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Pintura a óleo do personagem Tio Patinhas mergulhando em um cofre forte cheio de moedas de ouro
Reprodução Flickr Tom Simpson / Sport of Tycoons by Carl Barks

Tributação de grandes fortunas, por que ainda não?

Pandemia reacende debate sobre a implementação do IGF como alternativa para minimizar desigualdades sociais

Não existem personagens que representem melhor o debate sobre a tributação de grandes fortunas do que Tio Patinhas e Robin Hood. Se a lógica do primeiro é acumular riqueza, a do segundo é distribuí-la.

As narrativas sobre os personagens demonstram que a reflexão sobre a desigualdade vem de muito tempo e desafia o mundo. Todavia, quando tratamos do oitavo país mais desigual do planeta, que é o caso do Brasil, conforme levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), percebe-se que por aqui a realidade de distribuição de renda e tributação mais justas ainda parece distante de ser efetivada. 

É por conta disso que vez ou outra o imposto sobre grandes fortunas volta a ser tema levantado por grupos de pressão e a inspirar novos projetos de lei. Apesar de ainda não haver consenso sobre modelos propostos e formas de execução, a ideia de que é preciso haver mais justiça tributária para minimizar os impactos da desigualdade é algo unânime entre os especialistas ouvidos pelo Colab. Então por que ainda é difícil encontrar uma forma adequada de efetivá-la? 

O Tesouro Nacional estima que em 2020 a Carga Tributária Brasileira tenha ficado em 31,64% do Produto Interno Bruto (PIB), com redução de 0,87% em relação a 2019 (32,51%), devido às isenções relacionadas à pandemia. Ainda assim, segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), no mesmo ano (2019) o cidadão brasileiro trabalhou cinco meses só para pagar tributos, como ilustra o gráfico do impostômetro. A maior arrecadação vem do imposto sobre consumo, seguido do imposto de renda e o impacto é maior para a classe média e pobre do país, que pagam proporcionalmente mais. 

Com o agravamento da crise sanitária, uma série de movimentos sociais estão usando as redes para reivindicar que o Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, saia do papel por meio  de lei complementar e seja implementado como alternativa para diminuir as desigualdades. 

Os projetos de lei complementar (PL) mais recentes que fomentam a causa são o PL 183/2019, proposto pelo Senador Plínio Valério (PSDB/AM) e o PL 50/2020, da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). No entanto, desde a Constituinte, mais de 30 projetos foram apresentados no Congresso, sendo que nenhum deles obteve sucesso até o momento. Mas afinal, o que é considerado uma grande fortuna? Na ementa do PL 183/2019, o parlamentar define grande fortuna como a titularidade de patrimônio líquido de valor superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do imposto de renda de pessoa física, o que equivaleria hoje a cerca de R $22.847.880. Mas ainda não existe consenso sobre esse cálculo, e o valor que define o que seria uma “grande fortuna” varia de acordo com o PL.

A estátua de Robin Hood perto do Castelo de Nottingham, no Reino Unido. Esculpida por James Woodford, 1951. Reprodução: Robin Hood Memorial

Se está previsto na Constituição, por que ainda não foi implementado?

São muitos os impedimentos que fazem com que a previsão legal ainda não tenha saído do papel. O primeiro deles é a condição constitucional, isso porque o IGF é o único dos sete tributos previstos em Constituição que só pode entrar em vigor mediante lei complementar que defina as diretrizes básicas, como, por exemplo, o que seria uma grande fortuna.  Outro dificultador é o fato de o tema ainda não ter sido discutido com a seriedade que merece no Congresso Nacional e com envolvimento da sociedade civil.

O procurador da Fazenda Nacional Daniel Giotti, que também é doutor em finanças públicas, avalia ser mais viável ampliar a alíquota do imposto de renda, adicionando faixas mais altas, do que implementar o IGF. Segundo ele, o imposto, como é previsto, baseia-se em uma realidade econômica ultrapassada, que desconsidera a previsão de fuga de capital para o exterior, o que era mais difícil de acontecer na época em que foi criado. “Na maioria dos países, como a França, ele tributava sobretudo o dinheiro em aplicações, imóveis e patrimônios. Funcionou bem até a década de 1980, mas hoje as grandes fortunas estão dispersas em valor de ação e bitcoin, por exemplo, valores variáveis. Isso é um fenômeno que vai aumentar cada vez mais”, explica. 

Giotti ressalta que a eficácia dessa tributação dependeria de um fisco mais estruturado, com amplitude global, devido à fragmentação administrativa das empresas. Além disso, ele teme que, caso seja implementado, ao invés de contribuir para extinguir as desigualdades, o IGF valide a tributação como é agora e impeça uma futura reforma no sistema. Outro impedimento apresentado por ele é a postura dos congressistas milionários, que não ampliam o debate visando benefício próprio.

Advogada especializada em direito tributário, Carolina Rebelo discorda que haja necessidade de fisco mais estruturado para taxar as grandes fortunas e relembra que os milionários representam menos de 1% da população brasileira. Ela argumenta que fiscalizar essa parcela da população não teria impacto para a Receita Federal no que diz respeito às ferramentas de fiscalização, que funcionam para a maioria dos cidadãos, pobres e de classe média do país. 

Carolina defende que o debate sempre deve partir da premissa que a implementação do imposto é fundamental para o avanço em direção a equidade social no Brasil, onde a desigualdade é incomparável com a maioria dos países das Américas, da Ásia e da Europa. A maior dificuldade avaliada por ela e também apontada por Daniel Giotti está na falta de motivação política.

Cinco propostas tributárias para reduzir desigualdades

A Oxfam Brasil publicou em janeiro deste ano um relatório que reúne comparações sobre a tendência para riqueza e pobreza extremas durante a pandemia. Os dados mostram que em apenas nove meses as fortunas dos mil maiores bilionários do mundo retornaram aos níveis de pico registrados antes da pandemia. Já os mais pobres vão levar, pelo menos, 14 anos para conseguir repor suas perdas. 

De acordo com o relatório, os enormes pacotes de estímulo fiscal e flexibilização quantitativa dos governos foi o que possibilitou a recuperação recorde nos mercados financeiros. Jefferson Nascimento, coordenador de pesquisa e incidência em justiça social e econômica na Oxfam Brasil, destaca que o IGF sozinho não tem capacidade para reduzir essa desigualdade, mas é parte de um projeto que une cinco propostas capazes de reverter o sistema regressivo vigente no Brasil em progressivo. Tais proposições constam na cartilha “5 propostas tributárias para reduzir desigualdades”.

A primeira delas é a simplificação da tributação sobre consumo, que, se reduzida e compensada através da redistribuição para tributos sobre renda e patrimônio, reverteria a lógica que faz quem tem menor renda pagar, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem maior renda. A segunda proposta apresentada na cartilha é a equidade no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A proposta apresentada na cartilha vai ao encontro da análise feita por Giotti, de que atualmente as alíquotas do IRPF são muito concentradas nas rendas médias. Outras propostas apresentadas são: equidade no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), efetivação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e, por fim, regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).

Isabela Lana

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