O acesso às telas (computador, tablet e celular) se tornou cada vez mais fácil em casas do mundo todo. Em virtude disso, crianças têm a oportunidade de se entreter e aprender por horas diariamente com o mínimo de esforço. Segundo levantamento da AVG Digital Diaries, divisão de pesquisa sobre tecnologia e infância da empresa AVG, 73% das crianças, com idades entre três e cinco anos, já sabem fazer uso de eletrônicos, mas grande parte ainda não sabe escrever o próprio nome.
Durante a primeira e a segunda infância acontece o desenvolvimento psicomotor, cognitivo e social da criança, como explica a neuropediatra Ellen Balielo Manfrim. A médica explica que o cérebro motor da criança se desenvolve através de estímulos e interações sociais, e o uso de telas prejudica esse processo. “A principal causa de doenças como déficit de atenção, atrasos cognitivos, impulsividade, hiperatividade, dá-se pela falta de estímulos ambientais ao cérebro. Graças a essa falta de estímulos, muitas crianças entram na escola já com déficit de atenção”, lamenta a neuropediatra.
A pesquisa “Associação entre tempo de exibição e as crianças”, publicada em 2019 pela JAMA Pediatrics, periódico científico focado em pediatria, mostrou que quanto maior o tempo de exposição às telas, pior o desenvolvimento cognitivo. Esse tempo pode influenciar a visão e a interpretação audiovisual, dificulta a oportunidade de desenvolver outras áreas do cérebro, praticar habilidades interpessoais, motoras e de comunicação.
Segundo a psicopedagoga Maibí Mascarenhas, o uso exagerado das telas pode ser motivo para o desenvolvimento de certos transtornos. “O excesso de telas pode gerar um transtorno real pré-existente que é o transtorno de dependência de telas. A ausência da tela para a criança representa uma crise semelhante à abstinência de uma droga”. A educadora também alerta para efeitos em longo prazo, como olhos ressecados, obesidade e isolamento.
A tecnologia como aliada
Para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), a tecnologia tem se mostrado uma grande aliada em seu desenvolvimento.
A psicopedagoga Maibí Mascarenhas relata que essas crianças “têm grande facilidade em compreender melhor informações pelo apoio visual. Há muitas pessoas com TEA que não são verbais, e elas conseguem se comunicar através dessas imagens digitais”. Ela menciona a existência de aplicativos específicos para diversas finalidades interativas e pedagógicas, como memorização e concentração.
Sobre esses aplicativos, Ellen Manfrim afirma serem “uma poderosa ferramenta de expressão para que aquele indivíduo faça parte do meio”, e indica o jogo Brainy Mouse, focado na alfabetização de crianças com TDAH ou autismo que busca estimular o desenvolvimento e autonomia da criança e criar oportunidades de desenvolver suas habilidades cognitivas.
Ela também cita o Colégio Pauliceia em São Paulo, que possui programas de inclusão “desenvolvidos para promover o atendimento de crianças e jovens que apresentam dificuldades de desenvolvimento e aprendizagem por causas diversas”. Para estudantes autistas, a escola oferece a utilização de tablets para a comunicação alternativa, com “um aplicativo de comunicação por símbolos chamado Snap Core First”.
Criando um filho sem telas
Mesmo com a possibilidade de manter os filhos conectados a eletrônicos constantemente, existem pais que preferem manter as crianças afastadas das telas durante os primeiros anos de vida. Raquel Viana faz parte desse grupo. Ela não permite que sua filha Manu, de pouco mais de um ano, passe qualquer tempo em frente às telas.
Segundo a mãe, o que motivou a atitude foi a qualidade do sono da criança “ela já não dormia muito bem, então fui pesquisar mais sobre o sono até que conheci alguns médicos explicando como isso [uso de telas] afetava a qualidade do sono também”. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças de até dois anos não sejam expostas às telas sem necessidade (nem passivamente).
A atitude da mãe é ideal ao considerar a idade da filha, apesar de outros pais considerarem o ato restritivo demais, segundo constata Raquel: “Falam que é frescura, que o filho até fala inglês e que aprendeu assistindo televisão. Conheço uma criança que tem mais de dois anos e até hoje não fala, acorda assistindo televisão e dorme assistindo televisão. Hoje vejo como isso é prejudicial”.
Mesmo em meio a críticas, Raquel se mantém firme em sua decisão e afirma que a filha é inteligente, sociável e amável. “Ela ama socializar. Todo mundo fica simpatizado assim com ela”.
Sem telas, o que fazer com as crianças?
A mais de um ano vivendo uma pandemia, as crianças têm muito mais tempo livre do que antes. Mantê-las entretidas longe das telas pode ser um grande desafio, e por isso Maibí Mascarenhas apresentou algumas dicas:
- Pense na faixa etária da sua criança. No que ela consegue fazer e no que ela pode desenvolver em termos de potencialidades.
- Determine o espaço que você tem. Se mora em apartamento, se mora em casa, se tem quintal, etc.
- Quem vai brincar com ela? Ela tem irmãos?
- Trabalhe os vários eixos: as artes, o desenvolvimento psicomotor, raciocínio lógico, habilidades emocionais, habilidades sociais, empatia.
- Algumas sugestões da psicopedagoga são: brincadeira com água, festa do pijama, guerra de travesseiros batendo à vontade, painel com uma pintura no chão usando tinta comestível para bebê. Para os maiores , jogos colaborativos, incluindo os competitivos. “É importante criar estratégias, saber ganhar e saber perder”.
A mãe Raquel Viana contou um pouco da sua experiência com sua filha Manu: “Dentro da nossa rotina, o que eu procuro sempre fazer é levar ela na pracinha, brincar, dar volta na rua, mexer com flor, com planta, isso a deixa mais feliz do que qualquer outra coisa”.
Maibí fala sobre a importância da presença de um responsável nesses momentos de brincadeira e aprendizado. Existe um universo de possibilidades no momento de escolher uma atividade, mas tem que ter alguém disposto a dar o exemplo e estimular. “Não é só falar pra criança sair do celular, é fazer com eles, acompanhar. Filho e aluno é processo, tem que estar junto”.
Matéria desenvolvida pelas estudantes Júlia Souza Ferreira e Veronica Izequiel para a disciplina Jornal Laboratório no semestre 2021/1.