“Você é só uma ponte. A história não é sua. Você tem que emprestar os seus ouvidos e a sua gentileza. Repórter é uma ponte. […] E a premissa era sempre: ‘o outro vale muito mais do que você, porque a história é do outro’.” O autor dessa frase é reconhecido como um dos maiores repórteres cinematográficos do Brasil, mas foi para a filha que Saulo Luiz disse isso, um conselho para a pessoa que mais se inspira nele, a jornalista Tábata Poline, hoje repórter do Fantástico.

De onde surgiu a vontade de ser jornalista? Na escola. Pelo incentivo de uma professora, Tábata se tornou ajudante de biblioteca e, nesse ambiente, veio o interesse maior pela leitura e escrita. “Eu coloquei aquilo na minha cabeça por causa dessa professora, eu comecei a escrever meus próprios jornaizinhos, apresentava meus jornais para os meus primos, só que, conforme eu fui crescendo, eu fui entendendo que aquele era o universo do meu pai“, conta Tábata. Já na adolescência, começou a entender que escrevia bem, gostava de comunicação e nutria o sonho de se tornar repórter, porém, a realidade estava distante.
Refém da própria competência
Mesmo com obstáculos surgindo no caminho e um semestre de atraso, Tábata se formou e começou a trabalhar com assessoria de imprensa. Até que uma oportunidade freelance de apenas um mês na Globo virou um contrato.
Quando foi contratada pela TV Globo Minas, voltou para a PUC Minas, onde já tinha se formado em Relações Públicas e para ter o título também em Jornalismo. Dentro da emissora trabalhou na produção, em jornais locais e em jornais de redes, logo, o seu sonho estava bem perto de se realizar. “Quando eu entrei lá, eu lembrei que eu queria ser repórter. Só que entre lembrar e a realidade teve um uma lacuna enorme, né? Porque eu não falava como repórter, eu não me visto como repórter, não me comporto como repórter no que se diz daquele modelo padrão, né? Do que se espera de um repórter”.
Foi aí que Tábata começou a entender que aquilo que todos diziam ser fraqueza, era na realidade sua maior força, ser periférica, ter tido pouco acesso, ser pobre, nunca ter viajado para o exterior ou ter aprendido outros idiomas. “Vamos fazer uma pauta sobre o Enem, eu ia numa escola pública conversar com a galera que trabalhava o dia inteiro, estudava ao invés de ir num cursinho caro. E isso começou a reverberar na audiência, e aí eu apresentei um projeto para minha chefia, porque eu queria apresentar um quadro no jornal, no MG1, para falar o que a favela tem, porque eu ficava muito exausta de ver o lugar que eu cresci sendo retratado de uma maneira completamente equivocada. […] E esse projeto foi negado seis vezes”.
Com a desculpa que não queriam “perdê-la” na produção, Tábata se viu refém da própria competência, pois, como boa produtora, talvez não a deixariam experimentar outras funções. “Mas, ainda assim, a gente sabe que é um recorte de raça também. E eu comecei a ver que nos outros jornais, de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, os produtores estavam indo para a rua com os repórteres cinematográficos para fazer matéria”.
Nessa percepção ela viu a oportunidade de fazer igual, o que deixaram, mas avisando que não havia repórter cinematográfico para mandar junto. Tábata recorda que respondeu: “Eu faço sozinha.” Ela sabia filmar, havia sido treinada pelo pai e feito muitas horas extras não remuneradas para aprender a cadeia produtiva, para que conseguisse cavar oportunidades. E foi sendo essa profissional multitarefas, produzindo, gravando e fazendo a primeira etapa da edição que Tábata criou suas videorreportagens. O público respondia, pois, na avaliação dela, as reportagens “performavam muito bem de audiência, e eu ainda conciliava essas videorreportagens com meu trabalho habitual de produção e não tinha oportunidade de ir para a reportagem, o meu projeto sobre favelas era negado na sequência”, conta.
A força do discurso
Quando questionada sobre o conteúdo que mais a marcou, Tábata citou diversas reportagens emblemáticas, entre elas, a cobertura da tragédia de Brumadinho, quando foi a primeira jornalista a sobrevoar a cidade.
Mas o que realmente fez diferença para ela foi uma reportagem sobre alcoolismo, em 2018, doença que atropela a família de Tabata há muitas gerações. “O que me marcou mesmo foi a primeira videorreportagem, e foi sobre alcoolismo, né? […] E quando eu tive que escolher um assunto, meu pai falou: “Por que a gente não faz sobre isso? Vamos fazer sobre isso.” Eu falei: “Tá certo.” É uma boa, porque as pessoas são marginalizadas e menosprezam o impacto do álcool.”
De acordo com Tábata, esse conteúdo que a marcou tem inúmeras falhas técnicas. Entretanto, tornou-se uma videorreportagem premiada. “E aí vem o meu principal aprendizado, que foi uma coisa que meu pai falou. Você pode ter a técnica mais bonita, o melhor equipamento, a melhor equipe, que o que vale numa reportagem é a força do discurso, é o que está sendo dito.” Essa primeira matéria traz a quebra de imposições, desafios e o entendimento que Tábata era capaz de produzir um bom conteúdo. “Então, quando a gente conseguiu colocar aquela primeira videorreportagem no ar, foi como se eu tivesse entendido que eu consigo sim, eu sei fazer sim. É às vezes eu revisito esse trabalho, sabia? Para poder lembrar desse começo.”

A ânsia por dar mais visibilidade à favela
Tábata Poline concretizou o seu trabalho como repórter no programa Rolê nas Gerais. Foi ali que viu o seu sonho de mostrar, pela televisão, a realidade e as mais diversas formas de arte e cultura que estão na periferia. Uma forma de mostrar um público que, em geral, só aparecia nas telas da pior forma.
Eu não tô dando voz para ninguém não, todo mundo tem voz. O programa só ampliou uma voz que só era ouvida ali dentro […]
Tábata Poline
A jornalista conta que o Rolê nas Gerais é uma espécie de megafone para berrar a dor e a revolta, transformando-as em coisas positivas “Eu acho que, daqui a 50 anos, se alguém me perguntar ‘o que que você mais amou fazer na sua vida?’, eu vou continuar respondendo que o Rolê nas Gerais está no top três, porque eu consegui conciliar um objetivo profissional, que era me tornar repórter, [com o de] berrar as coisas que me incomodavam no mundo.”
Com o olhar atento às discussões raciais e sociais, Tábata tem o dom de evidenciar essas causas na mídia. “Quando eu mostrava a Juntai, lá na Vila Leonina [região Oeste de BH], eu mostrei, por exemplo, o Inácio com o Arautos do Gueto, eu estava mostrando coisas que as pessoas ignoravam que existiam”, conta Tábata Poline.
A gente fez tudo com muito vigor, e o Rolê nas Gerais é o projeto da minha vida. Hoje eu sou repórter do Fantástico graças a esse programa. […] Então, o Rolê é para mim o modelo do jornalismo como ele tem que ser feito.
Tábata Poline
Com a consolidação do programa e com a resposta positiva do público, Tábata estava em um bom momento e preparada para dar novos passos.

Fantástico
Depois de sentir que o projeto de sua vida tinha se consolidado, Tábata Poline tinha o desejo de alcançar um novo objetivo: ser repórter do Fantástico. Para ela, a vantagem de estar bem posicionada no âmbito profissional e estratégico para a empresa, que entendia novos perfis de comunicadores, fez com que a ida para o Rio de Janeiro se tornasse rápida e efetiva. Com a habilidade de se conectar com as pessoas e ter apuração precisa, Tábata logo se destacou na redação.
A versatilidade para cobrir desde grandes reportagens investigativas até pautas emocionantes ou problemas corriqueiros contemporâneos a tornou uma voz essencial no programa. “Porque eu trabalho num programa, que é um programa super ético e super correto, assim, se vocês forem observar as matérias do Fantástico, são umas matérias com abordagens corretíssimas. ”Movida pela curiosidade e pelo compromisso com a verdade, ela transformou cada matéria em uma oportunidade de ampliar o olhar do público, consolidando-se não apenas como uma repórter talentosa, mas como uma jornalista que entende o poder das histórias bem contadas.
Conteúdo produzido por Diana Camilo, Isabella Silva, Sophia Peixoto, Stefani Ariel e R.Henrique na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. O monitor Wallison Gois auxiliou na edição digital.
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