Para alguns, morrer é tão natural quanto nascer. Para outros, é um dos maiores medos possíveis. Perder um ente querido é triste e doloroso, e o luto é um processo diferente para cada pessoa. Falar sobre a morte de alguém não é algo confortável para a maioria. Uma pesquisa de 2018 encomendada pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) mostra que 74% das pessoas não costumam falar sobre a morte em seu cotidiano.
É importante compreender a razão disso acontecer. A psicóloga Jane Teodoro, especialista em Psicoterapia Familiar, fala da diversidade de perspectivas acerca do processo de cada indivíduo a partir da perda de alguém próximo:
As pessoas têm medo de falar sobre a morte, existem muitas crenças a respeito disso, como ‘se a gente falar de morte a gente tá chamando’, ‘se a gente sonha com morte a gente tem que guardar esse sonho, porque a morte tá chamando.
Jane Teodoro, psicóloga
Jane também lembra dos casos em que há uma “conspiração do silêncio” a partir da dificuldade em expressar o sentimento de tristeza após a passagem de tempo do falecimento, devido ao tabu em relação ao assunto na sociedade.
Em uma tentativa de amenizar a dor ou até explicar esse momento, a sociedade cria alternativas. As famosas fases do luto – negação, raiva, negociação, depressão, e, finalmente, aceitação -, compõem a análise feita pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross em sua obra “Sobre a Morte e o Morrer“, de 1969, e que se tornou referência no campo da Psicologia durante muitos anos.
“Para a Psicologia, o luto é um processo emocional que acontece após a perda de alguém do qual a gente tem um vínculo significativo. É bom trazer essa distinção, é um processo, não é uma doença. Às vezes, [a pessoa] precisa de uma medicação, dependendo do quadro, mas não é considerado uma doença, é um estado que a pessoa está vivenciando da dor após a morte de alguém”, explica a psicóloga Jane Teodoro.
A dor do advogado José Fernandes de Oliveira é amparada pela fé.
Como cada um tem sua maneira de lidar com uma perda, o advogado se dedicou à escrita:
A dor, sua compreensão e o aprendizado gerado a partir dela são itens relevantes na discussão acerca dessa experiência. Cris Pàz é palestrante e publicitária e sua história se confunde com um emaranhado de perdas, acompanhadas de memórias de vida e a expectativa de algumas. Cris conta sua história no episódio do ColabCast produzido especialmente para a reportagem:
O fenômeno da “melhora da morte“
A dor de uma perda após uma brisa de esperança ocorre na chamada “súbita melhora” em que o paciente tem uma leve recuperação pouco antes de morrer. Nesses casos, a assistência profissional e espiritual se faz essencial para compreender e assistir os familiares do paciente. Jane Teodoro explica que existem diversas hipóteses acerca da eventualidade de uma melhora antes da morte e aponta que mais da metade das pessoas vítimas da ‘súbita melhora’ falecem no dia seguinte:
Pode-se pensar nessa questão de uma descarga de hormônio do estresse. Temos o instinto de luta e fuga e através dessa liberação de adrenalina. Nós estamos ali, não conscientes, mas vivos, como uma forma de preservar a vida, só que o corpo, em si, já está em seu limite.
Jane Teodoro, psicóloga
Para Jane, a psicologia trabalha cuidadosamente no respeito às reações dos parentes, posicionando-se em um lugar que permita e estimule o processo de despedida desses pacientes.
A médica generalista Maria Cecília Peixoto, que lida diariamente com as situações de óbito na enfermaria da UPA Teresópolis, em Betim, revela que casos de melhora antes da morte são comuns e que os próprios médicos são capazes de identificá-los a partir de condições como cor da pele, desidratação e falta de ar. Ou seja, profissionais de saúde costumam saber quando não há mais chance de sobrevivência, mas, ainda assim, o paciente consegue se comunicar e ter uma leve recuperação pouco antes de vir ao óbito.
Maria Cecília destaca, ainda, que a maioria dos pacientes que estão morrendo têm consciência de sua condição, tanto pela questão biológica, quanto por uma questão espiritual: “A gente consegue entender quando é o momento de chamar os familiares”.
Existem aqueles pacientes que a gente volta, para e [pensa]: será mesmo que não dava para fazer mais nada? E existem aqueles que a gente fica confortável de [pensar que] eu fiz o que pude para a pessoa ter uma morte tranquila.
Maria Cecília Peixoto, médica
O processo ativo de morte, assim denominado pela médica, requer um cuidado no contato com os familiares. Para Maria Cecília, ainda que não haja um manual de comportamento em relação a esse contato, é necessário um movimento de assistência e cuidado para com os acompanhantes do paciente em questão. E é no ato de enxergar a oportunidade de uma despedida que a psicologia tenta auxiliar seus pacientes na psicoterapia. Jane Teodoro sugere que estar junto e verbalizar os sentimentos nessa ocasião é a proposta incentivada pela psicologia.
Especial: as várias faces da morte
Este capítulo compõe uma série especial sobre um dos maiores mistérios da vida: a morte. Navegue pelo menu abaixo e leia os outros capítulos:
Capítulo I: Quem morre?
Capítulo II: Burocracia Funerária
Capítulo III: Luto [Você está aqui]
Capítulo IV: Herança
Capítulo V: Vida após a morte
Reportagem produzida por Felipe Tavares, Julia Ferreira, Letícia Mendes, Saile Jennifer e Veronica Izequiel para o Laboratório de Jornalismo Digital, no semestre 2022/2 do curso de Jornalismo da PUC Minas - campus Coração Eucarístico, sob a supervisão das professoras Verônica Soares e Maiara Orlandini.
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