Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial costumam ter dois recortes principais: os confrontos nos campos de batalha ou o genocídio em massa do povo judeu. Centenas de produções retratam a realidade da época por meio de narrativas nessa perspectiva. Algumas, inclusive, se tornaram clássicos do cinema, como o premiado A Lista de Schindler (1993). Zona de Interesse, do diretor Jonathan Glazer, vai na contramão, mostrando a guerra com foco no dia a dia de uma família nazista.
Lançado em 2023, o longa é baseado na história real do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss. Entre 1940 e 1943 ele viveu com a esposa, Hedwig, e os cinco filhos, em uma casa ao lado do campo de concentração, considerado o maior e mais temido do regime de Hitler. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas foram mortas nas câmaras de gás e crematórios do local.
“Zona de Interesse” é a tradução do termo em alemão interessengebiet. Esse era o nome dado a entrada do campo, onde os judeus passavam por uma triagem para separar aqueles que iriam direto para o extermínio e os que iriam para o trabalho forçado. O filme é baseado no livro de mesmo título, publicado pelo escritor britânico Martin Amis em 2014.
Durante 1 hora e 45 minutos o espectador é levado a uma experiência incômoda: assistir ao cotidiano de uma família digna de comerciais de margarina dividindo muros com um campo de extermínio. O casal vive em uma casa confortável, as crianças brincam pelo quintal, levam amigos para a piscina e exploram o jardim. Eles são servidos por babás e empregadas e passam o dia se divertindo no lago. Tudo isso a poucos metros de uma das piores atrocidades que a humanidade já relatou.
É inquietante perceber que nenhum dos Höss vivia alheio ao que acontecia ao redor. O longa deixa claro, em diversas cenas de diálogos e acontecimentos da rotina, que todos sabiam muito bem. Eles simplesmente eram coniventes. É uma completa desumanização dos judeus. Apenas duas personagens têm lapsos de lucidez e não suportam continuar ali, os outros seguem a vida tranquilamente. Hedwig, a matriarca interpretada brilhantemente por Sandra Hüller, demonstra diversas vezes estar vivendo seu ápice.
Em nenhum momento o filme mostra os prisioneiros do campo, apenas os generais nazistas. Toda a construção é feita por meio dos sons: gritos, zumbidos, gemidos, barulhos de trem. Além da trilha sonora que contribui para explicitar a crueldade, há imagens da fumaça dos crematórios e do exterior do campo, que aparece ao fundo do cenário, contrastando a “normalidade” da residência da família Höss. Segundo o diretor, não havia equipe no set, apenas câmeras escondidas em vários pontos. O objetivo era dar uma ideia semelhante aos reality shows, em que a realidade é mostrada de forma crua. O filme concorreu em cinco categorias do Oscar 2024 e levou duas estatuetas: Melhor filme internacional e Melhor som.
Através de registros da vida ordinária, “Zona de Interesse” inova ao mostrar um lado sombrio e pouco falado da história: o de quem causou tanto sofrimento. A forma como a direção conduz o enredo mostra que a ideologia nazista estava entranhada em todas as esferas da sociedade, desde as crianças até os mais velhos. Essas pessoas não só naturalizaram o horror, como eram parte dele. O nazismo tinha a cara de Hitler, mas também de uma mãe com um bebê no colo, se autointitulando “rainha de Auschwitz”.
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