a área de recursos humanos, Revelo, mostram o potencial que as mulheres têm no uso da internet e tecnologia como meios de alcance a independência financeira.
O fato é que com o aumento das redes sociais e inovações tecnológicas, muitas empresas e profissionais, de diferentes áreas, buscam inserir os aplicativos e redes sociais nas rotinas trabalhistas, como ferramentas de maior captação de clientes. No meio empreendedor feminino, tais softwares se tornam aliados às mulheres na busca por uma fonte de renda extra, como é o caso de mulheres que, através de plataformas online, podem se inserir no mercado de trabalho.
Quando muitas vezes a rotina doméstica e as dificuldades de conciliação entre casa e vida profissional se chocam, grande parte das mulheres brasileiras se vêem pressionadas a buscar uma nova alternativa. A venda de doces e outros alimentos em aplicativos de delivery de comida, como Ifood, ou até mesmo filmar sua rotina de cuidados da casa, da saúde e da família, e publicar nas redes sociais, tem fomentado um novo nicho de mulheres empreendedoras que necessitam apenas do celular como ferramenta de trabalho. É o caso das “donas de casa influenciadoras”, novo perfil profissional de mulheres que têm ganhado destaque no Instagram e TikTok.
Revelar os detalhes de cuidado da casa, bem como mostrar seus produtos de limpeza e organização favoritos, além de publicação de receitas e dicas de cuidados com os filhos, são conteúdos de interesse de mais de 5,2 milhões de internautas que utilizam a #donadecasa no Instagram. Em seu perfil na mesma rede social, a criadora de conteúdo Eleni Moreti, de 67 anos, acumula mais de 600 mil seguidores em seu perfil @deliciasdaeleni, no Instagram. O seu sucesso? Compartilhar as suas refeições diárias, caseiras, na plataforma.
Com o bordão “gente, vamos almoçar?”, a idosa moradora de Franca, no interior de São Paulo, passou a ter o seu conteúdo digital patrocinado por empresas alimentícias, de modo que seu trabalho digital se tornou uma potencial fonte de renda.
Além de Moreti, diversas outras brasileiras têm visto o trabalho plataformizado como a principal e única via para o retorno financeiro. Tal movimento não se trata apenas de uma coincidência de vontades e saídas para o mundo feminino no mercado de trabalho, é o que mostra as pesquisas que apontam que as ocupações voltadas ao digital são as tendências para as profissões que moldarão o futuro.
Assista ao vídeo da entrevista!
Conteúdo produzido por Geisa Aguiar, Mariana Loureiro e Nayara Gomes na disciplina Laboratório de Narrativas Digitais, sob a supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini.
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