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Há um ano, o Brasil perdia Gal Costa

mulher branca de cabelos pretos curtos na altura do ombro, cacheado e volumoso. com vestido preto, um braço aberto no com segura o microfone. - Gal Costa

Gal Costa. Imagem: Sarah Mirelle.

No cotidiano de quem embala a vida ao som de Gal Costa, o dia 9 de novembro de 2022 era uma data inimaginável: o dia em que Gal nos deixaria. Um dia que começa como outro qualquer, mas em que tudo muda repentinamente. No dia em que a partida de Gal completa um ano, conheça histórias de fãs que lidaram e lidam com a partida repentina de uma das maiores artistas brasileiras.

Uma perda, um choque

Gabriel Campos, ou Biel, como prefere ser chamado, é escritor e roteirista. Formado em Comunicação Social, vive em São Paulo e é fã da Gracinha, um dos muitos apelidos que Gal recebeu durante a vida. Era por volta de 11h da manhã naquele 9 de novembro, e ele estava trabalhando quando recebeu a notícia do falecimento de Gal por uma amiga. Ficou cerca de 15 minutos em choque, enquanto encarava o obituário publicado na Folha de S.Paulo.

Naquele dia, não conseguiu mais trabalhar. Colocou os discos da cantora para tocar e ficou submerso em sua voz. Levou dias para a ficha cair, para entender que tinha acabado de perder a parte mais importante de si. A sensação de perda foi tão intensa que ele ficou um ano sem conseguir escrever: “Achei que eu tinha perdido a minha musa, então, eu perdi o motivo”.

Quando Gal morreu, eu senti que uma luz se apagou dentro de mim”.

Maria Clara Lacava

Maria Clara Lacava, assistente de inteligência e marketing, atriz e produtora, vive em São Paulo, e é fã de Gal Costa. Ela estava em aula, saiu para tomar uma água, abriu o Instagram e viu o obituário de Gal naquele 9 de novembro. Imaginando que era fake news, não conseguiu chorar. Mas quando a assessoria confirmou, a ficha foi caindo. Não foi capaz de continuar na aula e foi embora para casa. Durante os quatro meses seguintes, chorou todos os dias

Todo dia 9 eu lembro, inevitavelmente, em todo dia 9 a ficha cai novamente”.

Sarah Mirella

Sarah Mirella, natural de Queimadas, interior da Bahia, é advogada, faz graduação e mestrado em Letras, e é fotógrafa por hobby. Esse dia foi inesquecível para Sarah também, ainda que triste. Enquanto tomava seu café, foi surpreendida ao ver o obituário da Folha de S. Paulo. Achou estranho, entrou em choque e mandou mensagem para uma amiga. Vinte minutos depois, recebeu uma ligação com a amiga em prantos. Ela sabia, ela sentiu: Gal havia partido.

Gal Costa atravessa gerações

Biel Campos, nosso primeiro fã, conta que cresceu ouvindo “a voz do nosso país”, título que atribui a Gal. Suas tias, muito fãs de MBP, envolveram sua infância no universo de Bethânia, Adriana Calcanhotto, Clara Nunes, mas Gal sempre foi a principal, e influenciou grande parte do que ele se tornou como artista e pessoa. Embora ouvisse suas músicas desde muito novo, foi na pandemia que sua relação com a discografia de Gal Costa se intensificou.

Gal canta tudo o que eu sou”.

Biel Campos

Na vida de Biel e de outros fãs, Gal atravessou gerações. Hudson Freitas e Guilherme Brant, ambos professores, são namorados e compartilham uma casa e o amor por Gal. Aos domingos, Hudson tem o hábito de cozinhar para os dois ao som de Gal Costa. O casal se envolve com a voz da cantora, enquanto cria memórias de afeto.

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Vídeo: Hudson Freitas e Guilherme Brant.

Hudson conta que sua vivência com Gal vem desde a infância. Uma tia o influenciou, escutava muito os tropicalistas, Caetano, Gil, Gal – principalmente. Cresceu ouvindo a cantora, que sempre teve uma importância na sua vida. Para ele, Gal “rompeu com as fronteiras de seu próprio tempo”. Já os pais de Guilherme escutavam os tropicalistas. Seu pai tinha uma amiga chamada Gal, que coincidentemente, tinha um visual semelhante ao da cantora: “Me marcou muito”, conta.

Gabriella Nunes / Acervo pessoal

Gabriella Nunes, carioca, estudante de Turismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sente que tudo o que é hoje, deve um pouco a Gal Costa. Como toda menina que se chama Gabriella, foi introduzida a Gal com a famosa canção Modinha para Gabriela. Quando criança, odiava que cantassem a música mas, com o passar dos anos, e assistindo Sônia Braga interpretando Gabriela na adaptação do livro de Jorge Amado, passou a se interessar pela figura da atriz e da cantora.

Gabriella percebeu que as três tinham algo em comum: um cabelo volumoso e revelador. Ela lembra que via Sônia na TV e percebia a força da mulher brasileira em seu cabelo. Percebeu o mesmo em Gal, e aquilo fez crescer uma admiração pela cantora. Gabriella tinhas muitas inseguranças com seu cabelo e, ao se enxergar e sentir-se representada em um figura tão resplandecente, os medos ficaram para trás.

A mãe de Maria Clara sempre escutou Gil e Gal, então, desde sua infância, a cantora esteve inserida na trilha sonora da vida da atriz e produtora. Quando iniciou a vida artística aos 12 anos, aprofundou sua relação com Gal e sua história tropicalista. “Eu me deparei com um camaleão, alguém que sempre soube se reinventar a todo tempo”, conta. Para Maria, a sutileza de Gal revelou muito mais do que um estrondo poderia ter feito.

De peito aberto para o Brasil

Alexandre Veloso, outro fã da cantora, vive em BH, e é comerciante da área de discos. Gal é uma das primeiras cantoras que ele conheceu, via professores, e um amigo específico, que costumava gravar fitas com músicas da cantora. Seu amor e admiração por Gal nasceu do vínculo dessa amizade. Ele foi em muitos shows na década de 1990, dentre eles, a marcante estreia de O Sorriso do Gato de Alice, quando Gal desabotoou sua blusa e pôs os seios à mostra. Alexandre tem a percepção de que aquele momento é uma representação da libertação de Gal, não especificamente um protesto. Para ele, a vida de Gal já era uma insurgência: “Já era parte dela aquele tipo de revelação de si, com muita naturalidade”.

Alexandre, após descobrir que Gal havia falecido, apesar da tristeza, não se interessava em saber como havia acontecido, buscou fazer um pensamento positivo para ela, a pessoa da Gal – Maria da Graça. Trabalhando com discos, quando algum artista, na tamanha grandeza de Gal morre, ele sente que o seu trabalho é o melhor lugar em que pode estar, porque ali sempre estará viva e presente.

Ouça a mensagem de Alexandre Veloso para Gal:

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Experiências ao vivo

Falando em shows, Biel, que possui uma coleção de discos de Gal, em toda oportunidade que teve, foi em shows da cantora. Mas, em 2021, vivenciou o sonho de qualquer fã: ao participar do programa Altas Horas, da Rede Globo, teve oportunidade de falar diretamente com ela durante a gravação. O programa foi online, devido às restrições sanitárias da COVID, e a participação de Gal Costa foi uma surpresa para o público. Nos bastidores, correu a notícia de que Biel era tão fã que tinha até uma tatuagem em homenagem à cantora.

O apresentador Serginho Groisman chegou a falar diretamente com a cantora: “Gal, tem um menino de cabelo rosa atrás de você e ele tem uma coisa para te falar”. Biel conta que gelou naquele momento: “Deu um branco total. Mas a primeira coisa que fiz foi dizer que a amava, agradeci a ela e a Caetano por tudo que fizeram pela música, pelo Brasil e pela cultura. Lembro do Caetano fazendo uma reverência para mim e por dentro eu gritava”. Segundo ele, Gal respondeu dizendo que era uma honra a tatuagem e o carinho.

O show de Gal que virou lembrança na pele de Biel foi um momento memorável da carreira da cantora. Marcado por muita polêmica, a apresentação apoteótica de Gal Costa com os seios à mostra gerou críticas, que foram respondidas à altura pela cantora. Em uma entrevista no Roda Viva, questionada a respeito da pressão que teria sofrido do seu diretor para o ato de mostrar os seis, ela respondeu: “Eu faço o que eu quero, eu mostrei os meus peitos porque eu quero, ninguém me manda”.

Hudson e Guilherme revelam que nunca tiveram a oportunidade de ir a um show de Gal, e não esperavam que ela fosse morrer antes de passarem por essa experiência. No último show de Milton Nascimento, no entanto, na despedida no Mineirão, vivenciaram a emoção da dedicatória do show para Gal – ao entrar no estádio, eles avistaram de primeira uma foto dos dois juntos, o que marcou muito o casal.

Gal Costa e Milton Nascimento. Imagem: Diego Ruahn.

Eles me deram talvez a maior fotografia da minha carreira”.

Diego Ruahn

Um dos registros fotográficos mais icônicos da dupla Gal e Milton foi feito por Diego Ruahn (@diegoruahn). O fotógrafo conta que foi convidado para gravar o documentário com Milton Nascimento e, durante uma semana, diversos cantores do Brasil participaram da gravação, dentre os nomes estava Gal Costa. Diego conta que apesar de não conhecer tanto o trabalho da cantora, sabia que ela tinha um grande significado para a música brasileira, e ela demonstrou desde o início – durante o dia que passaram juntos -, ser uma pessoa muito doce, gentil, amável.

Conexão física e espiritual

Sarah diz que Gal é a maior cantora do Brasil, uma das mulheres mais transgressoras, especialmente pela pluralidade do que produziu em sua carreira. Para ela, Gal é uma das cinco coisas fundamentais na sua vida, assim como é uma das cinco cantoras que mais gosta. Ela teve a sorte de ir em shows, tirar fotos e ganhar autógrafo. A fã da cantora revela que nas vezes em que se encontrou com Gal podia perceber que ela era muito doce, tinha uma energia leve, não parecia viver no estrelismo, era acessível para quem quisesse chamar para conversar.

Ingresso de show. Acervo pessoal de Sarah Mirella.

Gabriella Nunes contou que passava por uma fase difícil na pandemia, e sua relação com a cantora naquele momento ficou ainda mais forte. “Gal Costa foi quem me tirou do fundo do poço”, conta. Até hoje, em momentos difíceis, ela busca escutar Gal, pois se tornou seu lugar de acolhimento. Gabriella diz sentir Gal como se fosse sua mãe, tendo herdado grande parte da sua força da cantora.

Maria Clara Lacava

Maria Clara revela que o que há de livre em si, é de Gal. Tudo que representa liberdade em sua vida, lhe foi dado e ensinado, ainda que indiretamente, pela cantora. Nas palavras de Maria Clara, “Gal se tornou um abstracionismo, está incorporada em mim, em todas as minhas veias de liberdade”. Ela revela que sempre mitificou muito a figura de Gal, como se ela nunca fosse falecer, e quando a notícia chegou, entrou em estado de choque.

Para ela, todo dia 9 é como se tudo voltasse a acontecer novamente. Ficou um tempo sem ouvir a cantora e, ao voltar, redescobriu o brilho de Gal, confirmando que a presença da tropicalista na terra valeu muito a pena. “Cantar para Gal era um trabalho espiritual”.

Fãs, amigos e colegas de profissão não têm receio de afirmar que Gal Costa foi a maior voz do Brasil. Sua discografia marca o legado imensurável que deixou depois de sua inesperada morte. Em sua própria música, “A mãe de todas as vozes”, ela revela:

Minha voz é o que eu sou. Sou Filha de todas as vozes que vieram antes. Sou mãe de todas que virão depois”.

Gal Costa

Você também é fã da Gal Costa?

Confira a playlist com a seleção das músicas preferidas dos fãs criada pelo Colab:

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