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Lavínia Rocha na imagem. Uma mulher negra de cabelo cacheado sorrindo.
Lavínia Rocha, escritora e professora, publicou seu primeiro livro aos 11 anos.

Escritora, palestrante, professora, influenciadora, mas acima de tudo menina-mulher

A educação tem grande influência na mulher e na profissional que Lavínia Rocha se tornou

Sentada em um cômodo de extrema particularidade, a escritora Lavínia Rocha se mostrou desinibida em falar sobre si. Com inúmeros sorrisos repletos de nostalgia, contou sobre o início de sua carreira, quando tinha apenas 11 anos: “Então era uma brincadeira assim, de criança mesmo”. Uma criança florescendo em uma mulher de 26 anos. Entre as histórias de infância, a busca pela estabilidade e os planos para o futuro, conhecemos o lado vulnerável da menina-mulher.

A educação tem grande influência na mulher e na profissional que Lavínia se tornou.

E aí eu fui essa criança apoiada pelos pais, apoiada pela família, apoiada pela escola, apoiada pela bibliotecária, apoiado pelos professores.

Lavínia Rocha, escritora

O estímulo recebido dentro de casa e da escola fez com que seu amor e desejo pela cultura e pela arte aflorasse. Com uma mãe professora, ela sempre se viu em uma carreira no meio da educação, como bibliotecária, palestrante, professora e escritora. Lavínia foi uma criança que teve a virtude de criar e imaginar.

Inicialmente, Rocha não pensava que suas histórias de criança se tornariam livros: “eu nem sabia que dava para fazer isso”. As histórias se referiam ao que ela vivia e gostaria de viver. Sua imaginação não possuía limites e o apoio a essas criações se mantinha firme. “Eu sempre fui uma criança que criava muito e que precisava colocar para fora essas criações”, lembrou. A autora não ousava pensar que a realidade, na qual se insere hoje, seria possível de ser alcançada. Tudo era apenas uma fantasia impensada até que as histórias que criava foram levadas até sua prima e amiga. Nesse momento, tudo se tornou um sonho, não apenas seu.

Autora desde criança

Aos 11 anos, Lavínia publicou, de forma independente, seu primeiro livro: “Um amor em Barcelona”. “Quem pagou a publicação e tudo foram os meus pais. Eles sempre me apoiando”. Caindo em uma realidade extremamente burocrática, diversos pensamentos negativos se fizeram presentes, como a falta de idade, de vivências e de conhecimento. O apoio e seus anseios não deixaram com que a frágil criança desistisse. Uma escolha que se mostrou certeira. Em 2010, a editora D’Plácido encontrou e investiu no talento da autora, quando ela tinha 13 anos. Assim se deu o relançamento do livro “Um amor em Barcelona”.

É interessante pensar na Lavínia que começou a atuar como palestrante aos 13 anos. Independente da pouca idade, ela possuía muito o que dizer e era escutada enquanto falava de sua primeira obra Atualmente, a autora contabiliza uma passagem em mais de 200 escolas, e reflete que escolher a educação foi uma decisão sensata.

Ao falar sobre as inspirações, Lavínia contou como muita coisa mudo no momento em que entrou para a faculdade de história, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): “Eu lembro quando eu entrei na faculdade. É esse movimento, momento de movimentos sociais, de descoberta do movimento negro e tal, e da minha identidade. Eu comecei a buscar referências negras, então hoje eu tenho. Eu me apoio muito em algumas histórias e em algumas escritoras que são muito importantes para mim. Primeiro a Conceição Evaristo e a Carolina Maria de Jesus, que são duas escritoras mineiras”. Quando criança, ela sentia falta de sentir representada. Hoje busca se inspirar em pessoas com as quais se identifica, nos quesitos raça e ideologia. Ela busca trazer isso consigo, principalmente em seus livros: levar essa representatividade, que em sua infância sentiu falta, a outras crianças.

No início de sua jornada na universidade, Lavínia percebeu que tudo que envolvia o curso de ciências sociais, curso de sua escolha inicial, era puramente acadêmico e isso não era o seu desejo. Ao largar o curso se sentiu perdida, mas logo percebeu que o ambiente escolar era sua paixão e decidiu segui-la. Apaixonada pela matéria de história quando era apenas uma colegial, decidiu que gostaria de estar em outro espaço, saindo do lugar de quem aprende para o de quem ensina. Ela, então, decidiu cursar história:”Eu entrei muito desanimada, mas logo no primeiro semestre eu me apaixonei, eu fui me apaixonando mais a cada semestre”.

Representatividade

Com um semblante nostálgico, a autora afirmou que seu livro mais pessoal é “Entre 3 Mundos”. Por conta de tal pessoalidade, a escritora criou a personagem fisicamente parecida com ela, assim como também trouxe um pouco de sua jornada e seu processo de descoberta sobre sua identidade. A trilogia aborda assuntos que Lavínia foi entender que faziam parte de quem ela era e desejava ser na faculdade. Lisa, a personagem principal da trilogia, é tudo aquilo que a artista desejava ver na literatura que consumia: “Eu queria me ver, então eu imaginava a personagem parecida comigo”.

Lavínia ergueu seu braço à frente, em um local que a pouca visualização da câmera não permitia ser visto. Ao retornar com o braço, ela soltou uma gargalhada curta e contagiante. Em suas mãos, um exemplar de “Entre 3 mundos”, com sua nova capa. Ela balançou levemente o livro e voltou seu foco a ele. Após ter a certeza que seus ouvintes o viram, ela o recolocou no lugar. No início, a autora reflete que seu desejo de representatividade foi completamente egoísta. Porém, com o reconhecimento do livro, muitas garotas negras demonstraram estar necessitadas de tal representatividade, se tornando uma luta de Lavínia, não apenas por ela mesma, mas por todos.

A personagem Lisa foi se entendendo como uma garota negra e aceitando sua identidade racial. O livro se tornou uma trilogia, mesmo sem planejamento para tal, desde seu início. A obra foi reescrita e relançada com novas capas. Nessa nova escrita, Lavínia mergulha em si própria. A mulher reencontra sua menina, aquela que um dia foi, agora mais madura e consciente sobre o que deseja ser e passar aos leitores. “Eu trouxe algumas abordagens que eu achava que precisavam ser mais esclarecidas”.

A literata se aproveita de tudo em suas histórias. “Eu me inspiro nas coisas que acontecem ao meu redor, não só na minha vida”. Ser observadora foi e é essencial para a construção de suas narrativas. Elas são feitas por pequenas construções e recortes de tudo que as pessoas à sua volta, principalmente as queridas, estão vivendo. Homenagens aos outros e a si mesma são feitas com recorrência: “Todas as minhas protagonistas têm L no nome, porque todas elas carregam um pouquinho de mim”.

Além de inspirações no que escrever, ela também compreende que possui fortes estímulos na forma de escrever. Algumas ideias e pensamentos que surgiram e surgem são recortes de tudo e todos à sua volta, em cada pequeno detalhe. As referências, mesmo que sendo de forma inconsciente, eram fortes e perceptíveis e transformaram a Lavínia leitora em uma escritora.

Com o processo de crescimento pessoal pelo qual ela passou, suas inspirações mudaram e evoluíram, assim como sua busca por conhecimento e identificação diante da literatura. Em uma perspectiva jovem e contemporânea, ela cita Jade Arrais, escritora cearense de 32 anos. Já no campo da escrita voltado à educação, ela apresentou Bell Hooks, dando ênfase ao seu livro “Ensinando a Rransgredir”: “Para mim é um livro obrigatório para todo professor”.

Com um olhar distante, ela cita Elizabeth Azevedo, uma autora que é de duas nacionalidades, dominicana e norte-americana, e que tem como foco de escrita o fato de ser afro-latina nos Estados Unidos. O desejo de entender mais sobre outras culturas a fez voltar para uma literatura que não fosse a da América ou a Europeia. Se vendo, perante isso, frente a frente com a literatura nigeriana: “Eu gosto muito de escritores como Chimamanda Ngozi Adichie e Buchita Emecheta, que vão trazer referências da África, principalmente a Nigéria”.

A interação com as novas leituras, para Lavínia e as amigas, era ler algo que as engrandecesse. Com esse pensamento, iniciaram uma busca ativa por livros que contém representatividade negra, feito por autores negros. A partir dessa entrada em um forte movimento negro, na literatura, na faculdade e em outras ocasiões, a autora foi criando laços com outras pessoas que possuíam, assim como ela, uma ânsia desenfreada por conhecimento e representatividade. “A gente tem um grupo chamado quilombinho, temos um livro juntas também, eu, a Solange Chioro, a Lorrane Fortunato e a Olívia Pilar”. Grupo do qual ela fala com muito carinho, demonstrando ser uma comunhão não apenas para a escrita, como também nas questões diárias.

Lavínia Rocha é reconhecida por escrever livros infantis. Quando aceitou o convite para ser uma das escritoras de uma coletânea com temáticas adultas, a autora, refletiu sobre como isso poderia chegar ao público infantil. Desejando escrever mais coisas voltadas para o público adulto, com o qual também se identificava, ela decidiu criar um pseudônimo: “Quero separar o público”. Assim foi criada Lia Rocha.

Priorizando a saúde mental

Com uma risada nervosa e movimentos agitados, Lavínia demonstrou a vontade de colocar sua saúde mental como prioridade: as carreiras de professora, palestrante, escritora e influenciadora digital têm sido complexas demais para ela, sozinha, tomar a frente. “Eu não dou conta. Está, de fato, atrapalhando a minha saúde, então eu preciso diminuir o meu ritmo”. Para lhe auxiliar, ela possui uma agência que cuida de sua carreira como escritora e outra que cuida de seu lado influenciadora: “A ideia da agência é te deixar criando. Eles cuidam da parte burocrática para você criar”. Mesmo com o auxílio de profissionais, a jovem deseja participar de todo o processo: “Nossa gente, foi uma luta até eu conseguir abrir mão disso”.

Apesar dos 13 anos de carreira como escritora, atualmente, Lavínia é reconhecida como “a professora do vídeo”, já que viralizou nas redes uma filmagem de uma aula em que ela ensina sobre o continente africano. Muitas pessoas a conhecem por causa dessa postagem, mesmo que ela tenha apenas dois anos de sala de aula. “Hoje eu sou mais conhecida como professora do que como escritora”, afirmou.

Lavínia se mexeu na cadeira, se ajeitando de modo que ficasse mais confortável, para falar sobre seu processo de criação: “Eu tenho um processo criativo que é muito livre”. Descrevendo suas relações com alguns amigos presentes no ramo literário, ela brincou com alguns termos específicos desse meio, se considerando uma jardineira, enquanto coloca duas de suas amigas nas posições de arquiteta e paisagista.

Eu sou jardineira, aquela que planta a sementinha e deixa crescer; ela é arquiteta, aquela que planeja tudo antes de começar a escrever. Tenho uma amiga que é paisagista, que está no meio.

Lavínia Rocha

Sabendo da possibilidade de ser motivo de susto entre seus fãs, ela disse que suas histórias não são planejadas. Lavínia prefere pensar sobre aquele ponto da narrativa no momento em que for escrevê-lo. Essa é uma característica referente à criação de personagens, locais e até mesmo conflitos: “Gosto que eu vou escrevendo e descobrindo, então eu gosto muito daquele processo de ir descobrindo quem é esse personagem”. Por conta das descobertas, ela classifica o início das histórias como sua parte favorita na produção do livro, já o desenvolvimento e a conclusão são sempre como barreiras: “Eu acho sempre muito difícil”. Lavínia considera que ser geminiana a faz mudar rapidamente de ideia, assim colocando empecilhos no decorrer das narrativas.

A escritora possui o olhar de uma sonhadora. O característico brilho nos olhos indica todo o carinho que ela possui por suas obras e seus planejamentos futuros. Não apenas de escrita ela alimenta seus planos. Eles vão além e alcançam o audiovisual. Como em sua infância, ela se espelha e inspira em Thalita Rebouças, uma das escritoras pioneiras em levar suas obras para o cinema. Ela enfatiza o processo de dar voz e imagens para os livros nacionais: “Hoje o mercado desse setor, do audiovisual, tem se aberto mais para literatura nacional”. Essa visibilidade faz com que ela sinta esperançosa, ainda assim a autora vê a realidade de hoje, nesse âmbito, como algo complexo e nichado, “geralmente são livros que são muito famosos”. Além do preconceito enraizado na sociedade brasileira, fazendo com que essa oportunidade chegue primeiro a autores brancos, com pouca ou nenhuma diversidade racial em seus livros. Para depois alcançar autores brancos que escrevem sobre protagonismo negro, para apenas após todas essas etapas chegar a autores negros com protagonismo literário negro. “Assim que a cadeia vai chegando”.

Ao pensar sobre o futuro ela reflete sobre o que gosta de consumir e o que gostaria de produzir, “eu quero muito trabalhar com romance histórico, porque, poxa, eu sou escritora e sou historiadora, é o prato cheio para poder fazer”. A falta de representatividade se fez novamente presente em sua visão, um ponto importante na história do Brasil foi a escravidão e mesmo sendo um tema como palco de diversas discussões ainda é um ponto pouco abordado em ficções históricas, principalmente nos romances. Assim como também não se tem muitos autores brasileiros escrevendo romance histórico, como inspiração para tal vontade ela cita Paola Aleksandra, “ela é um amor, um amor de pessoa, então eu fiquei com mais vontade de ler o livro dela”, apesar de nunca ter lido os livros da autora, Lavínia, a cita e se mostra engrandecida com o trabalho e personalidade de Paola. Sua vontade se mostra cada vez mais crescente, “eu gosto muito e eu acho que a gente tem que pensar a história do Brasil, então eu quero falar sobre isso”.

Esse conteúdo foi produzido por Gabrielle Moreira Guimarães, Lais Milagres Peregrino, Nicollas Kevin Rodrigues Silva, Thiago Correa dos Santos Marinho com a supervisão do professor Vinícius Borges.

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