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Uma vista panorâmica de um estúdio ou escritório aconchegante e eclético, com prateleiras de madeira repletas de livros, discos de vinil, plantas e diversos objetos decorativos. No centro, há uma bateria, um teclado e percussão dispostos em um palco. Uma mesa de escritório com livros e canecas está em primeiro plano, com uma cadeira marrom à frente dela. A iluminação é quente e convidativa.
O cenário detalhado do "Tiny Desk Brasil", com instrumentos e uma vasta coleção de itens pessoais.

Tiny Desk Brasil: quando o escritório vira palco

Projeto estreia no país e prova que autenticidade e intimidade são a chave  para transformar performances da música brasileira

O programa Tiny Desk é hoje um dos formatos de maior sucesso da internet e está chegando ao Brasil. O nome do projeto, que se traduz como “Mesinha/Escrivaninha,” trata da essência da performance ao vivo, íntima e orgânica, gravada em um espaço pequeno e descontraído, com o objetivo de valorizar a música na sua forma mais genuína. O projeto da NPR (National Public Radio), uma rede de rádio pública dos Estados Unidos que produz notícias e programação cultural, traz a ideia de contrastar com os grandes palcos e produções elaboradas em que os artistas costumam se apresentar. O Tiny Desk os coloca em um espaço pequeno e improvisado, muitas vezes com músicos tocando os instrumentos de forma acústica ou em versões semi-acústicas das suas músicas. Essa proximidade com a plateia (que normalmente é composta por funcionários da NPR) e a ambientação de escritório garante uma experiência única e pessoal, focada puramente na música e na performance do artista.

Desde seu início, em 2008, o projeto se tornou um fenômeno global e as participações são marcos na carreira de muitos artistas que passaram por lá. O Tiny Desk já recebeu uma lista impressionante de artistas de diversos gêneros, que vão do hip-hop ao jazz, pop e rock. Nomes como Adele, Taylor Swift, Mac Miller, Anderson .Paak, Alicia Keys, e até já recebeu brasileiros como Milton Nascimento, Seu Jorge e Liniker.

Em maio de 2025, o governo de Donald Trump anunciou o corte de recursos federais para a NPR e a PBS, o que levou ao fechamento da CPB (Corporation for Public Broadcasting). Essa decisão gerou boatos na mídia de que o Tiny Desk seria encerrado, que logo foram desmentidos em stories do Instagram. Bobby Carter, produtor do Tiny Desk, garantiu que o projeto não será descontinuado em seus posts na mídia social. “Ouvi de muitos amigos, familiares e espectadores que estão preocupados de que a NPR/Tiny Desk está fechando. Não está”, confirmou ele. “Peço a todos que apoiem a Public Media e façam doações. Agradeço todas as ligações e mensagens. Elas têm sido emocionantes e tocantes”.

Em meio a rumores de encerramento ou descontinuidade, foi anunciado que o programa passaria a ter uma versão oficial brasileira, a partir de 7 de outubro. No Instagram oficial do projeto o anúncio da estreia foi feito: O Brasil se tornou o terceiro país do mundo, fora dos Estados Unidos, a ter uma versão própria licenciada do Tiny Desk (depois do Japão e da Coreia do Sul). O projeto é liderado pela Anonymous Content Brazil e pelo YouTube Brasil, com a curadoria artística sendo feita em colaboração com o produtor musical Amabis, mas com a supervisão final da própria NPR para garantir que a essência intimista e a qualidade do formato original sejam mantidas na versão brasileira. Quanto ao local de gravação, elas ocorreram no escritório do Google, em São Paulo, recriando o cenário de escritório que é a marca registrada do formato.

O logotipo do "Tiny Desk Brasil". À esquerda, um quadrado preto com um círculo branco no centro fazendo referência a bandeira do Brasil. À direita, as palavras "tiny desk" em fonte minúscula, com "BRASIL" em letras maiúsculas e sublinhadas abaixo, tudo em preto sobre um fundo branco.

Segundo dados do YouTube, O Brasil é o segundo país que mais consome o Tiny Desk no mundo, o que indicava um potencial e uma demanda, para uma versão local. O objetivo é valorizar a diversidade e a riqueza da música brasileira, dando uma vitrine internacional a artistas consagrados e também a novos talentos. Mesmo antes da versão brasileira, diversos artistas nacionais já tiveram o privilégio de se apresentar no Tiny Desk original, em Washington D.C., ou nas edições Home Concerts. Isso pavimentou o caminho para a versão local e mostrou o interesse internacional pela nossa música. A lista dos brasileiros que já participaram inclui Seu Jorge, Liniker, Rodrigo Amarante, Luedji Luna, que participaram do formato original, e também Milton Nascimento e Bebel Gilberto, que participaram do Tiny Desk Home, que ocorreu durante a pandemia.

O lançamento do Tiny Desk Brasil é uma oportunidade de ouro para que a música brasileira ganhe destaque e alcance públicos globais, mantendo o foco na performance e na autenticidade da música brasileira e também, que o formato que o Tiny Desk preza. 

Estreia com João Gomes e as brasilidades do formato

Um homem, com um chapéu estampado e camisa bege bordada, canta sorridente em um microfone.  Ao fundo, outros músicos são parcialmente visíveis, incluindo um homem de óculos escuros e cabelo crespo, um baterista e um músico tocando acordeão. O cenário é um estúdio com prateleiras cheias de livros e plantas.
Fernanda Carvalho/Divulgação Youtube

O episódio de estreia do Tiny Desk Brasil com João Gomes foi uma celebração do Piseiro e da cultura nordestina. O cantor pernambucano, conhecido por seus hits de sofrência dançante, transformou o escritório em um palco orgânico, apresentando sucessos como “Dengo” [00:54] e “Meu Pedaço de Pecado” [10:53] com arranjos um pouco diferentes, mas que só acrescentam mais musicalidade, e traz uma banda composta por sete músicos especialmente reunida para a ocasião. A performance destacou a versatilidade de João Gomes ao modificar um pouco a sonoridade eletrônica do piseiro para um formato mais acústico e pessoal, como ele mesmo disse: “O Tiny Desk aqui no Brasil vai ser diferente de qualquer lugar do planeta porque aqui a gente tem um calor diferenciado” [18:30], garantindo uma estreia autêntica e representativa para o projeto no país. João Gomes foi quase que uma escolha perfeita para estrear o programa, porque ele reforça a missão do Tiny Desk Brasil, de celebrar a diversidade e a riqueza cultural do país.

O segundo episódio, que foi disponibilizado dia 14 de outubro, conta com a presença de Metá Metá e Negro Leo, representa um ápice de experimentação e vanguarda. A performance é um encontro de linguagens que muda um pouco a expectativa do formato intimista, transformando a mesa de escritório em um uma espécie de laboratório sonoro. A vocalista Juçara Marçal, o guitarrista Kiko Dinucci e o baterista Sergio Machado (Metá Metá) se unem à irreverência de Negro Leo, resultando em um espetáculo que flerta com o jazz, a música afro-brasileira e um experimentalismo mais radical. Em alguns momentos, como nas letras que falam sobre a moral e a intolerância [07:10], a performance traz uma crítica social visceral, enquanto em outros, como em “Eu Não Me Importo com Você” [10:11], adota a poesia crua e o ruído, consolidando o “mesinha” como um espaço de celebração não só do popular, mas também do que há de mais ousado e complexo na música brasileira contemporânea.

O terceiro episódio é com Péricles, o cantor de samba e pagode, ex-membro do Exaltasamba e que continua encantando o Brasil com sua voz. Nada melhor para trazer uma essência de Brasil do que um pagode com banda ao vivo, e é isso que a participação do Pericão passa para quem consome. Péricles aproveitou para falar e relembrar os tempos de Exalta e agradeceu em especial a Jorge Aragão e todos que fizeram parte de sua carreira. Embalado nas letras românticas do estilo musical, a levada diferenciada que tem o pagode, e junto ao talento vocal único de Péricles, o episódio traz uma atmosfera confortável e acolhedora para os ouvidos, casando perfeitamente como a proposta do programa.

Uma banda de música brasileira se apresenta em um escritório ou estúdio repleto de estantes de livros, plantas e instrumentos musicais. O vocalista, Péricles, um homem negro de meia-idade com barba grisalha, está sentado no centro usando um casaco jeans, sorrindo e com os braços abertos. Ele está cercado por oito outros músicos, todos homens, a maioria vestindo camisas pretas, tocando bateria, violão, percussão e outros instrumentos.
Fernanda Carvalho/Divulgação Instagram

Lorena Calábria, jornalista musical e redatora do Tiny Desk Brasil, comentou sobre a participação: “Como transformar o Tiny Desk numa roda de samba? Quando Péricles entrou no nosso escritório, a resposta veio naturalmente. O conceito do programa, com pouco aparato tecnológico, remete ao início de sua trajetória artística.” “Vamos fazer aquilo que a gente aprendeu lá no começo: tocar educadamente, ouvindo o parceiro. Ainda hoje, essa é a premissa. E isso não vai se perder”, afirmou Péricles.

O lançamento do Tiny Desk Brasil tem tudo para se consolidar rapidamente como um marco crucial na valorização e exportação da diversidade musical do país. Ao replicar a filosofia da NPR de extrair a essência pura dos artistas em um ambiente intimista, a versão brasileira transcende a simples adaptação. O projeto pode vir a se estabelecer como um catalisador cultural, transformando o “escritório” em um palco democrático onde a riqueza das diversidades musicais brasileiras é destrinchada, celebrada e apresentada ao olhar do mundo, reforçando o Brasil como um polo inesgotável de talento e autenticidade musical.

João Paulo Profeta Lopes Passos

1 comentário

  • Matéria excelente! Texto muito bem escrito e de qualidade. Tema muito bem escolhido pois muitos brasileiros ainda não tem conhecimento.

    Parabéns ao aluno João Paulo