Colab

Gordofobia é obstáculo ao tratamento da obesidade

 Preconceito desvia o foco do problema atrelado aos corpos fora do padrão 

Em uma sociedade que idealiza os corpos magros de cintura fina, sustentados pelos argumentos de saúde e estética, pessoas obesas enfrentam a árdua tarefa de lidar com o preconceito, com as dificuldades de mobilidade e acessibilidade. Todos os dias, pessoas consideradas gordas saem de casa com a consciência de que vão encontrar pela frente todos os tipos de desafio no transporte público, no local de trabalho, nos restaurantes e em outros ambientes que não estão preparados para acomodá-las. Ainda pior, sabem que podem ser alvo de piadas, julgamentos, comentários e opiniões sobre seus corpos. Esse tipo de preconceito tem nome, gordofobia. 

O termo gordofobia não remete somente aos preconceitos verbais e não verbais, aplica-se, principalmente, à falta de inclusão para esse tipo de corpo. Um exemplo é a história vivenciada pela bacharel em direito e estudante de jornalismo  Janaina Veloso, de 27 anos. “Quando eu cheguei à PUC, eu me deparei com aquelas carteiras que são unidas, a mesa e a cadeira. Aquilo me gerou um desconforto, porque eu não cabia na carteira. Se eu não chegasse cedo para escolher a minha carteira, não conseguia sentar”, conta.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é um dos principais problemas de saúde pública, hoje, no mundo. Estima-se que, no ano 2025, haverá 700 milhões de obesos no mundo e cerca de 2,3 bilhões de pessoas com sobrepeso. 

 “A obesidade já é uma doença endêmica há muito tempo, mas posso falar com certeza que estamos próximos a uma pandemia de obesidade”

Bernardo Nalon, cirurgião bariátrico

O médico Bernardo Nalon em frente a certificados na parede, cabelos grisalhos, usando óculos de grau e jaleco
O cirurgião bariátrico Bernardo Nalon alerta para o risco de obesidade virar doença endêmica / Arquivo pessoal

O cirurgião bariátrico e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Bernardo Nalon, diz que “a gordofobia é o bullying do paciente obeso”. Segundo ele, as pessoas obesas podem demonstrar baixa autoestima e se autodepreciar por se sentirem incapazes de realizar algumas atividades corriqueiras, pois vivem situações constrangedoras, como a dificuldade para calçar um sapato ou passar na roleta do ônibus.  A compra de roupa para algumas pessoas pode ser um lazer, mas para outras, que convivem com a obesidade, pode ser desgastante, desmotivador e até pode reduzir ou prejudicar a autoestima.

 “Quem está dentro do peso nunca parou pra pensar nisso, mas quando você começa a conversar e conviver com esses pacientes, eles vão te trazendo a realidade da vida deles, e é muito difícil.”

Bernardo Nalon, cirurgião bariátrico

Segundo Janaína, a discussão sobre obesidade é de crivo médico e deveria passar pelos profissionais de saúde, quem realmente pode opinar é a medicina; entretanto a realidade não é bem essa. Hoje em dia todos se acham especialistas para falar de qualquer assunto, isso sem considerar os limites sensíveis das pessoas. “A gente só pode ir se adaptando aos preconceitos e ir lidando mesmo.”


No áudio, Janaina conta um pouco sobre sua experiência pessoal
Janaina Veloso, de 27 anos, olhos castanhos, cabelos cacheados, negra, em pé, de calça e camisa de botão preto.
Janaina compartilha sua experiência com a falta de acessibilidade / Arquivo pessoal

“Agora, com a rede social, com o politicamente correto, as pessoas têm tido mais tato para falar comigo. Só que eu vejo que é mentira. Porque, se eu estou dançando numa festa, a pessoa chega para mim e diz: ‘Nossa, não sei como é que você tem coragem de dançar assim, eu não tenho essa coragem’. Eu fico me perguntando, por que eu preciso de coragem para  dançar? Será que eu tô ridícula? Se eu sair para dançar. ‘Nossa, você tá namorando, deve ter sido difícil para você.’ Por que seria difícil eu conseguir um relacionamento? Então eu acho que as pessoas têm, dentro do politicamente correto, uma maneira de esconder um preconceito . É sempre um “Nossa, como você é tão guerreira.” Não. Por que eu sou guerreira?”, brinca Janaína.

Estudos epidemiológicos

Em estudos epidemiológicos, o diagnóstico do estado nutricional de adultos é feito a partir do índice de massa corporal (IMC), obtido pela divisão do peso, medido em quilogramas, pela altura ao quadrado, medida em metros (kg/m2) . O sobrepeso é diagnosticado quando o IMC alcança valor igual ou superior a 25 kg/m2 , enquanto a obesidade é diagnosticada com valor de IMC igual ou superior a 30 kg/m2. 

De acordo com o cirurgião bariátrico Bernardo Nalon,  a partir do IMC 35, já é possível indicar a cirurgia bariátrica, mas é necessário que o paciente de obesidade grau II (IMC > 35) tenha apresentado alguma mazela do excesso de peso, como diabetes e hipertensão.

A Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel Brasil), desde 2006, apura dados com base em inquéritos telefônicos sobre os fatores de risco para doenças crônicas, como o tabagismo e a obesidade. A pesquisa abrange universo amostral de 1,5 mil a 2 mil  homens e mulheres maiores de 18 anos, moradores das capitais de cada estado do país.

Os dados indicam que o percentual de adultos obesos entre 2006 e 2021 saltou de 12% para 22,45% nas capitais brasileiras, o que computa um avanço de 86,4% em valores absolutos. O aumento foi percebido em todas as regiões do Brasil e a região Norte se manteve como a que tem a maior porcentagem de pessoas autodeclaradas obesas.

Os números da Vigitel ainda indicam, conforme os próximos gráficos, que os índices de obesidade são maiores entre os 35 e os 64 anos, assim como demonstram que adultos com menos de oito anos de escolaridade tendem a ter IMC mais altos do que aqueles mais escolarizados.

Os estudos mostram dados preocupantes que reforçam a ideia de uma epidemia de obesidade. De 2006 a 2021 houve um aumento contínuo na porcentagem de pessoas com obesidade a partir do grau 1 em todas as regiões brasileiras, assim como em todas faixas etárias, gêneros e níveis de escolaridade dos entrevistados. 

O maior crescimento observado foi entre jovens com idades entre 18 e 24 anos, em que os índices obtiveram um aumento de até 186%, o que também serve de alerta para os casos de obesidade infanto-juvenil, visto que, em 2021, houve maior incidência de jovens que já entram na vida adulta com obesidade, que vem acompanhada de outras doenças, como hipertensão arterial e diabetes, por exemplo.

Diário de Maria Eduarda

Diante dos índices de obesidade e dos problemas que a gordofobia pode levar às crianças e aos adolescentes, especialmente devido ao bullying, os pais devem ficar atentos às mudanças comportamentais. O caso da menina Maria Eduarda Araújo Rodrigues, de 9 anos, é emblemático dessa situação.

Ela tem o costume de escrever acontecimentos corriqueiros em seu diário. Sua mãe, Pavlova Araújo Garcia, 32 anos, encontrou quatro páginas do diário da filha com anotações entre aspas da seguinte forma: “baleia”, “come menos”, “gorduça”, “você já tá mocinha”. Em outras páginas, estava escrito ordens do tipo: “emagrecer!”, “recuse!” e “coma menos!”

 Pavlova Araújo publica em seu instagram uma página do diário de sua filha / Fonte: Arquivo pessoal – Instagram
Texto alt (descrição da imagem): Página pautada de um diário da filha de Pavlova. Nele estão escritas algumas violências verbais sofridas por Maria Eduarda em relação ao seu corpo.

“Quando ela fez sete anos, ela falou assim para mim: Mãe, compra um diário pra mim? E eu falei: compro. Quando o diário chegou e ela começou a escrever, eu falei assim: Duda, você não tem a obrigação de me mostrar nem nada, é seu. E ela falou: Não, mãe. Eu faço questão de te mostrar, para você ler, eu não tenho nada para esconder de você”.

Pavlova, triste pelo acontecimento, explica que, a princípio, não percebeu as pequenas mudanças de hábitos da filha, como não querer comer mais de um prato ou não querer vestir saias, vestidos e leggings. Ações como essas são comuns para as pessoas intimidadas pela gordofobia. Ao perceber o relato de sofrimento no diário, a mãe conversou com a filha, e chegaram à conclusão de que um acompanhamento psicológico para a menina seria ideal.

Reportagem de  Clara Tunes, Danilo Marra, Luan Versiani, Paula Arantes, Tiago Santos e Victor Parma para a disciplina Apuração, Redação e Entrevista sob a supervisão da prof. Fernanda Sanglard.

Leia também:

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário