Em um mundo em que artistas lutavam com unhas e dentes para colocar apenas uma música nas paradas de sucesso do rádio, era quase impossível imaginar que, com a revolução tecnológica, tanto a indústria musical, quanto os próprios artistas pudessem passar a divulgar suas produções a qualquer hora, de qualquer lugar e de forma independente.
Redes sociais como o Instagram, YouTube e, agora, o TikTok retiraram das mãos de grandes produtoras o poder de definir o que merece ser ouvido ou não. Mas como é possível que aplicativos como o TikTok possam influenciar uma indústria tão seletiva?
Lançado oficialmente em 2017, o TikTok é uma uma rede social de compartilhamento de vídeos de até 60 segundos, em looping, permitindo que sejam publicados com um fundo musical. Pertence à ByteDance, empresa chinesa de Pequim, fundada por Zhang Yiming em 2012.
Ao contrário do que se pode pensar, o TikTok não surgiu do nada, pois nasceu da compra de um aplicativo de lip-sync chamado Musical.ly, lançado em 2014, e que já acumulava milhões de usuários, inclusive no Brasil.
Se passamos o dia inteiro conectados à internet em busca de conteúdos que nos entretenham com engenhosidade, o TikTok chegou para impulsionar essa necessidade e, de acordo com a estrategista de redes sociais Manu Drumond, o aplicativo cumpre bem seu papel:
“Em tempos de esgotamento mental, conteúdos rápidos e leves ganham espaço. Você não precisa investir tamanha atenção e muito tempo para consumir os conteúdos do TikTok. Então, estamos falando de uma rede que diverte e informa de forma leve e objetiva. Ele saiu na frente com sua capacidade de dizer tanto em tão pouco tempo”.
Manu Drumond, estrategista de redes sociais
Viralização do bem
O TikTok tomou o posto de aplicativo mais baixado em 2020 mundialmente, ficando à frente do Facebook e do Instagram, e até de plataformas de teleconferência como o Zoom e o Google Meets. Acumulou mais de 637,9 milhões de downloads, apenas no primeiro semestre de 2020, considerando dados da Apple Store e do Google Play. Os dados são da Sensor Tower, empresa de análise e pesquisa.
A dinâmica do TikTok é simples e ágil: basta deslizar infinitamente pela aba For You para descobrir vídeos escolhidos especificamente de acordo com seus gostos – ou de acordo com o que o algoritmo interpreta sobre seus gostos.
O modo de funcionamento do app não permite que se fique um segundo sem conteúdo novo. Com isso, momentos aparentemente aleatórios podem acabar tornando artistas, antes desconhecidos, em superestrelas, pela dispersão de breves clipes de 15 segundos.
O potencial de viralização dos vídeos do TikTok ampliou a chance de novos talentos serem descobertos, tendo suas músicas divulgadas o tempo inteiro como áudios ao fundo de vídeos de comédia, reflexão, jogos, covers e receitas.
Porta de entrada poderosa
De acordo com o podcaster, DJ e produtor musical, S4TAN, que apresenta o ‘Disk Bicha’, podcast sobre a diversidade musical, o TikTok é uma plataforma que estimula as chances de novos artistas entrarem no mercado.
“Acredito que o sucesso do TikTok se dá em relação à democratização da criação de conteúdo. Ele torna muito mais fácil editar, criar e publicar um vídeo, até mesmo atingir o usuário [é mais fácil]. Essa facilitação de movimentos é o que eu acredito que torna o TikTok o sucesso que é. Todo mundo consegue criar muito facilmente um conteúdo sobre aquilo que gosta de fazer, o que acaba levando à música. Esse é o motivo principal para a música se colocar dentro desse mercado.”
S4TAN, DJ e podcaster
Ainda de acordo com S4TAN, artistas já começaram a mirar em um possível sucesso no TikTok no momento em que criam suas músicas.
“Há um surgimento de um novo padrão de produção devido às táticas de engajamento que mobilizam esse consumo musical, e óbvio que o TikTok influencia nesses novos formatos de produção. Já existem produções que visam o consumo só dentro dessa plataforma, porém esse não é o principal motivo. É um conjunto de fatores e recursos, que a gente precisa se atentar na hora que começamos a produzir, que fazem com que surja esse novo padrão.”
S4TAN, DJ e podcaster
O que o TikTok quer da indústria da música?
Com base no relatório anual “Year on TikTok” de 2020, um dos principais objetivos do aplicativo é combinar a popularidade da música com os vídeos criados em sua plataforma, pelos usuários. Essa informação foi uma forma eficiente de chamar a atenção dos chefes de gravadoras e de qualquer aspirante a artista que queira se tornar grande.
Foram mais de 150 músicas apresentadas em 1 bilhão de visualizações de vídeos exclusivos no aplicativo apenas em 2020. Mesmo com números impressionantes, essa informação traz à tona uma situação conflituosa: artistas como Drake, Megan Thee Stallion e Billie Eilish acumularam mais visualizações de vídeos porque sua música era a mais popular? Ou eles se tornaram mais populares em função dos usos de sua música no aplicativo?
Fato é que o TikTok se tornou uma ferramenta de marketing, uma maneira de estrategistas de gravadoras determinarem em quais músicas compensa colocar dinheiro. É possível ver o progresso de artistas que explodiram, como a Avenue Beat, um trio pop, que lançou o hit “F2020”, mostrado pela primeira vez em um vídeo no aplicativo com o áudio, que acumulou desde então 319,5 milhões de visualizações.
Em 2020, Elias Leight da Rolling Stone, relatou que a rapper Flo Milli ofereceu US$200 a uma celebridade do TikTok para tornar a dança de sua faixa “Beef Flomix” mais popular. O videoclipe tem hoje mais de 12 milhões de visualizações, e pouco tempo depois da estreia, Milli assinou com a RCA Records, gravadora controlada pela Sony Music.
A história de Leight também destacou o caso da maior celebridade do TikTok, Charli D’Amelio, de 16 anos, e como ela pode cobrar entre US$40.000 e US$50.000 para fazer uma dança para qualquer música. D’Amelio conta hoje com mais de 109 milhões de seguidores na rede social. Basta que ela apenas grave um vídeo dela mesma dançando ao som de uma faixa que já está em alta e postá-la em seu feed, que os números de ouvintes decolam.
Do TikTok para a vida real
Músicas que explodem no TikTok frequentemente sobem nas paradas da Billboard, como foi o caso da faixa “Driver ‘s License”, da cantora de 17 anos, Olivia Rodrigo. Lançada no dia 8 de janeiro de 2021, a música explodiu rapidamente no aplicativo, estreando em 1º lugar na Billboard Hot 100, recebendo o Certificado de Ouro nos Estados Unidos.
Na primeira semana, “Driver ‘s License” acumulou mais de 107 milhões de streams e também estreou no topo dos charts das principais plataformas, incluindo Spotify Global Top 50 Chart, Spotify US, Apple Music Global e Amazon Music Overall Top Songs. Na Apple Music, ficou na 1ª posição em 48 países, no Spotify em 31 países e no YouTube, em 14 países.
Além disso, foi a canção que teve a maior estreia semanal na história do Spotify global. No dia 11 de janeiro, a cantora estabeleceu um recorde do Spotify como o maior número de streamings em um dia para uma música não natalina, com mais de 15 milhões de plays. No dia seguinte, bateu seu próprio recorde, com mais de 17 milhões. Tudo isso graças aos usuários do TikTok, que usaram alguns segundos da música de fundo nos seus vídeos.
A técnica por trás do sucesso
Como a música está relacionada ao TikTok? Os sons facilitam a descoberta, já que atuam como a âncora que está ligada às tendências ou como um ponto de referência para as pessoas encontrarem conteúdos relacionados na aba de busca. Não importa se uma música se torna viral porque cativa o ouvinte ou porque aparece ligada a uma determinada tendência, o TikTok tem o poder de aumentar sua exposição em milhares de vezes.
Outro ponto que pode colaborar com o aumento de streamings em uma música é se ela possui a chamada batida Four On The Floor. Esse beat se refere às faixas que têm um ritmo constante tocado em um tempo 4/4, ou seja, quando a linha do baixo “acerta” cada nota. Esse beat é comumente usado no gênero de dance music, por conta de sua uniformidade constante, se tornando amplamente acessível para todos os criadores de conteúdo calcularem transições em seus vídeos, o que aumenta o uso da música no aplicativo.
Nesse contexto, a cantora e compositora Tchels, de 21 anos, afirma que o aplicativo serve para muito mais do que apenas entretenimento.
“Acho que é impossível entrar no TikTok e não descobrir algo novo e não pegar inspirações. Já vi gente produzindo com sons que talvez nunca imaginaríamos que poderia virar uma música, ou até mesmo pessoas contando histórias por trás das músicas que escreveram.”
Ela acredita que o TikTok pode ser um espaço inspirador para músicos e artistas, e inda completa: “De algum jeito você vai encontrar uma forma de se inspirar. Seja musicalmente ou esteticamente, como um tipo de maquiagem ou um estilo novo. É um lugar que você pode navegar, e, uma hora ou outra, vai encontrar algo que se encaixe com o que está procurando.”
O que é ótimo para o TikTok nem sempre é ótimo para aqueles que estavam acostumados a ditar as regras no mundo da música. Mas enquanto isso não se resolve, o aplicativo conseguiu convencer usuários do mundo todo, que a fama pode estar a apenas alguns segundos de distância.