Com mais de 20 anos no jornalismo, Daniel Camargos relata que ser repórter é o que faz sentido
Daniel Camargos é um jornalista belorizontino que atualmente trabalha na área investigativa para a Repórter Brasil, uma agência de notícias independente focada em causas humanitárias e ambientais. Ao longo de seus 20 anos de redação, Daniel escreveu para diversos jornais e editorias.
Geralmente, profissionais com essa experiência deixam o trabalho de campo e assumem cargos executivos. Para Daniel, no entanto, a função de repórter, que exerce há tanto tempo, é o que faz sentido. É por meio dela que consegue fazer a diferença. Essa obstinação em ser repórter é a razão de sua “teimosia”.
Sem jornalistas na família, escolheu essa área em razão de sua habilidade na escrita e seu gosto pela leitura. Além disso, aos 15 anos, foi convidado pela professora de português a fazer parte do jornal da escola São Miguel Arcanjo. Com essa vivência, pensou: “pô, pode ser uma profissão!”
Na faculdade, ele também se destacava. Durante a graduação em jornalismo pela PUC Minas, escreveu para todas as edições publicadas do jornal laboratório Marco, do qual também foi monitor.
Eu acho que a minha história de jornalismo foi o Marco. Eu fiz reportagem para todas as edições que tiveram na faculdade.”
Daniel Camrgos
No último período, Daniel foi estagiário do Estado de Minas na escuta policial. Sua função era repassar as informações sobre o que acontecia na cidade aos editores do caderno. Era um trabalho frenético, mas que trazia vantagens, pois ele adquiria um conhecimento muito amplo sobre a cidade.
Durante os estágios e após a formatura, Daniel escreveu para seções bem diversas, como de automóveis, política e economia. O que motivou tantas mudanças? A resposta foi honesta: “Eu ia onde tinha vaga”. O interesse pessoal no tema da editoria não era a prioridade de Daniel ao fazer suas escolhas. A experiência e o salário, por questões de conforto financeiro, eram o que contava. Em 2014, ele se encontrou no setor de política e começou a fazer coberturas voltadas aos direitos humanos, produzindo vários conteúdos sobre os 50 anos da ditadura militar. “Foram 15 anos de estrada, mais ou menos, para chegar na área que eu queria trabalhar.”
Por indicação de um professor da PUC Minas, ele trabalhou por quase um ano na área de economia do jornal O Tempo. Em seguida, retornou ao Estado de Minas para escrever sobre o mercado de automóveis, mesmo odiando o assunto. Passou um período como freelancer para a Folha de S. Paulo até se estabelecer no jornalismo humanitário.
Hoje eu faço o tipo de reportagem que eu gostaria de fazer lá atrás. Mas acho também que quando eu comecei, eu não conseguiria fazer o que eu faço hoje.”
Daniel Camrgos
Atualmente, por trabalhar para uma agência não governamental e independente, cuja missão é expor situações que ferem os direitos humanos e ambientais, Daniel tem mais liberdade para dar voz aos grupos marginalizados, investigar e acusar irregularidades socioambientais. Ao contrário da política das imprensas tradicionais hegemônicas, que por vezes limitam o repórter em defesa dos interesses do próprio veículo.
Camargos se orgulha ao ver que seu trabalho provoca mudanças na sociedade. Ele exemplifica com o caso de uma reportagem que produziu e levou a Apple a interromper negociação com uma mineradora que comprava ouro de terra indígena. “Acho que o trabalho gera impacto, gera resultado, é capaz de dar um grãozinho para melhorar as coisas da sociedade.”
Riscos da profissão
Daniel revela poucos detalhes sobre a infância e a vida pessoal: “uma criança normal da década de oitenta, no Brasil, né?”. A vida profissional, no entanto, é um livro aberto. Daniel não esconde a paixão pelo ofício e nem as dificuldades. Ele conta sobre um momento de muita tensão vivido em 2019, com o fotógrafo Fernando Martinho, em Rondônia, enquanto aguardavam por fontes em uma área de acampamento da Liga dos Camponeses Pobres. Os dois foram surpreendidos por viaturas sem identificação da polícia e abordados por sete homens sem farda. Um desses homens apontou um fuzil para Daniel. “Essa sensação de que você vai ser executado. Foi um trauma.[…] Essas coisas vão se somando, vão ficando na cabeça da gente.[…] Até que aconteceu o que aconteceu com o Dom.”
Daniel cobriu as buscas pelo amigo Dom Phillips, jornalista britânico que foi assassinado no Vale do Javari (AM) em 2022, durante uma expedição. Phillips e seu colega Bruno Pereira presenciaram e registraram a ocorrência de crimes ambientais e há suspeitas de que isso tenha levado à morte dos dois.
Eu preciso trabalhar. Preciso fazer a matéria. Tenho que entender tudo, ter clareza, ouvir as pessoas, escrever. Depois eu choro.”
Daniel Camrgos
Apesar do receio de desanimar os pretensos colegas de profissão que o entrevistaram, Daniel reforça: o risco é grande. “[…]a gente usa equipamento de proteção, usa localizador, telefone via satélite que pega em qualquer lugar, faz um grande protocolo de segurança antes de cada viagem, entendendo os riscos, quem são as ameaças, como a gente deve agir, plano de fuga, evacuação dos locais. […] É mais difícil trabalhar assim, né, porque não basta pensar na matéria, tem que pensar em toda a logística envolvida”. Sobre a tensão em seu trabalho, o repórter acredita que todo jornalista deve ser empático, mas saber separar seu lado pessoal dos momentos profissionais.
Próximos Capítulos
Sobre os planos seguintes, Daniel pretende continuar como repórter: seguir viajando, contando histórias, produzindo, sempre atualizando seus conhecimentos para não se tornar obsoleto, já que com o tempo surgem novas tecnologias e formas mais “práticas” de fazer jornalismo. Um desejo como jornalista investigativo é escrever um livro sobre a forma de fazer reportagem e mergulhar em um assunto por alguns anos. Ele já tem algumas ideias e rascunhos para o livro, porém, diz que precisa de mais preparo, e, por isso, deixa a ideia para o futuro.
Mesmo tendo sido premiado por seu trabalho – ganhou seis prêmios de jornalismo, entre eles o Vladimir Herzog, e foi finalista dos prêmios Gabriel Garcia Márquez, Esso e Petrobras – Daniel se descreve com humildade: “Um cara de 40 anos, vivo com uma companheira, a gente mora junto em BH. Gosto muito de mexer com horta, com plantação, […] E gosto muito de nadar também. Eu tento nadar três vezes ou mais por semana. É uma terapia que faço quando eu pulo na piscina […] É meu descanso mental. Jogo futebol também. É isso. Um brasileiro classe média comum, não tem nada de especial não”, descreve com simplicidade.
Conteúdo produzido por Ana Brisa Reis, Ana Maria Pardinho, Gabriela Paiva, Júlia Alves, Laura Scardua, Tainá Lopes e Ulisses Maciel na disciplina de Apuração, Redação e Entrevista sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. Edição de texto realizada pelos estudantes Flávia Assis, Isadora Rabelo, Laura Couto Lopes e Maria Clara Lacerda na disciplina de Edição, sob supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini.
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