Lançado em 25 de setembro de 2025, o álbum Vênus e Serena marca o primeiro álbum de estúdio (EHXIS) das gêmeas Tasha e Tracie. Este trabalho promissor carrega inúmeras referências de samples e história, distribuídos em 21 faixas.
Tasha e Tracie emergiram da periferia de São Paulo para se tornarem um dos nomes mais influentes e inovadores da cena do rap e da moda periférica brasileira. Conhecidas por sua força lírica, seu estilo ousado e a forma como transformam experiências pessoais e sociais em arte, as irmãs solidificam seu lugar no cenário nacional com o novo lançamento. O álbum não é apenas uma coleção de músicas, mas um manifesto ambicioso que mergulha em questões de resistência, afeto e a realidade da mulher periférica no Brasil.
O nome do álbum, Serena & Vênus, demonstra profundidade cultural e conceitual. É uma homenagem às irmãs tenistas negras Serena e Vênus Williams, nascidas em Compton, nos Estados Unidos. Elas não apenas partilhavam um sonho, mas se tornaram um símbolo de inspiração e referência ao superarem a falta de recursos e a rígida cobrança paterna, rompendo barreiras impostas a mulheres negras. As Williams foram campeãs do Grand Slam, os quatro eventos anuais mais importantes do tênis. Assim como elas, Tasha e Tracie se destacam em seu ramo, sendo amplamente reconhecidas pela força em suas letras e pela moda periférica que as representa.
Prólogo em intro “Tic Tac”
A jornada do álbum é aberta pela faixa “Tic Tac”, um interlúdio poderoso que traz a participação da apresentadora Helen Helene (TV Cultura). A narração de Helen remete diretamente aos programas educativos e inspiradores da televisão, como o Castelo Rá-Tim-Bum onde era uma figura que desenvolvia a imaginação de milhares de crianças.
Nesta introdução, Helen Helene narra a história das gêmeas com um tom fabular:
“Era uma vez: Duas pretinhas drakes Que vieram de um lugar assim, não tão encantado Mas elas só tinham a elas mesmas para dividir as lágrimas Aí minha irmã, buá, buá, ai minha irmã E também pra dividir as alegrias e comemorar, é Com as pedras que elas encontraram no caminho, elas criaram o seu castelo funk Nesse caminho, elas aprenderam, que nem tudo que parece ser é E que o mesmo veneno que mata, às vezes pode curar E até um relógio quebrado, está certo duas vezes ao dia Elas cresceram e se tornaram pretas, chefes Ah, importante… Importante, elas aprenderam que em São Paulo, o tempo e o jogo sempre viram”
Essa narração funciona como um ponto de partida conceitual que estabelece o tom reflexivo e a profundidade da obra, preparando para uma complexa narrativa que se seguirá.
Exploração sonora
Um grande destaque do álbum é a diversidade sonora, fugindo das limitações comuns no rap atual, onde muitos artistas se restringem a estilos como Detroit, Hard, Drill, Grime e Trap. As colaborações e a produção de Pizzol foram cruciais para essa amplitude, garantindo a variedade de beats.
Em notável fuga dos estilos mais comuns, o álbum transita habilmente entre o rap clássico, R&B e house contemporâneo, com uma sonoridade afro-diaspórica. Essa experimentação é notável em faixas como “Superstar” (com sua base House) e “Umami” (um R&B Lovesong). Em particular, a faixa “Simpatia”, com a participação de Liniker e produzida por Pizzol, exibe essa versatilidade que reforça a posição de Tasha e Tracie como artistas que consistentemente quebram expectativas e redefinem a cena.
O disco ainda conta com participações de peso como Liniker, Nati Fischer, MC Marks, Dona Kelly, Cecéu, entre outros.
Solidão da mulher em cárcere
No coração do álbum, as gêmeas Tasha e Tracie Okereke constroem uma história ficcional de alto impacto inspirada em suas vivências. Elas abordam um tema comum, mas negligenciado, do cárcere brasileiro: a solidão e o abandono da mulher do presidiário.
A narrativa é contada em capítulos, acompanhando a personagem que se apaixona por um bandido, entra para o crime e acaba presa. A jornada começa em “Check Mate”, onde a melancolia do ritmo sugere o pressentimento da queda. Em “Flor de Plástico”, ela começa a enxergar a dependência e o abandono no relacionamento, com versos de despertar como “Existe solidão no amor-próprio, mudar, mudei”.
O clímax emocional é atingido em “Interlúdio Neurose” e “Sem perceber”. No primeiro, ela relata a brutalidade da rotina na prisão e o arrependimento: “drogas, cela, ferida…minha mente não descansa”. No segundo, vem a revolta e o choque de realidade por se sentir literalmente sozinha, percebendo a desilusão do “corre” não compartilhado.“E depois que eu te segui, só me perdi, suas migalhas eram meu banquete, não percebi”. O ciclo de dor se fecha com o interlúdio “Segue o Baile”, que é como uma libertação da personagem e o incentivo para comemorar o recomeço.
Referências visuais e culturais
Cada escolha foi pensada com precisão, mostrando não só talento, mas também uma sensibilidade rara para transformar referências em narrativas.
A capa do álbum, assinada por Jota Guetto, é um ponto forte. A arte visual traz referência a cartas enviadas dentro de prisões, utilizando folhas de caderno escolares e caneta bic azul. Essa escolha visual também remete diretamente às cartas que as gêmeas recebiam de sua mãe na infância.
Serena & Vênus demonstra um trabalho impecável em todos os seus detalhes, do conceito à narrativa. Uma obra complexa que entrega força lírica e representatividade essencial, recompensando o ouvinte a cada imersão com novas camadas de reflexão e admiração. Este trabalho se consolida como a prova definitiva da relevância e da potência de Tasha e Tracie, estabelecendo-as como vozes incontornáveis na música brasileira contemporânea.
- Serena & Vênus
- Top Shottas
- Amina
- cRua
- A milhão
- Simpatia
- Check Mate
- Flor de Plástico
- Interlúdio Neurose
- Ce é loko (Interlúdio)
- Sem perceber
- To trampando
- Superstar*
- Carisma
- Segue o Baile
- Chefuxa
- Cara Fechada
- Eu Diria
- Dança
- Umami
Resenha produzida por Isadora Vianna.




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