Durante os últimos dois anos, a Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) tem experienciado muitas mudanças. Com a criação do Colab, em 2019, ampliaram-se as possibilidades de produção experimental por parte dos estudantes da Faculdade, e também destacou-se a busca por uma comunicação inclusiva.
Um primeiro movimento se deu a partir do uso de textos alternativos nas mídias sociais, seguido da instalação de softwares de acessibilidade no site. Agora, a implementação da ferramenta de leitura de textos Ad Auris permite que leitores e estudantes de Jornalismo da PUC Minas tenham contato direto e ativo com uma demanda de suma importância para a comunicação digital.
Fernanda Nalon e Verônica Soares da Costa, coordenadoras do Colab, explicam que o projeto trabalha com os princípios que norteiam a PUC Minas, universidade comprometida em oferecer uma formação humanizada e de respeito à diversidade. “As pautas relacionadas aos direitos humanos fazem parte de uma preocupação central do laboratório e não poderiam deixar de envolver propostas de uma comunicação mais inclusiva”, afirma Fernanda.
Busca por acessibilidade é uma constante no ambiente universitário
Dentre as ferramentas que auxiliam nesse propósito de comunicação inclusiva estão o VLibras, que faz a tradução do conteúdo para Libras, e o recurso instalado recentemente, Ad Auris, que lê os textos para os usuários. Além disso, há a descrição de imagem nas fotos, e a possibilidade de ajustar o tamanho da fonte para a leitura.
Tina Haertel, diretora operacional da empresa canadense Ad Auris, conta que muitas outras publicações universitárias também têm parcerias com a ferramenta, como o Stanford Daily e o Yale Daily News. “Eu diria que muitas das universidades procuram acessibilidade, especialmente os estudantes, que preocupam-se realmente em tornar o conteúdo mais inclusivo e disponível a todos”, explica.
As professoras Fernanda e Verônica ressaltam que, desde quando assumiram a coordenação do Colab, buscaram formas de promover acessibilidade nos conteúdos. Mas Verônica destaca que nem sempre é fácil implementar as mudanças. “Transformar um projeto da universidade em um projeto mais inclusivo demanda negociações, e a gestão foi muito receptiva às ideias. Não basta só nós, do Colab, acharmos isso importante, precisamos fazer essa mudança efetivamente”, enfatizou.
Para elas, a luta é gratificante pois demonstra a responsabilidade social da instituição para com as demandas dos alunos, além de contribuir para a inclusão de pessoas que muitas vezes são excluídas na sociedade. “É importante tanto para formação dos estudantes, quanto para representar para a sociedade uma oportunidade de acessar um conteúdo de qualidade, pensado desde a sua origem em alcançar as pessoas com deficiência (PCD), que por muito tempo foram excluídas do debate público”, ressalta Fernanda.
A importância da comunicação inclusiva
Fatine Oliveira, publicitária e integrante do Coletivo Feminista Helen Keller, voltado para mulheres com deficiência, destaca que a busca por comunicação inclusiva ajuda não somente pessoas com deficiência, mas também idosos e pessoas neurodiversidade.
“A população é diversa, e é fundamental ter o cuidado de construir produtos midiáticos que consiga atingir a maior parte da população”.
Fatine Oliveira, pesquisadora e ativista
Segundo Tina Haertel, de modo geral, a necessidade por ferramentas como a Ad Auris está primordialmente ligada à inclusão, mas também ao engajamento. “Mais pessoas esperam isso das publicações, isso vai se tornar uma espécie de expectativa normal, a de que tudo tem de ter a opção de ler e ouvir”, explica. “Por isso, penso que se as publicações quiserem ficar à frente da curva e oferecer coisas que os seus leitores basicamente vão esperar como normais, esta é uma ferramenta que pode realmente ajudar com isso”, completa.
Mas Fatine destaca que essa é apenas a parte técnica do processo e que é necessário mudar a cultura para que as pessoas possam, além de consumir o conteúdo, se verem representadas pelo o que é produzido pelo Colab. “Os primeiros passos foram dados. Agora é necessário estar em contato com pessoas com deficiência, saber o que elas falam, diversificar as vozes e definir isso como missão e visão do Colab”, afirma.
Mais opções também geram mais engajamento
Mesmo criada apenas em agosto de 2020, a Ad Auris já está presente em mais de 60 publicações na América do Norte e cada vez mais na América do Sul e Europa. A tecnologia está disponível em cerca de 30 idiomas. “Até agora, fizemos narrações em inglês, francês, português, espanhol, chinês, russo e árabe”, pontua Tina. Para além das publicações universitárias, um dos seus principais utilizadores é a IJNET (Rede de Jornalistas Internacionais). “Eles publicam em 8 línguas e nós oferecemos narrações para todos eles, exceto para farsi, essa está para vir”, comenta.
Tina relembra que a ferramenta surgiu a partir de um de seus co-fundadores, Logan Underwood. Ele era um estudante universitário que tinha uma longa viagem diária e sempre quis uma forma de ouvir os artigos que começava a ler antes de sair de casa. “Ele queria que essa opção para si próprio, que fosse mais fácil de alternar entre a leitura e a audição sempre que quisesse. Por isso, começou a falar com outras pessoas para saber se elas se sentiam da mesma maneira, perguntando: ‘o que vocês fazem no seu trajeto pendular?’. E o que ficou claro foi que ler no telefone nem sempre é a coisa mais fácil”.
Com a popularidade crescente de conteúdos no formato de áudio, como os podcasts, a diretora operacional da Ad Auris explica que, de modo geral, ter a opção de áudio é importante para que as publicações comecem também a aumentar o engajamento. “Na América do Norte, especialmente, as pessoas passam mais tempo ouvindo podcasts do que lendo artigos. É um comportamento de consumo realmente crescente, mais pessoas querem fazer isso regularmente”, relata.
Comunicação inclusiva no combate ao capacitismo
Em relação à importância da comunicação inclusiva, as coordenadoras do Colab acreditam no papel fundamental da universidade para formar profissionais engajados em buscar acessibilidade no mercado de comunicação atual. “Quando eu me formei em jornalismo, essa discussão sequer existia. Não aprendíamos isso na faculdade. Hoje, temos a possibilidade de formar profissionais que já têm essa preocupação e o engajamento necessário”, destaca Fernanda.
Já para Fatine, os projetos universitários são o lugar onde os profissionais podem iniciar uma reflexão sobre comunicação inclusiva. “É um espaço onde o jovem pode criar e se moldar como um jornalista atento às mudanças sociais. Para além do engajamento na causa, a questão faz parte da ética profissional, que hoje se faz urgente”, pontua.
Fatine lembra que o capacitismo é um problema estrutural que reverbera na imagem que a mídia cria de pessoas com deficiência, muitas vezes destacando aspectos com superação, por exemplo. “O combate a essas ideias parte de uma educação mais inclusiva, pelo respeito aos direitos PCD, e principalmente de um esforço social para modificar essa realidade”, acrescenta. Verônica ressalta que a mudança também perpassa pelos grandes conglomerados de mídia que devem buscar diversificar as redações. “É óbvio que não faltam nessas instituições, principalmente nos grandes conglomerados de mídia, dinheiro ou tecnologias para efetivar essas mudanças. O que falta é vontade para abrir as portas para a pluralidade de profissionais que estão no mercado”, afirma.
Reportagem produzida por Dara Russo e Tainara Diulle
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