Mais de 54% dos jornalistas trabalham como Pessoa Jurídica (PJ) em redações por todo o Brasil. O número de funcionários neste modelo de trabalho em agências de comunicação é ainda maior, de 61,5%. É o que indica pesquisa feita pelo Portal Comunique-se, entre outubro e novembro de 2021, com mais de 300 jornalistas brasileiros.
O levantamento revela a tendência do mercado de comunicação em apostar na contratação sem vínculo empregatício, a chamada “pejotização”. Este modelo de trabalho significa que o trabalhador é considerado uma pessoa jurídica na hora de prestar seus serviços, não uma pessoa física. Para isso, é necessário que o funcionário tenha um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou seja cadastrado como Microempreendedor Individual (MEI).
A contratação como PJ é diferente do modelo CLT: o funcionário, em teoria, não precisa seguir normas de trabalho da empresa e pode cumprir o horário da maneira que preferir, mas não tem direitos como 13° salário, férias, licença saúde, seguro desemprego e recolhimento do INSS, a não ser que negocie tais benefícios com o empregador. O salário, neste modelo de negócio, pode parecer mais “alto” em até 40%, já que a empresa não desconta tributos do montante, mas o funcionário precisa desembolsar cerca de 20% do valor líquido para pagamento de impostos.
A empresa se beneficia muito deste modelo, já que economiza por não ser obrigada a arcar com os custos de benefícios e impostos. Em uma contratação CLT, um funcionário pode chegar a custar 183% a mais de seu salário bruto para a empresa, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em conjunto com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), realizada em 2012.
No entanto, essa prática não é exatamente legal. Segundo Michel Santos, advogado e professor de direito do trabalho da PUC Minas, a “pejotização” é uma prática incompatível com o direito do trabalho: “Me parece que é uma prática fraudulenta, inadequada, em que o trabalhador fica excluído de um conjunto de proteção trabalhista que é muito importante para os empregados da iniciativa privada”, argumenta.
Na opinião do professor, não existe nenhum tipo de vantagem da “pejotização” para o funcionário: “Geralmente, o trabalhador vai prestar serviços diretamente, vai até a empresa que o contratou prestar contas, dar retorno das suas atividades, cumprir horários, cumprir as metas, mas vai ficar excluído dos benefícios que um celetista [pessoa que trabalha como CLT] recebe”.
Alessandra Mello, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, concorda com o ponto de vista do advogado: “A ‘pejotização’ é uma relação de trabalho fraudulenta e precária, ela é usada para mascarar a relação de trabalho, o patrão não quer te contratar como celetista porque não quer pagar seu 13°, suas férias, sua hora extra e te contrata como PJ”.
Ela ainda explica que esse modelo, muito comum no mercado de comunicação, em redações e agências, não é permitido. “Não pode ter PJ em uma redação. Se tiver, é uma fraude para o contrato de trabalho. Quem trabalha em uma redação e está fazendo plantão, escala de fim de semana, cumprindo sua jornada, se apresentando para trabalhar todo dia, não pode ser PJ, tem que ser contratado como celetista”.
A presidente do sindicato conta que a pejotização ganhou força depois da reforma trabalhista de 2017. Segundo Alessandra, a aprovação da lei fragilizou as relações de trabalho, extinguiu direitos, enfraqueceu sindicatos e dificultou o acesso do trabalhador à justiça.
Jornalistas que atuam como PJ ponderam sobre a realidade no mercado
Na prática, a pejotização ainda divide opiniões entre profissionais do jornalismo que atuam no formato. Para Joana Suarez, gerente de jornalismo da revista digital AZMina, o formato PJ não chega a ser vantajoso, mas é um movimento muito atual e capitalista. A jornalista afirma que sempre vai defender os direitos trabalhistas, a carteira assinada e a aposentadoria e que, “é um privilégio quem gosta de ser PJ, porque vive uma situação boa na vida”.
Joana Suarez destaca que, se não é possível lutar contra esse crescente movimento de pejotização, é necessário buscar meios para que o jornalista possa estar protegido dentro desse modelo.
Acho que a gente precisa se fortalecer como jornalistas, se entender enquanto classe, para buscar outras formas de garantir nossos direitos, como contratos de trabalho justos que nos protejam, aposentadoria, previdência e conseguir formas de garantir saúde e assistência jurídica, de uma forma coletiva, enquanto classe jornalista.
Joana Suarez
Já para F., jornalista que preferiu não ser identificado, que já trabalhou no formato CLT e, hoje, trabalha como PJ, o modelo da pejotização traz desafios. Formado há oito anos, ele conta: “Eu me formei e encontrei um mercado de trabalho muito instável, ainda tentando entender por qual caminho seguir, qual modelo-negócio implementar. De lá pra cá, pouca coisa mudou. O jornalista vem atuando em várias frentes, é contratado para uma determinada função, mas acaba exercendo várias”, afirma.
O jornalista relata que sua primeira experiência como PJ se deu em junho de 2020, no contexto da pandemia, e afirma que, onde trabalha, tem direito a descanso remunerado após um ano de trabalho e ticket alimentação. No entanto, F. não goza de direitos garantidos pela contratação CLT, como o recebimento do 13°, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a contribuição ao INSS. O profissional afirma que é preciso ter uma boa organização da vida financeira, buscando manter uma poupança e dinheiro guardado, o que pode ser um grande desafio. “O futuro é uma baita incerteza na minha vida e de uma porção de pessoas que trabalham como PJ também”, conclui.
Reportagem de Alice Arruda, Pedro Paulo Rocha e Thalita Valentin. Colaborou: Caio Brandão Seraphim.
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