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Ônibus de cor verde parado em um ponto de ônibus e prestes a arrancar, no ponto é possivél ler os dizeres: "A mídia está onde o publico está", e ao fundo da foto é possivel notar um céu limpo com algumas nuvens brancas e a copa de uma árvore esticando-se atrás do ônibus.
Foto: João Petronílio

Tarifa Zero: uma resposta para o transporte coletivo?

Propostas e revindicações do movimento Tarifa Zero podem revolucionar transporte coletivo em BH

Tarifa Zero BH é um movimento social que surgiu durante as manifestações de junho em 2013 e defende a implantação da gratuidade da tarifa e catracas abertas como primeiro passo para efetivar o transporte como um direito social. Não se trata apenas de não pagar pelo transporte público e, sim, da defesa de uma abordagem abrangente que envolve a qualidade, acessibilidade e eficiência nos ônibus.

Quem explica é André Veloso, que além de economista e pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é integrante do movimento Tarifa Zero. Veloso atua como assessor da deputada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Bella Gonçalves, e acredita que a tarifa zero é um passo importante para aprimorar o transporte público, além de ser uma ferramenta para democratizar o deslocamento pela capital mineira. Para ele, é preciso criar, com urgência, alternativas mais equitativas para financiar o transporte público e aliviar o peso da tarifa para a população.

Quem paga a conta ?

Segundo Veloso, hoje, em Belo Horizonte, o sistema de transporte é financiado exclusivamente pelas tarifas e pelo vale-transporte, o que resulta em uma alta regressividade na renda, com as pessoas mais pobres contribuindo de forma desproporcional para o financiamento do sistema. O Tarifa Zero propõe uma revisão na taxação do vale-transporte e um modelo mais justo, em que a arrecadação seria obtida por meio de uma taxa sobre os vínculos empregatícios.

Cada vínculo pagaria uma taxa de R$172,15 por mês, menos de R$5,60 por dia, mas com um desconto de nove vínculos empregatícios, portanto, as empresas e empregadores somente começariam a pagar esse valor a partir do décimo empregado, e somente contratantes com mais de 30 empregados gastariam mais dinheiro do que gastam hoje com o vale-transporte. Essa abordagem, segundo o pesquisador, reduziria o peso financeiro sobre as camadas mais desfavorecidas da população e os usuários cotidianos.

O que a gente precisa é ampliar a capacidade da superintendência de mobilidade urbana em controlar o sistema, fazer uma nova licitação e cancelar as que vigoram na cidade, pra gente conseguir ter controle, baratear o transporte e conseguir que o sistema público seja eficiente, de fato.

André Veloso, integrante do Tarifa Zero
Foto: João Petronílio

O Tarifa Zero propõe também uma mudança na forma de remuneração das empresas, passando a ser por quilômetro rodado e controlado pelo poder público, a fim de resolver alguns dos principais problemas do transporte coletivo, como o excesso de lotação, o alto custo das passagens e a inconsistência dos horários de chegada dos ônibus aos pontos.

O desafio do Tarifa Zero

André Veloso também explica que existe um problema na forma atual de concessão do sistema de transporte público em Belo Horizonte, que dá muito poder às empresas de ônibus e dificulta o controle por parte do Estado. O novo sistema proposto pelo Tarifa Zero busca reformular essa abordagem, garantindo que o poder público tenha maior influência e capacidade de controle, incentivando a prestação de um serviço mais eficaz. Na proposta da nova remuneração, o usuário paga apenas a taxa pelo transporte, sem inclusão de valores relacionados à manutenção ou abastecimento dos veículos.

O pesquisador conta que para implementar a tarifa zero em Belo Horizonte seriam necessários recursos substanciais, estimados em R$2 bilhões, além de retirar a receita tarifária das mãos das empresas e transferir o controle financeiro para o poder público, o que poderia gerar uma maior supervisão sobre a qualidade dos serviços prestados. 

Quantos são os pagantes ?

Só no primeiro semestre de 2023, foram em média 22.262.104 usuários diários utilizando o ônibus como transporte coletivo em Belo Horizonte, com o pico sendo no mês de março, que totalizou média diária de 26.695.177 usuários.

Segundo o site da BHTrans, Belo Horizonte tem 2.578 ônibus compondo a frota total em 2023, número que serve a 22 milhões de usuários. Levando em consideração que os ônibus que circulam a cidade têm entre 40 a 60 assentos, multiplicando a quantidade de veículos pela máxima quantidade de assentos possíveis, ainda assim, seria necessário que cada ônibus fizesse142 viagens pela cidade para transportar seus passageiros sem a lotação do veículo. Eis um exemplo prático dos problemas de gestão que atualmente vigoram em relação ao transporte coletivo de Belo Horizonte.

O ciclo vicioso da tarifa

Para Letícia Domingues, pesquisadora de mobilidade urbana e integrante do movimento Tarifa Zero BH, a proposta do movimento é de um modelo mais redistributivo e que não seja vinculado à tarifa pública, quebrando a tendência de um ciclo vicioso da tarifa, ou o ciclo vicioso do aumento de tarifa, quando ocorrem aumentos no valor da tarifa dos ônibus em decorrência de uma diminuição do número de passageiros do transporte.

A pesquisadora relata que o fenômeno é percebido nos últimos anos por conta do financiamento majoritário do transporte público por parte dos passageiros, com a cobrança da tarifa e com a perda de usuários, seja por valores excessivos nas tarifas, ou migração desses para outros meios de transporte como motos e carros. Assim, a tendência é que o preço da passagem só aumente.

Durante a entrevista, a pesquisadora mencionou que, ao longo dos últimos 10 anos, o movimento Tarifa Zero, tendo em vista a pauta principal da democratização da cidade e garantia do direito ao transporte dos cidadãos, vem atuando com protestos e abaixo-assinados. Além disso, o movimento também atua em demandas das periferias e incidências no poder legislativo contra os aumentos tarifários e a busca de mais qualidade para o transporte público como um todo.

Letícia Domingues

Em um estudo para a Fundação Rosa Luxemburgo com especialistas na área do transporte e do direito à mobilidade, elaborado por Letícia Domingues, foi calculada a contribuição necessária para a gratuidade do transporte aos trabalhadores da cidade e redução tarifária para os demais pagantes da passagem. O custo seria de 3% da remuneração anual das empresas com 10 ou mais funcionários. Para garantir essa gratuidade a nível nacional, seriam necessários 6,7% da remuneração atual das empresas com mais de 10 funcionários.

2024 é o ano da solução ?

Letícia Domingues, cita, ainda, na proposta de emenda constitucional, a PEC 25/2023, da deputada Luiza Erundina do PSOL, um possível caminho para a implementação da gratuidade da tarifa.

Em síntese, a proposta de emenda visa garantir, na prática, a inclusão do transporte como direito social, com a gratuidade da tarifa e a revisão da tributação que incorpora o preço tarifário. A PEC propõe a obrigatoriedade do Estado ser responsável por fornecer a livre circulação sem a cobrança de tarifa do usuário do transporte público coletivo urbano, transferindo a responsabilidade tributária para a União, a ser paga pelo empregador, pessoa física ou jurídica, pelos Munícipios e distrito Federal, e também pelos proprietários de veículos automotores de qualquer natureza.

Outros projetos de lei que dialogam com o tema da gratuidade da tarifa e para revisão do modelo organizacional do transporte público brasileiro são:

Embora o caminho para a tarifa zero em Belo Horizonte seja desafiador, segundo os entrevistados, essa proposta que oferece soluções para os problemas do transporte coletivo já vem ganhando espaço em todo o país. 

O que a gente tá tentando fazer, como sociedade civil, na medida das nossas capacidades é uma mudança de marco normativo maior do que foi o vale-transporte na década de 80, que foi a última grande mudança na forma de financiamento do transporte coletivo, e isso é uma coisa muito grande e difícil de fazer. Mas, ao mesmo tempo, existe um efeito demonstração, um efeito dominó, e quanto mais municípios adotam mais outros municípios podem adotar, portanto, a tarifa zero tá na ordem do dia para ser debatida nas eleições municipais de 2024.

André Veloso, integrante do Tarifa Zero

Para continuar se informando sobre o transporte público de Belo Horizonte, escute também:

Ouça também o podcast Papo de Busão, com histórias de quem usa o transporte público em BH:

João Petronílio

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