Em tempos de TikTok e músicas curtas feitas para viralizar, o vinil segue sendo visto pelos entusiastas como uma obra de arte completa, que vai além da música. Os álbuns e as embalagens, com suas capas cheias de informação, tornaram-se, ao longo dos anos, meios de expressão artística, refletindo questões sociais, políticas e culturais de suas épocas. Para quem curte, os álbuns são também preciosos objetos de colecionar.
Adriano Ribeiro, comerciante e colecionador, destaca que capas e encartes compõem a obra: “São verdadeiras obras de arte. Sempre existiu um enorme cuidado por parte de gravadoras e músicos em relação à qualidade das capas. Muitas delas são peças icônicas da cultura pop”. Para ele, o vinil preservou e ainda carrega a história da música. O ponto é reforçado por Rildo César, historiador e pesquisador, que utiliza de exemplos de álbuns icônicos brasileiros para explicar o fenômeno: “O vinil está presente, por exemplo, tanto na Tropicália, quanto no Clube da Esquina, com capas que contam a história da época em que foram lançadas”, evidenciando a importância do vinil como suporte para a arte e para a narrativa cultural.
Os discos são conhecidos por vários nomes. O termo mais comum é vinil, que remete à durabilidade do material do qual é feito. Os objetos também podem ser chamados de Long Play (LP), termo que, normalmente, se refere a discos de 12 polegadas e com maior capacidade de reprodução. Além desses, no Brasil, os discos receberam, também, o apelido bolachões.
Os LP’s como objeto nostálgico e sensorial
No início da década de 1950, em um cenário pós Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria, os discos de vinil surgiram e revolucionaram o mundo da música. Por serem resistentes e armazenarem uma quantidade significativa de músicas, tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento da indústria musical.
O historiador e pesquisador Rildo César destaca os vinis como um produto do sistema capitalista e como uma criação necessária, visando a música como algo que se desenvolve e está presente em diversas culturas. “Especialmente na década de 1960 em diante, o vinil se popularizou e se tornou o maior produto de venda musical, sendo essencial para a manutenção das gravadoras e toda a estrutura de produção”, ele complementa.
Com o passar dos anos, o Long Play foi se transformando em um símbolo de nostalgia e conexão entre gerações. De acordo com publicação da Agência Brasil, a queda nas vendas dos LPs começou com o lançamento dos CDs, em 1984: “Para se ter uma ideia, em 1991 foram vendidos 28 milhões de discos de vinil, cinco anos depois esse número caiu para 1,6 milhão e quase zero no ano seguinte”, destaca a publicação.
O comerciante Alexandre Veloso, proprietário de uma loja de vinis localizada no edifício Maletta, em Belo Horizonte, alega observar um aumento considerável da busca de vinis por jovens que não tiveram quase nenhum contato com os discos ao crescer. Adriano Ribeiro complementa o ponto ao afirmar que mais da metade dos clientes de sua loja possuem menos de 35 anos.
O amor pelos LP’s foi transmitido através de gerações por muitas famílias, formando uma cadeia de apreciação. O diretor de filmes e colecionador Leonardo Fonseca relata: “Minha relação com a música, com esse formato do vinil, vem desde criança. A minha mãe escutava muito vinil, minha família era muito ligada à música”.
A volta da popularidade dos vinis não se baseia apenas na nostalgia. Em uma realidade na qual o mercado da música digital detém a maior parte das reproduções, os discos seguem conquistando ouvintes e admiradores. Um dos motivos desse fator é a experiência sensorial que envolve os LP’s, como a prática de manusear o disco, que criam uma conexão que vai além de ouvir o artista, relata Leonardo Fonseca.
O que mais me atrai nesse formato, não só a mídia física, o encarte, a leitura das letras, o pôster, a mídia, o bolachão mesmo em si, bonito, robusto. Não só por conta disso, mas pela experiência também de você colocar um álbum inteiro para escutar, que foi pensado do início ao fim, que tem uma história, um recorte daquele ano, daquele artista ali, sabe? E que isso traz um lugar também de uma experiência sensorial. Que você senta, bota pra ouvir e aí também tem o cheirinho do vinil, os novos, os velhos. Você faz um rango, você senta, toma alguma coisa, sabe? Então tudo é muito sensorial”, diz Leonardo Fonseca.
Qualidade sonora e experiência física em lojas
O processo de gravação e reprodução de um disco de vinil captura nuances e detalhes que, muitas vezes, são perdidos nas gravações digitais. Os LP’s podem capturar chiados que, para muitos, adicionam um teor de autenticidade e realismo à música. Rildo César destaca a sonorização e considera a presença dos chiados interessante, de forma a perceber o ambiente em que o vinil foi gravado. “O chiadinho às vezes, sabe, é um charme.”, complementa Leonardo Fonseca.
Mesmo com os formatos digitais de reprodução, muitos músicos e ouvintes seguem preferindo o som analógico presente nos vinis. Lojistas, colecionadores e entusiastas reafirmam as diferenças entre as versões. Adriano Ribeiro caracteriza a qualidade do áudio presente nos discos como superior em comparação ao digital. Dividindo a mesma opinião, Alexandre Veloso complementa: “Claro que tem uma diferença sonora real, isso não é uma invenção. Quando você tem um equipamento bom para ouvir um disco de vinil, você vai notar algumas coisas que nem o CD, nem o formato digital apresentam, porque o vinil é a reprodução mais próxima do real que foi tocado”.
Para colecionadores e entusiastas, os sebos e lojas especializadas são verdadeiros templos: estabelecimentos que, devido ao surgimento dos CDs e o crescimento da era digital, viveram anos de pouca clientela. Alexandre Veloso enxerga as lojas de vinil como ambientes específicos e interessantes. “Estamos no Edifício Maletta, se a pessoa entra no comércio e vê uma loja de disco, ela pode até não consumir o vinil, mas ela entra para dar uma olhada e pode ser que uma hora ela tenha contato com disco, pode ser que não, mas esse leque de opções de pessoas, de demanda, está crescendo bastante”, complementa.
As lojas oferecem mais do que discos, elas podem proporcionar uma experiência que vai além do objeto. Os amantes do vinil podem compartilhar histórias entre si, bem como novas músicas e artistas. Leonardo Fonseca relata sua vivência em sebos como um colecionador e entusiasta, “eu ia na loja do Edu, por exemplo, Discoteca Pública, me sentava lá e ficava escolhendo discos por horas, então ele me indicava alguns discos que eu não conhecia e, a partir do meu gosto, ele falava, ‘olha, que legal, você levou esse, tem esse outro também, ele está muito barato, eu acho que você talvez vá gostar’. Então, a importância do sebos também se encontra nesse lugar da democratização do disco, sabe?”.
A sobrevivência do vinil na era digital
Mesmo em uma realidade na qual os serviços de streaming oferecem fácil acesso a inúmeras músicas, o vinil sobrevive, oferecendo profundidade, autenticidade e conexão com a história da música. Para Rildo César, os LP’s são uma forma de resistência cultural. Hoje, o vinil é considerado mais do que um suporte para música mas, também, um símbolo de uma época, uma obra de arte. Ele continua a atrair novos públicos e a manter sua relevância em um mundo cada vez mais digital, evidenciando a experiência sensorial, nostálgica e emocional dos famosos “bolachões”.
O vinil é um objeto de acervo, é um documento. É um documento da época. O vinil permanece, a qualidade sonora dele permanece. Então, para mim, é como se fosse um documento histórico, cultural, em que ele traz muito esse valor como um acervo que a gente tem que cuidar e manter com todo o respeito e carinho que essa obra merece”, conclui Leonardo Fonseca.