As cortinas se fecharam e o botão do pause foi apertado na cena cultural mineira. Eventos, shows, festivais, museus, teatros, cinemas, casa de festas e editais de culturais foram atingidos por uma avalanche de cancelamentos, como consequência das medidas de isolamento social
decorrentes da pandemia da Covid-19. A crise provocou uma onda de transformações e afetou pequenos e grandes artistas e, principalmente, profissionais que trabalham nos bastidores.
De acordo com a Associação Mineira de Eventos e Entretenimento (AMEE), o setor cultural movimenta aproximadamente R$ 90,6 bilhões ao ano no Estado, e mobiliza cerca de 9,6% do PIB mineiro, além de gerar 2,3 milhões de empregos, direta ou indiretamente. A completa paralisação da indústria atinge diretamente a principal fonte de renda de artistas, produtores e toda a cadeia produtiva como ambulantes, fornecedores de mão de obra, instrumentos, equipamentos, tecnologia e comunicação. Montadores, carregadores de som, roadies – ajudantes – e técnicos de luz e som foram algumas das vítimas severamente impactadas pela paralisação de shows e eventos culturais.
Diretamente dependentes da cena cultural pulsante da capital mineira, os famosos ‘graxas’ não só perderam espaço diante da pandemia, mas também perderam o seu sustento. Entretanto, eles não estão sós. Para auxiliar esses trabalhadores, nasceu em Belo Horizonte, a campanha Salve a Graxa BH: Sem Graxa Não Tem Brilho, inspirada em movimento semelhante criado em São Paulo (SP). O objetivo da ação é arrecadar doações, cestas básicas e produtos de higiene pessoal àqueles que perderam seus postos de trabalho.
“Nesses tempos de pandemia, a graxa foi a primeira equipe a ser atingida com os
cancelamentos dos eventos, e eles também serão os últimos trabalhadores a terem sua
situação reintegrada à rotina da sociedade. Então, nossa ideia foi ajudar justamente essas
pessoas que dependem inteiramente do sustento da cultura a atravessar essa crise”, pontuou a
idealizadora Renata Almeida.
A união de doadores e parceiros em prol de ‘salvar’ os trabalhadores da cena cultural
belo-horizontina escancara um problema que vai muito além da crise causada pela Covid-19.
Apesar dos inúmeros esforços para a manutenção da boa ação, a campanha não consegue se
sustentar financeiramente sozinha, o que traz à tona a falta de políticas públicas voltadas para
a base da cena cultural mineira.
O papel do Estado na cena cultural
A pandemia do novo coronavírus também afetou diretamente os cofres estatais. Em
meio à crise, o governo de Minas Gerais estuda novas formas de auxiliar os trabalhadores do
setor cultural.
A primeira medida adotada pelo governo de Romeu Zema (NOVO) para amenizar os
impactos sociais e econômicos foi divulgada ainda em março pela Secretaria de Estado de
Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). A proposta prevê a prorrogação, em 60 dias, dos
prazos de execução e entrega de prestações de contas de todos os projetos de Lei de Incentivo
à Cultura de Minas Gerais e do Fundo Estadual de Cultura, e da autorização de captação do
plano de Lei de Incentivo à Cultura. A Secult informou também que o setor cultural possui
novas opções de financiamento.
“O setor cultural também passou a contar com algumas condições facilitadas de
financiamento, anunciadas pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) por
meio das operações com recursos do Fundo Geral do Turismo (Fungetur), destinadas ao
capital de giro de empreendimentos da cadeia de turismo, mas que também atendem negócios
da área cultural, como produções musicais.”, informou a Secretaria, em nota.
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) também entendeu a importância
de ajudar a categoria em um momento tão conturbado e incerto, e organizou o programa
“Minas Arte em Casa”, com o objetivo de promover apresentações de artistas mineiros em
todos os canais da instituição. Como medida mais efetiva, os deputados estaduais aprovaram
a concessão de renda mínima emergencial aos trabalhadores do setor cultural. A ideia é que
esses funcionários recebam um auxílio no valor de 50% do salário mínimo. Além disso, os
parlamentares autorizaram a PL de número 1.801/20 que aumenta os benefícios aos
profissionais do setor cultural do estado.
Essas decisões são positivas para as pessoas do ramo artístico e contribuíram para o
início da reestruturação do setor, que em abril sofreu corte de 15% dos recursos, em um
decreto assinado pelo prefeito Alexandre Kalil. As únicas áreas que não foram atingidas
foram a de Saúde e Assistência Social. O que se espera, no momento, é que as autoridades
sigam tomando atitudes mais ativas para ajudar um segmento tão importante e necessário
para os mineiros.
Até breve, palco!
Assim como os responsáveis ‘invisíveis’ pelo funcionamento dos eventos culturais, os
pequenos artistas também foram diretamente afetados pela a Covid-19. Os ‘músicos da noite’ – profissionais que atuam em bares, restaurantes e casas de show alternativas – também
tiveram sua rotina e sustento afetados.
Um exemplo disso foi o da banda mineira de pop rock Jack Boris. Presente há oito
anos na cena cultural belo-horizontina, o quarteto formado por Tom Tângari, Matheus
Carvalho, Matheus Orsetti e Rodrigo ‘Roraima’, sentiu na pele o impacto gerado pela crise
do novo coronavírus.
“Há quatro ou cinco anos a gente começou a encarar a banda de uma forma mais profissional e ela começou a ser nossa fonte de renda. Nós começamos a estudar mais a fundo o negócio da música e vimos que era possível viver de música e monetizar nossa arte. A gente tinha muitos shows fechados até a metade deste ano e pretendíamos lançar o novo álbum, mas fomos surpreendidos com o coronavírus e a quarentena”, disse o guitarrista Matheus Carvalho.
Com a agenda musical paralisada devido à pandemia, os shows da Jack Boris foram
adiados e não têm data para acontecer. Sendo assim, os integrantes da banda procuraram
alternativas para continuarem presentes na cena musical e, também, conseguirem manter a
renda durante a crise.
Nós vimos o quão importante é estar presente nesse meio como um todo, sobretudo nas plataformas de streaming, fazendo com que isso gere renda também.
Matheus Carvalho, guitarrista da Jack Borris
“O mercado artístico todo está sendo impactado, mas como tudo na vida, você tem
que ver o lado bom e saber tirar proveito disso. Então, a gente está usando a internet como a
única forma de estarmos presentes. Nós vimos o quão importante é estar presente nesse meio
como um todo, sobretudo nas plataformas de streaming, fazendo com que isso gere renda
também, não só engajamento. Porque com tudo parado, como vai entrar dinheiro? São as
bandas e os artistas que estão fortes nesse meio que vão conseguir monetizar e, a partir disso,
sobreviver nesses tempos”, completou.
Um levantamento realizado entre os dias 17 e 20 de março pelo DATA SIM sobre o
impacto da Covid-19 no mercado brasileiro de música traz um panorama dos danos causados
até agora. De acordo com os resultados, as áreas mais impactadas pelo vírus, no mercado
musical brasileiro, foram o artístico (71,8%), que são agentes, produtores e empresários; e a
organização (56,9%), que leva em conta promoção, realização, gestão e direção.
Dentre os principais impactos relatados na pesquisa estão, em primeiro lugar, os
adiamentos dos eventos, com 81,2%; os cancelamentos, com 77,4%; e a diminuição do ritmo
de trabalho com 66,8%. Os dados reafirmam o tem que sido dito pelos profissionais do ramo.
Essa crise tem tudo para ser a maior da indústria cultura.
Comunicação e suporte local
Em tempos tão difíceis, a angústia e a preocupação com o que fazer diante desse novo
cenário preocupa todo o mercado. Para enfrentar essa fase, novas formas de comunicação e
interação foram adotadas. Grupos de Whatsapp e Telegram , chamadas de vídeo, conteúdos
digitais e lives , muitas lives .
O universo musical e de marketing tem mostrado que um novo nicho está se
formando: estão aproveitando a oportunidade para se promover, gerar diversão para o público
e arrecadar doações de alimentos, recursos financeiros para instituições sociais e itens
essenciais no combate ao vírus, como álcool em gel e máscaras.
O Festival Sarará, da produtora de entretenimento A Macaco, criou um palco virtual
em suas redes sociais com o intuito de gerar oportunidade e promover artistas locais nesse
cenário caótico. O projeto ‘Sarará na Escuta: Música em Casa’ reuniu, durante o mês de abril,
vários artistas a fim de arrecadar fundos através de um financiamento coletivo.
Entretanto, a meta estipulada no valor de R$ 3 mil de arrecadação não foi batida. A
campanha arrecadou R$ 901 e teve a renda revertida para todos os artistas que participaram
do quadro no mês, incluindo a porcentagem de 12% da taxa administrativa da plataforma. A
diferença entre os montantes é indicativos dos desafios enfrentados por quem se mobiliza em
socorro ao setor.
O tamanho do prejuízo na indústria musical na capital e em todo o país ainda não foi
calculado, mas alguns números já indicam o que vem pela frente. Um estudo divulgado pelo
especialista João Luiz de Figueiredo, coordenador do mestrado profissional em gestão de
economia criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, estima que o
valor pode ultrapassar 100 bilhões em âmbito nacional.
Diante das incertezas causadas pelo momento, o setor cultural segue sem muitos
panoramas para a retomada. Os profissionais de toda a cadeia produtiva caminham sem saber
se conseguirão sobreviver financeiramente à crise mesmo diante das novas formas de
comunicação e auxílio.
Reportagem escrita por Amanda Santos, Clara Passos e Lara Pereira para a disciplina de Edição Jornalística (2020/1), do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas.
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