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Crianças performam em palco de teatro / Créditos: Gerado por IA / FreePhoto

Trabalho artístico infantil pode causar riscos ao desenvolvimento

Crianças e adolescentes precisam de acompanhamento e garantia de direitos para exercerem trabalhos no meio artístico

12 de junho é o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, muitas vezes associado à glamourização do trabalho artístico. Essa ideia, construída a partir de um senso comum, diz que a atividade artística não necessita de dedicação e compromisso como um trabalho usual, e por isso, não se atenta à exploração infantil.

Trabalho artístico infantil ainda é trabalho?

De acordo com a psicóloga Carolina Dantas, separar o trabalho de uma atividade artística é importante para discutir o tema do trabalho artístico infantil. Para ela, esse é um tipo de trabalho idealizado e glamourizado tanto pelos adultos, quanto pelas crianças, o que torna difícil o entendimento das problemáticas em torno do tema. A psicóloga explica que o trabalho, como função regulamentada, não entra no campo da infância, e só pode ser iniciado na adolescência, com a modalidade de menor aprendiz. Para ela, essa exploração do trabalho infantil como arte é um retrocesso dos costumes modernos que prezam pela preservação da infância da criança para o seu melhor desenvolvimento.

É uma condição da criança gostar da arte, mas o trabalho artístico está condicionado a regras e obrigações, muitas vezes acompanhados de uma exploração financeira do trabalho das crianças pelos pais. Na mídia, há variados casos em que a criança alcança sucesso e a família passa a ser sustentada pelo trabalho da criança, ficando os pais responsáveis por gerir todo o lucro do trabalho artístico desse menor”.

Essa mudança de posição, em que crianças viram provedoras dos pais, somada à exposição midiática, “pode servir para elevar um ego, e também ser nociva e cruel com uma criança”, conforme destaca a psicóloga. Carolina Dantas ainda acredita que essa é uma exposição arriscada, que pode fazer uma criança ganhar o mundo, mas cuja repercussão é imprevisível: “Trabalho artístico trabalha com exposição e está sujeito a julgamentos, que podem atrapalhar o convívio social”.

Cartaz do filme Esqueceram de Mim / Reprodução Wikipedia

Um exemplo de uma “criança conhecida e reconhecida” cujo trabalho artístico foi prejudicial foi Macaulay Culkin, famoso pelo personagem Kevin McCallister da franquia Esqueceram de Mim. O ator, ainda muito jovem, teve problemas com abuso de drogas e uma relação conturbada com o pai, Christopher Culkin, que foi seu empresário até seus 14 anos, quando o ator mirim mundialmente famoso pediu emancipação, o que causou uma batalha judicial na família na disputa pela fortuna.

Em casos como esse, Carolina Dantas destaca que os dados à criança podem ser imprevisíveis: “a criança será privada de ambientes e de contatos importantes, e isso pode causar problemas para o desenvolvimento psíquico e escolar, além de adultização precoce, prejuízo que só é percebido anos depois”.

Atores mirins

O diretor de teatro Markus Marques explica como funciona o processo de introdução de uma criança no teatro: “Para trabalhar com crianças tem que usar a ludicidade, transformar a aprendizagem de atuação em uma brincadeira, para deixar as crianças confortáveis”.

Ele ressalta, porém, que para a inserção da criança no universo profissional do teatro, um dos principais ensinamentos é retirar a concepção que a criança tem do teatrinho como uma brincadeira: “Colocar na cabeça da criança que ela está apresentando um espetáculo”. Ele defende que o teatro, como profissão e encenação, é uma responsabilidade. No entanto, é justamente essa relação de responsabilidade que, para Carolina Dantas, deve servir de alerta, já que o compromisso do trabalho muitas vezes acaba com o prazer das atividades artísticas para a criança.

Vontade das crianças ou desejo dos pais?

Markus Marques afirma que a maior dificuldade de se trabalhar com crianças, em suas experiências, são os pais. Ele fala sobre como o ego dos pais e a superproteção dos seus filhos muitas vezes atrapalham as crianças a lidarem com a pressão. “Tentamos colocar na cabeça da criança que é o amor com o que ela faz aquele trabalho e cria aquele personagem que vai fazer o trabalho ficar bacana”. Nesse sentido, Marques dialoga com Carolina Dantas, que acredita na importância de que o desejo das crianças de seguirem uma carreira artística seja acompanhado por pais responsáveis que ajudem seus filhos sem procurar nenhum tipo de realização ou satisfação com o trabalho da criança, sabendo dos limites da exposição, pressão e cobranças.

O caso da atriz Jennette McCurdy, que interpretou a personagem Sam no seriado iCarly da Nickelodeon, foi um exemplo de um caso extremo de abuso parental com uma estrela mirim. De acordo com livro publicado pela própria atriz, não era seu desejo permanecer atuando, porém, sua mãe a induziu a continuar trabalhando no ramo. Outro exemplo recente do cenário brasileiro é o caso da atriz Larissa Manoela, que optou por abrir mão dos valores conquistados ao longo de sua trajetória como atriz mirim para ter autonomia na gestão da própria carreira na idade adulta. Larissa Manoela deu entrevista ao Fantástico em agosto de 2023 para revelar que estava abrindo mão de todo o patrimônio que acumulou em 18 anos de carreira por causa de uma briga com o pai e a mãe.

foto com fundo colorido, com atriz sentada em uma poltrona no centro da imagem usando um casaco colorido.
Jennette McCurdy – Wikimedia Commons

Trabalho de adulto?

A psicóloga Carolina Dantas observa que, na rotina do trabalho artístico infantil, crianças podem ter dificuldade para separar o personagem delas próprias. Mas Markus Marques, como diretor de teatro, afirma que a criança é capaz de interpretar papeis mais complexos, tendo a permissão dos pais e com todos os cuidados com a prática da atuação adequada à idade, “Não vejo a criança condicionada a um trabalho lúdico”, defende.

Cartaz do filme Entrevista com o Vampiro. Reprodução Wikipedia.

Um exemplo mundialmente famoso de conflitos na relação entre atrizes mirins e os papeis que interpretam é o do filme Entrevista com o Vampiro, de 1994. Durante uma cena, a atriz Kirsten Dunst, à época com 12 anos, encenou uma semana de beijo com Brad Pitt, que tinha 31 anos. No contexto da obra artística, a cena fazia sentido e tinha um motivo, mas relacionamentos entre meninas de 12 anos e homens de 31, por lei, são considerados criminosos. É nesse sentido que Carolina Dantas alerta que o trabalho como atriz mirim , pode causar danos em uma mente em formação.

Silvia Bernardes Rossi, procuradora e coordenadora regional da Coordinfância , defende que crianças só devem interpretar aquilo que estão autorizadas a assistir. Para ela, o desenvolvimento da criança e do adolescente deve ser prioritário, não podendo menores de idade serem expostos a situações vexatórias humilhantes ou incompatíveis com a idade e condição de pessoas em desenvolvimento.

“O que diz a lei?”

O trabalho artístico infantil segue as mesmas restrições do trabalho infantil comum. São elas: proibido para menores de 16 anos e para adolescentes entre 16 a 18 anos, salvo o trabalho noturno, perigoso, penoso, insalubre ou em serviços incompatíveis com a formação moral do adolecente. No entanto, trabalhos artísticos realizados por menores de 16 anos podem ser concedidos mediante autorização judicial.

Para haver a permissão, avalia-se se a participação do jovem é imprescindível na atividade, se haverá o desenvolvimento artístico da criança ou adolescente, os parâmetros de proteção, como a exigência da matrícula e frequência escolar, respeitando o horário de aula. Além disso, é indispensável o acompanhamento dos pais ou de um curador que observe se a prática não vai desencadear um prejuízo moral ou psíquico.

Dessa forma, qualquer conduta que viole os direitos e deveres previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e que ameace os termos da autorização judicial, estará sujeito a punição. A pena é cabível aos responsáveis legais, ao contratante e à equipe, de acordo com Silvia Bernardes Rossi, procuradora e coordenadora regional da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (oordinfância).


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Mariele Ferreira

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