O período de isolamento social, instaurado em função da pandemia de Covid-19, pode acarretar em um aumento da violência doméstica.
De acordo com dados do documentário “Precisamos falar com os homens”, 1 em cada 3 mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica durante a vida. O número de casos relacionados a agressões contra mulheres tem crescido de maneira substancial no mundo e, no Brasil, não parece ser diferente. Atualmente, o país já ocupa o 7º lugar no ranking mundial de feminicídio.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o estado de São Paulo registrou um aumento de 44,9% nos casos. Relatório divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), registrou que o total de socorros prestados à vítimas de violência passou de 6.775 para 9.817, entre março de 2019 a março de 2020.
Em declaração ao site da ONU Mulheres, a diretora-executiva Phumzile Mlambo-Ngcuka alertou:
O confinamento está promovendo tensão e tem criado pressão pelas preocupações com segurança, saúde e dinheiro. E está aumentando o isolamento das mulheres com parceiros violentos, separando-as das pessoas e dos recursos que podem melhor ajudá-las.
Phumzile Mlambo-Ngcuk
A Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou que o abuso de álcool e drogas durante o confinamento é um dos fatores que contribuem para o aumento da agressividade e da violência direcionada a pessoas vulneráveis. Mulheres e crianças são as maiores vítimas das agressões.
Leia também: ONU Mulheres lança documento com Diretrizes para Atendimento em Casos de Violência de Gênero contra Meninas e Mulheres em Tempos da Pandemia COVID-19.
Defesa dos direitos das mulheres
Em Belo Horizonte, o NUDEM é um órgão da Defensoria Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência que tem como objetivo proporcionar assistência jurídica integral e gratuita às mulheres que sofrem ou sofreram violência de gênero.
Apesar de existirem leis que defendem as mulheres contra agressões, é necessário que órgãos como o NUDEM existam para garantir seu cumprimento.
A lei Maria da Penha, a mais conhecida, contém diversas medidas protetivas de urgência para garantir a segurança da mulher, como proibição de contato do agressor (em quaisquer circunstâncias), proibição de aproximação (um limite mínimo é estabelecido) e a proibição do agressor de frequentar certos lugares (como, a residência e o local de trabalho da vítima).
A lei também decreta que o agressor permaneça afastado do lar, em casos de violência grave, em que sua permanência no lar implique riscos para a vida, saúde e integridade física da mulher.
Nesse contexto, as atividades do NUDEM incluem desde o acompanhamento dos processos para o deferimento de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha até o ajuizamento de ações de família para as mulheres que possuam medidas protetivas em vigor e outros projetos relacionados à educação em direitos.
Redes de apoio
Samantha Vilarinho, defensora pública do NUDEM, indica que, neste momento de pandemia, a melhor orientação é que mulheres fortaleçam suas redes de apoio, estejam em contato com familiares periodicamente e anotem em lugar seguro os contatos das defensoras públicas de plantão.
Depois que uma mulher sofre uma agressão, as medidas protetivas de urgência são uma consequência cível da violência doméstica sofrida pela mulher. A representação (momento em que a vítima decide seguir com um processo contra o agressor), depende da vontade da mulher, e, nem sempre, as que desejam uma tutela inibitória, ou seja, que inibe novos fatos de violência doméstica, têm interesse na investigação, acusação e condenação da pessoa agressora.
“Quando a mulher opta por ambas as consequências, ela é encaminhada para a DEAM, que pe a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, onde recebe atendimento psicológico e assistência social, que as conscientizam sobre os efeitos da violência doméstica”
Samantha Vilarinho
Durante a pandemia, as quatros defensoras titulares do NUDEM estão em teletrabalho, todas equipadas corretamente para atender demandas de mulheres que já eram assistidas pela Defensoria Pública, como as que procuram o primeiro atendimento.
Em casos de emergência (aqueles que configuram risco de morte ou prejuízo à integridade física da mulher), são encaminhados por petição aos Juizados de Violência Doméstica e/ou por ofício às instituições integrantes da rede de atendimento à mulher, tais como a Delegacia de Mulheres, o CERNA, o Benvinda e o serviço de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar (PVD).
Nas demais situações, a mulher é orientada sobre seus direitos, e instruída a aguardar o retorno das atividades presenciais dos órgãos do Sistema de Justiça. A procuradora Especial da Mulher do Senado Federal, senadora Rose de Freitas, apresentou projeto de lei que facilita às vítimas de violência doméstica denunciar agressões. Segundo dados da Agência Senado, o registro da ocorrência poderia ser feito por meio da internet ou de telefone de emergência, enquanto durar a pandemia, nos casos de violência contra a mulher, crianças, adolescentes e idosos.
Machismo estrutural e violência doméstica
O machismo estrutural da sociedade patriarcal manifesta-se e é fortalecido no dia a dia das mulheres em confinamento, podendo manifestar-se em diversas formas de violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.
Normalmente, este tipo de violência é justificada, no senso comum, pela “natureza biológica” do homem, o que reforça o machismo e o sexismo arraigados na sociedade. Nesse contexto, o machismo é também uma forma de abuso de poder, já que o homem pensa que deve ser o líder, não pode apresentar fragilidade, e a mulher deve ser submissa a ele.
No machismo estrutural, meninos são induzidos desde a infância a não demonstrar fraquezas, com a justificativa de que isso seria “coisa de mulher”. A perpetuação deste comportamento faz com que essas atitudes sejam cada vez mais normalizadas na sociedade, ampliando o ciclo de violência.
Confira no vídeo: o que é masculinidade tóxica?
Ciclos de violência e o sentimento de culpa da mulher
Geralmente, a violência doméstica ocorre em ciclos. Na primeira fase (na maioria dos casos), o agressor isola a mulher, controla a sua rotina e a afasta de pessoas próximas.
A segunda fase é marcada pelo aumento da tensão entre os envolvidos, e o agressor passa a se comportar de maneira mais ameaçadora. O ápice do ciclo é marcado pelo ataque violento, em que a mulher, geralmente, sofre violência física e/ou sexual.
Na última etapa do ciclo, conhecida como “lua de mel”, o homem tenta se redimir das agressões praticadas por ele, promete mudar sua conduta e seduz a mulher novamente, dando início a um novo ciclo. Para evitar a ocorrência deles, defensoras públicas do NUDEM sugerem formas de identificar um parceiro abusivo, antes de ser surpreendida com qualquer forma de violência.
Algumas condutas podem ser indicadores de que um relacionamento seja abusivo, tais como: ofensas com palavras de baixo calão, críticas severas com o objetivo de diminuir a autoestima da mulher, atos que visam controlar a aparência, os horários e a rotina dela, tentativas de isolá-la de seus amigos e familiares etc.
Samantha Vilarinho, do NUDEM
Mitos da violência doméstica
Juliana Wallauer, do podcast Mamilos, em uma palestra do TED Talks em Fortaleza, desmistifica os mitos por trás da violência doméstica, e as dificuldades das mulheres em se livrarem de relacionamentos abusivos, independentes de suas culturas e classe social.
Muitos casos indicam que, a mulher não abandona o agressor porque assume o sentimento de culpa. O NUDEM orienta a mulher sobre as formas de violência doméstica, bem como sobre os contextos em que ocorrem.
Muitas mulheres não buscam ajuda porque sequer identificam que vivem em um cenário de violência. Daí, se elas compreenderem que se enquadram nesses parâmetros, oferecemos as opções cíveis de proteção e criminais de punição ao agressor. A decisão de se libertar do ciclo de violência deve partir da própria mulher. Devemos respeitar o tempo de cada uma delas”.
Samantha Vilarinho
Em casos de violência doméstica, ligue para 180, e denuncie.
*Colaborou: Márcio Vítor Silva Pereira.
[…] De certa forma, o isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode causar, como consequência positiva, a redução de crimes urbanos. Entretanto, o afastamento de agressores das ruas pode, por exemplo, causar um aumento grave nos índices de violência doméstica. […]