O ano de 2024 marca os 60 anos do início da ditadura militar no Brasil, período sombrio das páginas da história que se estendeu por 21 anos – de 1964 a 1985, ano de início da chamada redemocratização.
Seis décadas depois do golpe que possibilitou a instalação do regime autoritário, as cicatrizes deixadas são ainda visíveis nas estruturas institucionais e na memória daqueles que viveram sob seu jugo. Pela defesa e fortalecimento da democracia brasileira, movimentos populares organizados se unem para refletir sobre o passado, lutar contra as ameaças do presente e por um futuro livre e mais justo. Entre as ações, estão uma marcha reversa que saiu do Rio de Janeiro rumo a Juiz de Fora, local de onde em 1964 as tropas partiram.
Durante o regime, os militares utilizavam de prisões arbitrárias e da tortura como política de Estado. Os opositores políticos à ditadura, como membros das esquerdas, artistas, intelectuais, estudantes, operários, trabalhadores rurais, guerrilheiros e até religiosos e indígenas foram perseguidos durante o período, sendo considerados terroristas e subversivos. Além da forte repressão às oposições, as parcelas marginalizadas também sofriam com a opressão na ditadura, considerando que havia um ampla veia conservadora instaurada no país.
A historiadora Marina Mesquita Camisasca ressalta que, apesar de a história ser narrada majoritariamente pela militância da classe média branca, “isso não quer dizer que outras populações também não tenham sido visadas. Os camponeses também foram vítimas de violência, assim como os indígenas e os negros”. Camisasca complementa que existem, atualmente, muitos estudos que expõem a violência e perseguição contra a população LGBT.
Gildasio Westin Consenza, 76 anos, relembra com detalhes os horrores vividos durante a juventude, ao se opor ao regime. Como membro da Ação Popular (AP), uma organização de jovens militantes comprometidos com as causas camponesas e operárias, ele enfrentou a perseguição do Estado. “Minhas prisões aconteceram em 1969, 1975 e 1979. Nessas ocasiões, fui duramente torturado fisicamente e psicologicamente, sendo submetido a espancamentos e práticas de torturas brutais, incluindo choques elétricos e o temido pau de arara”, relata.
A marcha “reversa”
Em um movimento simbólico de “desfazer” o caminho percorrido pelo general Olympio Mourão Filho, em memória e justiça das vítimas torturadas, mortas e cerceadas durante a ditadura militar, no dia 31 de março de 2024, a “Marcha da Democracia”, também chamada de “Marcha Reversa”, saiu do Rio de janeiro, passando por Petrópolis e Levy Gasparian, para finalmente chegar a Juiz de Fora, cidade que guarda a alcunha de ter sido o lugar de onde as tropas golpistas saíram. Segundo o secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora, Biel Rocha, um dos organizadores do movimento, “60 anos depois, as dinamites que foram colocadas na ponte do Rio Paraibuna, como um plano B se o golpe falhasse”, foram substituídas por flores, pipas e bordados levados pelos integrantes da marcha.
Antes do ato, o secretário explicou ao Colab: “A nossa preocupação não é fazer um evento de massa, não é ter milhões de pessoas na praça, mas tem um simbolismo para a presença principal dos familiares e ali nós vamos comemorar. É comemorar a luta dos seus pais, dos avós, dos filhos, dos primos e muitos deles deram a vida para garantir a democracia neste país, queremos lembrar a história, a história tem que ser lembrada a todo momento”.
Ao relembrar o golpe de 1964 por meio desse ato, a sociedade brasileira destaca a importância da memória coletiva e renova seu compromisso com os valores democráticos. “É uma oportunidade de deixar um legado para as gerações mais novas compreenderem os eventos que marcaram o país e as lutas travadas por aqueles que resistiram à opressão. Além disso, a marcha reversa serve como um lembrete de que é responsabilidade de todos defender e fortalecer as instituições democráticas, garantindo que os horrores do passado nunca se repitam”, completa Biel.
A cidade de Juiz de Fora carrega fatos históricos importantes associados ao período ditatorial no Brasil. No dia 31 de março de 1964, o general Olympio Mourão Filho, acompanhado do então governador de Minas, Magalhães Pinto, e suas tropas, foi em direção ao Rio de Janeiro e impôs o golpe civil-militar, depondo João Goulart, o último presidente eleito democraticamente antes da ditadura. Biel Rocha, secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora, explica que o planejamento do ato antecede o último dia de março. No dia 30, Mourão ordenou o fechamento de postos de gasolina e a prisão do diretor dos Correios e de sindicalistas. Já no dia primeiro do mês seguinte, deputados do PTB (partido de Jango) foram presos, mesmo antes de terem os seus mandatos cassados, além de universitários e professores.
Conteúdo produzido por Ana Clara Torres, Edilson Nicolau e Mariana Brandão, sob a supervisão da professora Fernanda Sanglard.
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