O ano de 2020 trouxe diversas mudanças para a vida das pessoas em todo o mundo, influenciando nas formas de morar, trabalhar e estudar. Ponderando sobre tais mudanças, o ensaio fotográfico “A rotina do (não) isolamento” traz imagens do cotidiano de seus realizadores buscando evidenciar práticas que sofreram uma ruptura na sua forma de realização e que precisam ser e seguem sendo reinventadas.
No Brasil, o isolamento social jamais foi realidade para muitas pessoas e hoje se tornou uma realidade possível para poucas.
Os autores deste ensaio (Bruna Linea, Juliana Reis e Reinan Lemos) tiveram um momento de isolamento social mais profundo, que foi rompido, principalmente, por necessidades relacionadas ao trabalho. Entretanto, ainda lidam com elementos que remetem a essa primeira fase de isolamento, principalmente no que se refere à adaptação da casa como único local de estudo, já que as aulas seguem em regime remoto.
Também há necessidade de tomar certos cuidados e manter um grau de isolamento devido ao fato de a pandemia ainda se colocar como um problema grave, principalmente no nosso país.
O ensaio fotográfico visa ilustrar as mudanças cotidianas causadas pela pandemia e demonstrar como a doença pode ser capaz de reforçar certos contrastes e contradições do nosso sistema.
Uma nova rotina
Enquanto não há uma vacina disponível, o isolamento social se apresenta como a melhor forma de conter o avanço do vírus.
Como já foi dito aqui, esse isolamento nunca foi uma realidade para grande parte dos brasileiros, e, hoje, não é uma realidade para a maioria. Isso se deve, em grande parte, a uma má gestão das políticas relacionadas à quarentena e uma ineficiência e problemas de aplicação das medidas compensatórias implementadas pelo governo.
Nesse contexto, as formas de mitigar o avanço do vírus passam por uma grande mudança nas nossas práticas diárias, como o uso de máscaras, o cuidado redobrado com a higienização das mãos e dos objetos e o máximo de distanciamento social possível.
Ainda assim, essas medidas se tornam bastante limitadas quando nós passamos por um momento em que há uma tendência cada vez maior de um relaxamento nas medidas de distanciamento social, falta de fiscalização e nenhuma perspectiva de políticas que promovam uma quarentena eficaz, com as devidas medidas econômicas compensatórias por parte do poder público.
Álcool em gel Túnel de higienização Placas interditando bancos
O turismo na pandemia
Depois de meses com os principais pontos turísticos das cidades fechados, os governos liberaram o funcionamento destes espaços, adotando protocolos de segurança. Com isso, funcionários e visitantes precisaram se adaptar à nova realidade. Equipamentos como máscara, viseiras e totens de álcool em gel passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas envolvidas no turismo.
Mesmo com a reabertura dos espaços de visitação, o fluxo de pessoas diminuiu significativamente, pois muitas ainda não se sentem seguras. Por outro lado, algumas pessoas que frequentam esses espaços parecem se importar pouco com as recomendações dos órgãos sanitários, ignorando as regras de distanciamento e o uso obrigatório de equipamentos de segurança.
Enquanto para muitos o acesso aos pontos turísticos é uma escolha, para os funcionários envolvidos nesse ramo a presença é obrigatória. Esse contraste presente nas atividades turísticas traz uma reflexão acerca das escolhas de cada um como indivíduo e o quanto elas podem interferir no bem-estar coletivo.
Um novo jeito de consumir
Os últimos meses têm sido de muitas mudanças, principalmente no que se refere à forma como consumimos. Ao mesmo tempo em que as lojas físicas sofrem fortes impactos, o mercado online é incentivado pelo “fique em casa”, como resultado de medidas de isolamento social tomadas pelos governantes de todo o mundo.
Os sistemas de entrega se mostram essenciais para que e-commerces e lojas físicas, incluindo os restaurantes, continuem funcionando e não precisem fechar as portas. O que levanta um questionamento sobre como tem sido a pandemia para esses profissionais que precisam estar nas ruas, colocando em risco a própria saúde. Que tipo de assistência esses profissionais têm recebido?
É público que esses trabalhadores enfrentam longas jornadas de trabalho sem vínculo empregatício e com baixa remuneração. Dessa forma, percebe-se a fragilidade dessa profissão tão significativa neste momento em que vivemos.
Tensionamentos sociais e a pandemia
Nós vivemos um momento de grandes tensionamentos políticos e sociais e vários elementos da desigualdade social só são reforçados durante a pandemia. Para além disso, há um processo de desmanche de políticas públicas e de serviços oferecidos pelo estado que são fundamentais para o bem-estar da população. Dessa forma, mesmo durante a pandemia houve momentos em que grupos se sentiram forçados a sair nas ruas para reivindicar os seus direitos e conter os avanços de medidas antipopulares.
O ano de 2020 também foi palco de um grande debate relacionado à questão racial, tanto no Brasil quanto no exterior. Essa movimentação se deveu principalmente a episódios de violência contra pessoas negras tanto por parte do estado a partir da atuação desproporcionalmente violenta da polícia quanto por parte do setor privado. Esses fatos lamentáveis levaram a movimentações populares em diversos estados do Brasil quando se mostrou necessário pautar a luta antirracista nas ruas mesmo em um cenário de pandemia.
Protesto político em Belo Horizonte
A casa e o espaço de trabalho
Durante o período de isolamento social, houve a necessidade de mover o espaço de trabalho, estudo dos escritórios e salas de aula para a casa. Essa mudança leva a problemas de adaptação bastante complexos em vários níveis. Primeiro, há a necessidade de se repensar o espaço da casa, a organização em si, o mobiliário, os equipamentos necessários para a realização das tarefas.
Ambiente de trabalho durante o isolamento social Mesa usada para trabalhar
Além disso, o trabalho remoto leva a algumas mudanças nas relações de trabalho e na nossa própria visão sobre o trabalho. A falta de distinção entre o espaço da casa e o espaço do trabalho pode levar a uma indistinção à respeito do tempo pessoal. Moldando assim, uma condição bastante danosa para o trabalhador.
Exercitando-se em casa
Diante do risco de contaminação da covid-19 as academias de todo país por alguns meses foram fechadas e as atividade ao ar livre banidas. Como forma de driblar a falta de exercício físico, “lives” e vídeos nas plataformas digitais promoveram treinos em que as pessoas poderiam realizar em casa.
Mesmo que as academias tenham voltado às atividades, elas se encontram com a taxa de ocupação bem menor quando comparadas com ano passado. Isso se deve a manutenção do isolamento por parte da população e o desenvolvimento da prática regular de exercício físico nas residências.
Da janela lateral do quarto de dormir…
Ao fotografar essa imagem a primeira coisa que veio à cabeça foi a letra de música de Fernando Brant e melodia de Lô Borges intitulada Paisagem da Janela.
Da janela lateral, do quarto de dormir…
Vejo uma igreja, um sinal de glória
Vejo um muro branco e um voo pássaro
Vejo uma grade e um velho sinal…
Brant compôs a letra em 1972 dentro de seu quarto no bairro Funcionários em BH, revelando -se como um observador que contempla a paisagem urbana. A partir de sua janela, ele realiza narrativas que revelam sua percepção sobre si mesmo e sobre o situação política e de incerteza em que vivia o Brasil na época, me fazendo aludir ao momento que vivemos atualmente tanto como na política e quanto a dubiedade ao que será que ainda estar por vir desse contexto de pandemia.
Mensageiro natural, de coisas naturais
Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou
Para ter acesso ao projeto original, acesse: issuu.com/reinanlemos/docs/imagens_do__nao__isolamento.
Trabalho desenvolvido por Bruna Linea, Juliana Reis e Reinan Lemosno, no semestre 2020/2, para a disciplina de Fotografia do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (FCA / PUC Minas).
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