Em 8 de abril de 2020, o isolamento social na capital de Minas Gerais foi estabelecido de forma rigorosa. A data marcava 23 dias após a confirmação do primeiro caso de coronavírus em Belo Horizonte. A Prefeitura Municipal (PBH) decretou o fechamento de qualquer setor não-essencial e suspendeu o alvará de funcionamento de estabelecimentos sem caráter fundamental, como bares, casas de festas e shoppings. Essas medidas sanitárias perduraram por mais de um ano, entre flexibilizações, endurecimentos e um número alto de mortes, que hoje passa dos 600 mil no Brasil e aproximadamente 7 mil na capital mineira.
Durante todo o ano de 2020, com o aumento do número de casos no mundo, diversos países e empresas se mobilizaram para produzir vacinas contra o vírus, o que resultou em uma boa oferta de imunizantes para o mercado mundial. Contudo, enquanto a vacinação em países como o Reino Unido teve início em 8 dezembro daquele ano, com ritmo acelerado, no Brasil, a postura negacionista do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) fez com que a imunização começasse apenas em 17 de janeiro de 2021, e de modo lento, devido à demora na aquisição dos imunizantes, como foi apurado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, constituída no Senado Federal.
Agora, com o avanço da vacinação em todo o país e em Belo Horizonte, os índices de casos e mortes reduziram de forma considerável, e a prefeitura tornou menos rígidas as medidas de isolamento, possibilitando a reabertura de diversos estabelecimentos e a volta de eventos.
Depois de um ano e nove meses em pandemia, vivendo conforme as regras sanitárias que exigiam o distanciamento social, a população belorizontina finalmente voltou a frequentar eventos culturais que foram liberados pela prefeitura no segundo semestre de 2021. Shows com grande capacidade, aglomerações, festivais, festas e eventos culturais estão voltando a acontecer e a reunir público, favorecidos pela redução no número de infectados e de vítimas.
Perspectivas positivas
O médico infectologista Adelino Melo Freire Júnior (@adelinomelo), que ocupa o cargo de diretor técnico-científico do Hospital Felício Rocho, afirma que, enquanto os indicadores estiverem bons e houver uma tendência de melhora progressiva, é possível fazer mais flexibilizações, dependendo do local onde esses eventos forem realizados e da adesão dos indivíduos às medidas de proteção.
Segundo ele, com o tempo, foi possível aprender como o novo coronavírus funciona e como a doença é transmitida. A confirmação de que a transmissão é aérea, por aerossóis, foi bastante importante, na avaliação do infectologista: “Antes, nós pensávamos que a transmissão ocorria apenas por gotículas. A única diferença é que, enquanto a gotícula tem um alcance pequeno, de 1,5 a dois metros (por isso se fala no distanciamento de dois metros entre as pessoas), a transmissão por aerossol (que são gotículas muito menores e que podem ficar em suspensão no ar) faz com que essas minúsculas gotas possam viajar pelo ar pelo ambiente para distâncias muito maiores do que aqueles dois metros”, explica.
O risco é maior em ambientes fechados, mesmo dentro dos protocolos, fazendo com que o distanciamento adotado não seja 100% eficaz.
Adelino Melo Freire Júnior, médico infectologista
Apesar disso, mesmo com comprovações a respeito de um maior índice de contaminação e risco em locais fechados, percebe-se aumento da procura por comemorações nesses locais.
De acordo com a administradora Duda Mourão, 55 anos, proprietária da Happy Eventos (@happyeventos_dudamourao), as festas realizadas exigem uso de máscara, comprovante das duas doses da vacina, distanciamento entre as mesas, limite máximo de pessoas por mesa, proteção por parte dos funcionários e, em alguns eventos, o teste de covid-19 também é requisitado.
Duda acrescenta que, em eventos em lugares fechados, os protocolos seguidos são mais rigorosos que em eventos em espaço aberto: “Não existe mais aquela coisa dos convidados se servirem, então, sempre tem que ter alguém do buffet para servir as pessoas, além do uso de luvas descartáveis, e os pratos têm que ficar cobertos. Se a pessoa for se servir, ela tem que estar de máscara”. Porém, mesmo que seja exigido usar máscaras e respeitar as medidas de segurança, na prática isso não acontece. “Dentro da festa isso não é seguido. É muito difícil você obrigar a pessoa a continuar usando máscara com um copo na mão”, afirma a empresária.
Controle da reabertura de eventos presenciais em BH
Em 3 de julho de 2021, o prefeito Alexandre Kalil decretou a permissão da realização de eventos com até 50% da capacidade total e seguindo as medidas de segurança. Na época, segundo os dados do Boletim Epidemiológico do Coronavírus fornecidos pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, a porcentagem de vacinação da população belorizontina era de aproximadamente 42%, com a primeira dose, e 17%, com a segunda dose, atingindo o público adulto na faixa etária de 30 a 40 anos.
Após quatro meses, em novembro, a prefeitura autorizou o funcionamento de eventos com capacidade total na capital mineira em virtude do bom andamento da imunização. Segundo dados do dia 16 do mesmo mês, os índices são de 77,6% de pessoas vacinadas com a primeira dose e 62,1% para a segunda dose, contudo, ainda há a necessidade de manter o cuidado e seguir os protocolos.
Segundo o diretor técnico-científico do Hospital Felício Rocho, Adelino Melo Freire Júnior, em ambientes fechados a capacidade máxima aumenta os riscos e, portanto, as pessoas devem agir de forma mais rigorosa e adotar uma postura mais conservadora.
De acordo com Estevão Urbano (@estevaourbano), médico infectologista e membro do comitê de enfrentamento à covid-19 de Belo Horizonte, o grande número de pessoas completamente imunizadas permite uma volta com segurança sem piora dos números. Contudo, a rotina anterior não pode voltar a vigorar e talvez ainda vá demorar para que isso aconteça, devido à possibilidade de surgimento de novas cepas que sejam resistentes à vacina e que necessitem de medidas restritivas.
Por isso, conforme Estevão, as medidas de flexibilização têm que ser conduzidas de forma gradual, com monitoramento rigoroso dos números. O comitê atuou diariamente, ao longo desse período, sustentado em pesquisas, literatura científica, debates, reuniões e tomadas de decisões, segundo a dinâmica do conhecimento sobre a epidemiologia de cada época.
Ainda de acordo com Urbano, a reabertura está sendo feita de forma segura, mas sempre há necessidade de um controle: “O que está permitindo essa volta gradual é, certamente, a vacinação, que tem funcionado como uma barreira contra novas pioras em relação às aberturas feitas. Antes, devido a falta de vacina, era só as pessoas voltarem à vida normal que a pandemia piorava imediatamente’’.
Mercado de shows
O produtor de eventos e empresário Cristiano Carneiro, 40, conhecido no mercado como Nenety (@nenetyeventos), afirma que sua empresa ficou quase dois anos sem produzir eventos na capital. “Em Belo Horizonte não realizamos eventos ainda, porque foi muito recente a liberação do prefeito, e antes não podíamos fazer nada.” A Nenety Eventos realizou sua primeira festa após a pandemia em Nova Lima, o projeto Star, nos dias 23 e 24 de outubro, com o show do DJ KVSH e do cantor Zé Vaqueiro. Nenety ainda acrescenta que notou maior interesse do público em comparecer: “O público está querendo sair mais por ter ficado muito tempo trancado em casa. Com a volta, o pessoal está buscando muito mais lazer, entretenimento, viagens e festas”.
Em relação ao mercado de shows, o empresário ressaltou que, em Nova Lima, município localizado na região metropolitana de Belo Horizonte onde ocorre a maioria dos eventos, ainda há restrição de público, podendo apenas 50% da capacidade máxima dos locais. Já na capital mineira, no mês de novembro, foi liberado 100% de lotação, em que continuam sendo exigidas medidas sanitárias de segurança e, no caso de eventos com público de até 2 mil pessoas sentadas, com serviços de alimentação realizados na mesa dos participantes, sem espaços para dança continua valendo a regra de não exigir comprovante de vacinação ou testes.
Cinemas e teatros
A Prefeitura de Belo Horizonte liberou o funcionamento com capacidade total de cinemas e teatros na capital, mas os locais ainda têm que seguir as medidas sanitárias estabelecidas. Conforme as orientações disponibilizadas sobre a abertura desses locais, é necessário a higienização das salas diariamente e também entre sessões, a disponibilidade de álcool em gel e em spray e o uso de máscara durante todo o tempo em que o público estiver no local, exceto em momentos de alimentação.
O Palácio das Artes, referência cultural no cenário belorizontino, voltou com sua programação normal de apresentações com medidas de segurança contra a Covid-19 mais rigorosas do que foi solicitado pela PBH. Segundo a assessoria do espaço, os eventos podem acontecer com capacidade máxima, mas tal decisão é feita pelo produtor, que pode optar por restringir os números de espectadores, enquanto visitas guiadas feitas por cadastro ainda acontecem com números limitados.
De acordo com cartilha fornecida no site oficial da Fundação Clóvis Salgado, para entrar nas dependências do lugar é necessário fazer uma aferição dupla de temperatura, uma ao entrar e a segunda após dez minutos de espera, higienizar os sapatos, manter uma distância de 2 metros entre pessoas e permanecer de máscara durante todo o período de visitação.
Adelino, médico infectologista, acrescenta que, mesmo seguindo os protocolos de segurança, ainda existem riscos em frequentar cinemas, teatros e eventos em lugares fechados. “Esses ambientes já pressupõem uma circulação de ar limitada, trazendo mais risco de transmissão do que ambientes abertos”.
Além disso, o médico afirma que o número ideal de pessoas por sala para que não tenha riscos é indefinido e depende de algumas variáveis, como o tamanho da sala, a circulação de ar e se possui janelas, e conclui que a melhor medida de segurança para lugares fechados como cinemas e teatros é a testagem, juntamente com o distanciamento e o uso de máscara, “a testagem sozinha não garante nada, mas somada a essas outras medidas traz mais uma camada de proteção”.
Reportagem produzida por Ana Clara Alves, Davi Oliveira, Eduardo Naoum, Isabella Cerqueira, Julia Vargas, Juliana Leal, Laura Couto, Lívia Tertuliano, Lucas Meireles, Pietra Deccetti e Virgínia Caetano em atividade interdisciplinar orientada pelas professoras Adriana Ferreira, Fernanda Sanglard e Verônica Soares.
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