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Imagem em preto e branco de duas pessoas se abraçando, uma mulher de costas e um jovem com expressão feliz de frente.
Créditos: Ju Lima | ONG NaAção prestou apoio às famílias atingidas pelo desastre-crime de Brumadinho

Entenda como se dá a atuação do terceiro setor em crises humanitárias

Conheça os desafios enfrentados pelo terceiro setor no gerenciamento de políticas públicas em meio a desastres e crises humanitárias

Os rompimentos de barragens ocorridos tanto em Mariana, no ano de 2015, quanto em Brumadinho, em 2019, marcaram a trajetória de entidades não governamentais em Minas Gerais que, sem uma atuação efetiva por parte do governo durante os desastres-crimes, tiveram que se movimentar para ajudar os atingidos.

Pedro Henrique Monteiro e Bruna Campos, advogados da equipe de Filantropia, Investimento Social e Terceiro Setor, do escritório PLKC Advogados, destacam os resultados da participação do terceiro setor nesses momentos de crises humanitárias. “Além da atuação regular de tais instituições para o cumprimento de suas respectivas finalidades sociais, é particularmente interessante ver o efeito catalisador de impacto socioambiental positivo que pode ser gerado em conjunto ou por iniciativa das organizações da sociedade civil, inclusive quando o país sofre um impacto de grandes proporções”.

A empresa PLKC atua em áreas filantrópicas, colaborando na elaboração de normas a favor da melhoria legislativa no país. Ela tem o objetivo de garantir o funcionamento das organizações não governamentais, viabilizando uma atuação segura, econômica, transparente e potencializada, dentro das possibilidades legais.

Como exemplo de participação, a ONG NaAção, fundada em 2017, esteve presente desde o dia seguinte ao rompimento da barragem de Brumadinho para prestar apoio às famílias atingidas. Larissa Moura, coordenadora e voluntária, conta como foi a experiência de atuar naquele momento: “A barragem rompeu no dia 25 de janeiro e no dia 26 nós tínhamos conseguido um ônibus com 40 psicólogos voluntários e a gente foi para Brumadinho”.

Imagem de casa destruída pela barragem, com mulher voluntária em primeiro plano, que está de cabelo preso e blusa da ONG, braços apoiados na cintura e virada de lado.
Arquivo NaAção | Voluntários da ONG prestaram apoio às famílias atingidas desde o início

Ela acrescenta que não foi uma participação estruturada, principalmente levando em conta que o desastre foi uma surpresa para todos. “Não tinha um planejamento nesse tempo para desenvolver esse tipo de trabalho e nem era a nossa linha de trabalho de fato, mas sentimos a necessidade de ir, a gente tinha uma equipe capacitada e a gente foi”.

O NaAção é uma ONG voltada para a formação e aceleração de microempreendedores dentro de comunidades e, quando surgiu, atuando no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG), oferecia formações voltadas para o empreendedorismo, para que as pessoas pudessem resgatar sua dignidade e autonomia, em casa e das finanças. A instituição atua também com uma estrutura de psicólogos porque entende que o desenvolvimento de fato da pessoa não se passa só pelo conhecimento teórico, mas também pelo autoconhecimento e capacidade de controlar suas emoções.

Larissa afirma que a primeira grande demanda de Brumadinho era a de atendimento psicológico em meio ao conflituoso cenário instalado após o rompimento da barragem. A coordenadora relata como sentiu que ninguém naquele momento estava preparado para lidar com a situação e, além disso, nem todos os profissionais tinham cuidado para tratar das famílias e trazer a notícia de mortes em meio ao luto. “Ao final do dia, parecia um ‘anúncio de leilão’. Eu não sei se você já viu anuncio de leilão, mas a pessoa chegava assim: ‘fulano foi encontrado, morto, fulano foi encontrado, morto’ e aquilo era muito difícil para as famílias, elas sentiam muito e esmorecia aquele espaço”.

Como participou da equipe de integração familiar, Larissa atuou no atendimento das crianças, na tentativa de trabalhar o sentimento pelo território, que tornou-se um lugar de dor e tristeza, e na preservação da infância, porque eram crianças muito pequenas que tinham sido expostas a tamanha situação.

A atuação do terceiro setor

De acordo com o World Giving Index de 2022, um estudo realizado pela organização britânica Charities Aid Foundation (CAF), o Brasil subiu no ranking geral de doação pelo quarto ano consecutivo, da 54ª posição para a 18ª. O documento  aponta que o crescimento aconteceu em todas as categorias vigentes, com destaque para “ajuda a um desconhecido”, na qual o país passou do 36º para o 11º lugar em 12 meses.

Grande parte dessas doações são realizadas pelo terceiro setor, que faz a parte que o setor público e a sociedade privada não conseguem realizar, como a assistência às comunidades carentes e o combate à desigualdade. Classificado como um grupo de associações de interesse social sem fins lucrativos, o terceiro setor  consegue se manter por meio de doações e parcerias com outros setores.

Antonio Vico Mañas, doutor em Ciências Sociais e professor pela PUC SP, em seu artigo Terceiro setor: um estudo sobre sua importância no processo de desenvolvimento sócio-econômico, aborda a importância do terceiro setor na assistência às populações carentes. O cientista social afirma no artigo que sua atuação efetiva é baseada na execução de projetos e programas capazes de incentivar a geração de emprego e renda, bem como despertar as comunidades para a exploração de atividades que possam garantir sua sobrevivência.

Ele acrescenta que o modelo capitalista vigente no Brasil, que é focado na concentração de renda, faz com que a questão da desigualdade social e econômica venha a alcançar índices elevados de pobreza e desajuste de sobrevivência, o que torna latente a necessidade da atuação do terceiro setor. Com isso, sua contribuição principal está na capacidade de representar o que cada um acha, proporcionando um sentido novo de cidadania.

As dificuldades enfrentadas pelo terceiro setor

Durante entrevista com Larissa Moura, foram relatados impasses vividos pela ONG que dificultam seu funcionamento. A complexidade do sistema burocrático, a falta de estímulo ao voluntariado, a dificuldade de recrutamento de voluntários e de captação de doações são os fatores mais alarmantes compartilhados pela coordenadora do projeto.

Para além disso, ela relata como o ideal de solidariedade do brasileiro é muito momentâneo, o que dificulta trabalhos a longo prazo: “A gente tem um Brasil muito solidário, acho que as pessoas por serem muito receptivas e terem um coraçãozão enorme, são preocupadas, cuidam das pessoas, se revoltam quando veem alguma coisa, mas tudo isso é muito temporário, e a pessoa que precisa de ajuda, ela não precisa só naquele momento em que você foi despertado emocionalmente”.

A ONG percebeu que a falta de integração entre projetos também é um atraso na efetividade do combate às causas sociais pelas quais ele luta. Se as ONGs promovessem articulações entre si, cada um ficaria com uma devida responsabilidade, possibilitando maior impacto. “Vai que eu me conecto com outra instituição e eu perco meus voluntários e parceiros financeiros para ela?”, relata Larissa ao afirmar que esse cenário acontece pela falta de estabilidade de doadores e voluntários.

Os advogados da empresa PLKC também apontam para algumas dificuldades enfrentadas por organizações do terceiro setor. Bruna e Pedro Henrique dividem as vivências em “obstáculos do dia a dia” e “obstáculos diversos”. Dentro da primeira categoria se encontram a falta de clareza de informação precisa, passando pela dificuldade de criação e manutenção de suas estruturas de governança e gestão interna, até desafios com procedimentos diversos envolvendo o setor público e cartórios.

Como obstáculos diversos, os advogados apontam para “as questões que envolvem o complexo arcabouço jurídico, regulatório e normativo atualmente vigente no Brasil, assim como as constantes alterações por que passa, Políticas Públicas, orçamento público, legislação (ou a falta dela), entre outros”.

O papel do Estado

Mas qual  o papel do Estado no combate às desigualdades sociais? A PLKC acredita que o “dever de garantir à população o acesso e o exercício dos seus direitos sociais é do Estado e essa deveria ser uma pauta prioritária para todo governo”. Eles acrescentam que essa pauta deveria abranger tanto sua própria atuação, quanto a disponibilização de ferramentas que viabilizem e facilitem a atuação complementar da iniciativa privada.

No entanto, os advogados afirmam que “não há sobreposição de atuação para a busca de soluções para sérios problemas sociais e para o atendimento ao interesse público, mas sim uma lógica de complementaridade e parceria para implementação de políticas públicas”. Ou seja, o Estado deve atuar como um agente que desempenha seu papel em conjunto com outros atores da sociedade, incluindo-se tais organizações, por meio do voluntarismo, cooperação e ações de cidadania.

“No plano ideal, o Estado deve atuar de forma a cumprir, com excelência, transparência e economicidade, sua responsabilidade de prestação de serviços públicos e garantia de direitos à coletividade; no entanto, isso não quer dizer o que o Estado deva alijar as organizações da sociedade civil desse contexto ou colocar-se como provedor único e solidário de tais serviços”

Bruna Campos e Pedro Henrique Monteiro

Carolina Chaves

1 comentário

  • Vemos por todos os lados as situações difíceis vivenciadas pelos brasileiros que precisam de ajuda.

    Parabéns as ONGs citadas e todas as demais pela iniciativa e desempenho.

    Parabéns ao Co.Lab PUC Minas, especialmente na pessoa da Carolina, por trazer à superfície um assunto que merece verdadeiramente uma divulgação e, claro, envolvimento de toda a sociedade civil.