Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, é reconhecida como um importante polo literário no cenário nacional. A cidade abriga um cenário vibrante, composto por livrarias independentes, sebos históricos, autores locais e eventos de grande porte. Essa tradição tem sido revitalizada nos últimos anos por meio das redes sociais e da atuação de criadores de conteúdo digital, que moldam os hábitos de leitura contemporâneos, especialmente entre os mais jovens.
Em meio a transformações tecnológicas e mudanças comportamentais, Belo Horizonte busca equilibrar o clássico e o contemporâneo, unindo o valor simbólico da leitura com as exigências e possibilidades do mundo digital. Livrarias de rua, autores independentes e influenciadores nas redes sociais hoje coexistem com grandes eventos, como a Bienal Mineira do Livro, compondo um ecossistema literário diverso e em constante reinvenção.
Livrarias independentes e sebos: resistência cultural e encontros literários
As livrarias e sebos da capital mineira continuam sendo espaços fundamentais na manutenção da cultura do livro. Um exemplo emblemático é a Livraria Amadeu, o sebo mais antigo de Belo Horizonte. A livraria, fundada em 1948, está localizada na Rua dos Tamoios, no centro de Belo Horizonte. Com 77 anos de história, o local conta com um acervo de mais de 40 mil livros.
Lourenço Cocco, de 67 anos, atual dono da Livraria Amadeu, fala sobre a concorrência com os e-Books (livros digitais), mas ressalta a vantagem dos exemplares antigos. “Tem essa concorrência, mas o detalhe é que o sebo não tem edição nova, não tem PDF. Então a gente é salvo por isso”. O comerciante de livros afirma a possibilidade de descobrir uma raridade, que segundo ele, às vezes não é encontrada na internet.

Outro destaque é a Quixote Livraria, dirigida por Alencar Fráguas Perdigão. Conhecida por sua curadoria cuidadosa e por promover eventos culturais, a livraria contribui para o fortalecimento da cena literária local e o estímulo à leitura entre diferentes públicos.
No Edifício Maletta, tradicional ponto cultural da cidade, concentra-se a maior rede de livrarias e sebos de BH. Com 22 estabelecimentos dedicados à literatura, música e cultura em geral, o espaço tornou-se símbolo de resistência e refúgio para leitores de todos os perfis. (video)
Com uma variedade nos gostos de quem lê, surgiu uma nova oportunidade para quem escreve, são os chamados: Autores Independentes. Nesse sentido, um movimento que tem crescido com o apoio desses autores, é a chamada Fanfic.
A abreviação de Fan Fiction que, em tradução livre, significa ficção de fã, é uma forma de reescrever uma obra já existente. Filmes, séries e livros ganham novas versões desenvolvidas pelo público.
Os autores de Fanfics não publicam oficialmente as histórias na maioria dos casos, isso porque há questões de direitos autorais. Mas é inegável o espaço que esses autores independentes têm conquistado com muitos tipos de perfis de leitores.
Autores independentes: diversidade e produção local
A literatura mineira contemporânea também é marcada pela atuação de escritores independentes, que têm conquistado espaço por meio de publicações alternativas e eventos culturais. A valorização desses autores tem se mostrado essencial para garantir uma produção literária plural e representativa.
Entre os nomes de destaque está Leida Reis, escritora, jornalista e fundadora da editora Literíssima. Em dezembro de 2024, ela lançou o livro de contos Coisas, e a morte que existe nelas, inspirado em versos de Murilo Mendes. A obra propõe uma reflexão original a partir da ótica de objetos que narram o cotidiano e suas fissuras.

Além disso, a cidade tem sido palco de eventos que promovem autores locais, como a Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI-BH), que nos últimos anos tem incluído nomes como Ilma Pereira, Guiomar de Grammont, Mário Alex Rosa, Lavínia Rocha, Marismar Borém, entre outros.
Todos os autores independentes citados anteriormente promovem a leitura a partir do perfil pessoal do Instagram. Apesar de não serem conhecidos, acham importante usar as redes sociais para divulgar encontros, livros e etc.
Uma dessas autoras independentes que aproveita das redes sociais para divulgação é Ilma Pereira, de 56 anos. Agora escritora, Ilma conta que era professora de Língua Portuguesa e se aposentou para se dedicar à escrita.
“Eu me aposentei para escrever, então eu peguei essas crônicas e aí eu publiquei. A paixão pelo livro vem da infância, mas a escrita mesmo foi só na vida adulta”, Ilma Pereira.
Para tentar ganhar espaço no cenário literário local, Ilma tem buscado marcar presença constante em eventos que promovem a leitura, como feiras de livros. Nesses ambientes, ela tem a oportunidade de divulgar seu trabalho, interagir com leitores, alcançar novos públicos e trocar experiências com outros autores independentes.
Entretanto, Ilma destaca que, para participar desses eventos, é importante não focar exclusivamente no retorno financeiro. A autora citou o valor alto investido para estar presente na Bienal Mineira do Livro de 2025.
“O valor desse estande saiu por volta de 24 mil reais, então é caro. Depende de você estar junto com outros autores para você conseguir participar, sozinho você não dá conta. Então, sobre lucro, assim, a gente investe muito, então, lucro mesmo, eu ainda não vi. Mas eu estou sempre participando de tudo que eu posso, das feiras, das bienais”, afirmou a escritora.

Ilma relembrou a história de quando teve seu primeiro livro publicado. Na ocasião, durante a pandemia do COVID-19, ela participou de um tipo de Big Brother Literário com outros autores independentes. O vencedor da competição teria a oportunidade de publicar um livro pela editora que promoveu o evento.
A escritora mineira relatou como era a dinâmica. As provas envolviam atividades como escrever um texto em 48h e publicá-lo em um site na internet. Situações tradicionais do reality da Rede Globo, como big fone, paredão e jogo da discórdia, também faziam parte do jogo.
Apesar de não gostar do programa original, Ilda seguiu na disputa, motivada por seu amor à escrita.
“Eu só continuei, porque assim, eu gosto de escrever e eu tenho facilidade pra escrever. Em 48 horas, eu metia o pau e ficava sempre como uma das primeiras. Eu não ganhei um milhão e meio, mas eu tive um livro publicado, então foi bacana”, declarou.
Além do livro publicado por ser a ganhadora do Big Brother Literário, Ilma tem outros cinco livros, sendo quatro independentes. Ela relata explorar as redes sociais para a divulgação dos mesmos.
“Nas redes sociais, tento falar de literatura, falar dos meus livros, de modo geral. Eu tenho um canal que se chama Totalmentes Literária, que é de fofocas literárias e é com parceria com uma outra escritora. Então, a gente está sempre tentando divulgar literatura. E aí, nisso, as pessoas compram. Aí eu mando pelos correios, eu mesma que mando. Eu não tenho parceria com Shopee, essas coisas, não. É mais diretamente comigo mesmo. Aí eu mando autografado e tal, uma coisa bem pessoal”, explicou.
BookTok x Livrarias: a Promoção da Leitura em BH
O BookTok é uma comunidade de leitores dentro do TikTok que começou a ter sucesso por volta de 2020, especialmente na pandemia de COVID-19. Lá, as pessoas compartilham indicações de livros, resenhas rápidas, reações emocionadas, listas e desafios literários, sempre de forma bem espontânea e envolvente. Esse espaço ajudou a popularizar livros antigos e novos, influenciando até as listas de mais vendidos.
A hashtag BookTok já ultrapassa 200 bilhões de visualizações na plataforma, evidenciando seu impacto na popularização de obras, inclusive de autores independentes. Os criadores de conteúdo desempenham uma função como mediadores entre as obras e novos públicos, promovendo a literatura em um cenário digital.
Em Belo Horizonte, nomes como Leh Pimenta (@clubedolivrobh), Toti (@booktoti) e Ana Clara Parreiras (@cacaleitura) têm ganhado destaque na comunidade literária digital.
Ana Clara Parreiras é uma jornalista natural de Belo Horizonte. Conhecida como Cacá Leitura, Ana produz conteúdos sobre livros para as mídias sociais. No Instagram, a influencer tem mais de 19 mil seguidores e acredita que a leitura pode se popularizar através das mídias sociais.
“Eu acho que o TikTok e o Instagram vem justamente para potencializar coisas da vida. A gente está vivendo um momento muito de transição, que o pessoal agora está criando hobbies no offline, né, hobbies manuais, tanto que essa coisa de colorir livrinho está super em alta, que viralizou no TikTok um hobby que na verdade é manual, é na vida analógica”, declarou a jornalista.
Apesar de utilizar as plataformas digitais como ferramenta para incentivar a leitura, Ana Clara apontou os desafios da tarefa e como é difícil produzir conteúdo para o nicho literário.
“Eu acho que o maior desafio de produzir esse tipo de conteúdo são as etapas. Ainda é um nicho muito restrito, são poucas pessoas que leem”, afirmou a influenciadora.
“É diferente de postar uma resenha de roupa que você vai lá, tira foto da roupa e pronto. Você tem que ler o livro, tem que fazer uma análise daquele livro, tem que pensar se é realmente relevante compartilhar ele com alguém. Então acho que o maior desafio é realmente as etapas e também que a leitura ainda é algo muito restrito, é algo caro também, se você for parar para pensar um livro 70 reais, é muito dinheiro, então tem todos esses contras aí, mas no final vale muito a pena porque lê a melhor coisa do mundo”, completou.
A influenciadora também organiza um clube do livro que reúne leitores mensalmente.

Esperançosa, Ana Clara revelou seu desejo de ver a leitura cada vez mais presente na vida cotidiana das pessoas.
“Eu torço para que as pessoas leiam mais. É meu sonho de princesa e eu espero que a gente vá alcançar isso. Porque a Bienal de São Paulo, que é a maior do Brasil, atingiu seu recorde de público no ano passado. A hashtag BookTok é uma das mais acessadas do TikTok. Então, o meu sonho de princesa é que a leitura fique mais acessível, que a gente cada vez mais fale dos benefícios da leitura, enquanto é ler. E eu vejo uma mudança também no comportamento das pessoas que estão ao meu redor a buscar hábitos melhores”, declarou.
Desafios e Tendências: O Perfil do Leitor em BH
Apesar dos avanços, o setor editorial enfrenta desafios significativos. Segundo a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (2024), houve uma redução de quase sete milhões de leitores no país. O dado é ainda mais alarmante entre alunos do ensino fundamental I, cujo índice de leitura caiu de 49% em 2019 para 40% em 2024.
Diante desse cenário, a atuação conjunta entre poder público, livreiros, escritores e criadores de conteúdo torna-se essencial. É necessário investir em políticas públicas que incentivem a leitura e promovam a literatura como ferramenta de transformação individual e coletiva.
Em Belo Horizonte, ler é a atividade cultural mais praticada pelos mineiros, de acordo com uma pesquisa realizada pela JLeiva Cultura & Esporte e divulgada pela revista Encontro. Segundo os dados, cerca de 60% dos belo-horizontinos leram pelo menos um livro nos últimos 12 meses. Aproximadamente 600 pessoas foram entrevistadas na capital mineira.

Um dos grandes desafios para quem lê, é justamente a crescente no número de pessoas que jogam jogos eletrônicos. Segundo a mesma pesquisa da JLeiva, esse tipo de jogo foi a atividade cultural que mais cresceu no Brasil entre 2017 e 2024. Isso porque, com a pandemia, muitas pessoas adotaram hábitos domésticos e que não precisam de deslocamentos.
E a tendência é de queda no número de quem lê. Segundo o Portal BHAZ, o número de não leitores superou o número de leitores em 2024. A cerimônia de lançamento da Bienal Mineira do Livro de 2025 foi marcada por esse tema. Ainda de acordo com o portal, entre 2020 e 2023, o Brasil perdeu quase 7 milhões de leitores. Houve uma grande baixa no número, principalmente, entre crianças de cinco a 10 anos.
A Bienal Mineira do Livro: Cultura, Formação e Inclusão
A Bienal Mineira do Livro de 2025 foi realizada entre os dias 3 e 10 de maio, no Center Minas Expo, em Belo Horizonte. A 13ª edição da Bienal Mineira do Livro homenageou João Guimarães Rosa, escritor brasileiro considerado por muitos o maior do século XX.

O evento deste ano contou com mais de 60 estandes, sendo 18 deles exclusivamente mineiros, além de mais de 2 mil marcas presentes.
A jovem autora Natália Soares, de 14 anos, também é autora independente e esteve presente na Bienal para o lançamento do livro Para Minha Amada Julieta, um romance policial escrito por ela. A escritora conta que decidiu produzir a obra repentinamente, por conta da paixão pela leitura.
Um dos pontos altos da programação foi a participação de cerca de 100 mil estudantes da rede pública. As crianças e adolescentes receberam vales livro para aquisição de obras.
Estella Moura, de 18 anos, visitou pela primeira vez a Bienal Mineira em 2025. Segundo a jovem, o evento superou suas expectativas. “Muito legal e eu não imaginava que seria desse tamanho. Eu imaginava algo bem mais intimista”.
O sentimento de Estella refletiu o de Rafaela Melo, estudante de 16 anos, que também visitou o evento literário pela primeira vez. “Está sendo muito bom. É sempre bom ver artistas como os que estão aqui ter seu trabalho valorizado. Superou muito minhas expectativas e eu espero estar aqui no próximo”.
Para Kauan Breno, de 15 anos, a Bienal é um evento interessante tanto para leitores, quanto para aqueles que ainda não possuem o hábito de leitura. “É muito divertido, independente se você gosta ou não”, afirmou o adolescente.
Confira a fala dos leitores que estiveram presentes na Bienal Mineira do Livro em 2025.
A Bienal é realizada a cada dois anos e a data da próxima edição em Minas ainda será divulgada. A capital de São Paulo recebe a 36ª edição do evento entre 6 de setembro de 2025 a 11 de janeiro de 2026. No Rio de Janeiro, a Bienal será realizada entre 13 e 22 de junho deste ano.
Confira os outros capítulos dessa reportagem especial:
- Biblioteca viva: autores que (re)escrevem BH
- Encontro Marcado com a Literatura Mineira
- Fortalecendo a Cultura: Políticas Públicas e o Papel da Literatura em BH
Reportagem produzida por Bruno Paz, Clara Fonseca, Karen Cristina, Lavinia Aguiar, Lívia Marques e Sara Freitas para o Laboratório de Jornalismo Digital, no semestre 2025/1 do curso de Jornalismo da PUC Minas - campus Coração Eucarístico, sob a supervisão da professora Luana Viana.




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