Ádison Ramos é repórter da InterTV, afiliada da Rede Globo no interior do estado do Rio de Janeiro. Em entrevista ao Colab, ele contou como é a experiência de ser um homem gay assumido no meio do jornalismo de TV, narra sua trajetória, os desafios superados e aqueles ainda a superar.
Como você começou a trabalhar no jornalismo?
Eu tenho 12 anos de jornalismo de TV, sempre trabalhei em televisão. Não era muito meu objetivo principal, eu tinha outras metas, como trabalhar em revista, mas o primeiro estágio que eu consegui foi em TV e eu gostei, peguei um carinho pelo meio. Ao longo do tempo, entrei pra redação, fui me estabelecendo e nunca mais saí. Comecei a trabalhar muito cedo, meu primeiro contrato para trabalhar na TV foi assinado pela minha mãe, eu só tinha 17 anos.
Entrei na faculdade com 16 anos, não era minha intenção. Venho de uma origem bem humilde e não tinha dinheiro para pagar um pré nem faculdade particular, não imaginava que conseguiria entrar tão cedo. Despretensiosamente fui fazer o vestibular e fui muito bem na redação, isso subiu minha média e me deu a chance de pegar a bolsa de 100% do Prouni. Não tinha nem ideia de qual curso ia colocar lá. Um amigo me convenceu a ser jornalista por eu escrever bem e eu decidi me matricular.
Você já entrou no curso assumido? Como foi esse processo para você?
O bom de ter entrado cedo na faculdade é que eu pude vivenciar muitas coisas diferentes. Embora tenha tido minha primeira experiência com 14 anos, eu não entendia muito bem eu mesmo e o que tinha acontecido, então, não estava assumido quando entrei na faculdade. Além disso, vim de uma família evangélica, e isso cria amarras na gente, que é difícil de soltar.
A faculdade é um local de descoberta e de criação de muita independência, eu estudava de noite, saía tarde e voltava pra casa às 23h, isso me fez criar autonomia e viver muita coisa. Não saberia dizer exatamente quando me assumi, mas eu tive o meu primeiro namoro com outro homem quando tinha 19 anos e, na época, ainda era muito tabu.
Em algum momento existe uma vontade de revelar o seu papel para o teatro social.
Meu melhor amigo na faculdade era hétero, ele me levava pra sair com a galera dele, ficava com meninas de vez em quando, mas em algum momento senti uma necessidade de asumir um papel social. Por mais resolvido que você esteja com si mesmo, em algum momento existe uma vontade de revelar o seu papel para o teatro social, e isso é tanto para mostrar como você quer ser visto, mas também uma questão de militância. Estar assumido é uma forma de resistência.
Eu estava quase terminando a faculdade, meu salário tinha acabado de cair, era uma sexta-feira, eu pedi uma pizza, o dia foi ótimo, aí, enquanto a pizza não chegava, eu chamei os meus pais e contei que era gay. Meu pai teve uma resposta muito boa, ele normalmente reproduzia muita homofobia e machismo, mas quando eu falei ele me deu muito apoio. Minha mãe foi meio reticente, mas com o tempo ficou tudo bem. Eu já tinha falado com minha irmã mais nova, de 12 anos, falei também antes com umas tias. Não sabia exatamente qual seria a resposta dos meus pais, então, falei que tinha chance de eu ser expulso de casa e elas falaram que me receberiam se fosse caso, mas acabou indo tudo bem. Sou muito privilegiado nesse sentido, minha família apoiou bastante e isso foi ótimo.
E fora de casa, como foi sua convivência geral e, especialmente, no meio jornalístico, sendo gay?
Atualmente, eu trabalho em um local que me aceita completamente. Não só em relação a minha sexualidade mas também por eu ser gordo, não estou em um padrão de beleza estético, e isso não é um empecilho em minha vida, onde estou. Eu tive experiências ruins no primeiro lugar em que eu trabalhei, era uma empresa cristã. Eu passei por episódios de homofobia bem difíceis que provocaram cicatrizes bem fundas e até hoje me machucam, mas fico feliz porque consegui superar e não desistir.
Me colocaram limitações por ser gay, tive que entrevistar parlamentares homofóbicos que me falavam coisas horríveis com a câmera desligada.
Me colocaram limitações por ser gay, tive que entrevistar parlamentares homofóbicos que me falavam coisas horríveis com a câmera desligada. Teve essa vez que fui entrevistar um pastor, que era muito envolvido com política, sobre uma PL, acho que era sobre kit-gay, mas eu não lembro. Quando acabou a entrevista, ele me disse atrocidades, e foi na época que eu tinha acabado de me assumir para a minha família. Eu voltei para o carro e chorei muito. O cinegrafista que foi comigo me ajudou e me consolou. A partir do momento em que eu vivi aquilo, eu percebi meu espaço no mundo.
Com o tempo, a gente adquire maturidade e, atualmente, se escutasse aquilo, não me sentiria da mesma forma. Mas com 20 anos foi muito pesado, fiquei muito frágil. Isso me fez entender que não poderia continuar trabalhando lá, usei isso como “motorzinho” para ir além e hoje estou em um local que me acolhe.
No dia a dia, sempre tem o preconceito, os olhares, aquele “viado”, especialmente se você cobrir política. Eu recebo mensagens homofóbicas nos bastidores, mas isso não me atinge mais. Se alguém usa minha sexualidade para me atacar eu não vejo validade na fala da pessoa, até dá uma raiva, mas não cultivo o ódio.
Existe um senso de comunidade entre pessoas LGBTQIA+ no jornalismo?
Sempre teve. Tem muitas pessoas da comunidade no jornalismo, assim como tem muitas pessoas da comunidade na comunicação. Eu adoro quando algum homem fala “meu marido”, ou uma mulher sobre a esposa na TV, porque isso vai naturalizando, e é isso que a gente precisa, naturalização. Eu lembro do Erick e o Pedro falando um sobre o outro no Bom dia Rio e isso é ótimo, um apresentador gay falando da mesma forma como um apresentador hétero.
A gente vive num país muito homofóbico e muito transfóbico, o Brasil é o país que mais mata trans no mundo. A luta tem que continuar. Mas pra quem sabe o que é ser LGBTQIA+ desde os anos 90, ainda naquela clandestinidade, ver isso aparecendo no meio tradicional da mídia dá muita felicidade. Existe uma conexão muito forte entre nós da comunidade, a gente se olha e se reconhece. Até aqueles que não conheço pessoalmente, a gente se ajuda, comenta no post um do outro, se faz presente. Esse senso de comunidade é essencial, não só no LGBTQIA+ mas também no nosso bairro, escola. Enxergar o outro e pensar: ‘, ele tá aqui por mim, e eu tô aqui por ele também’.
Qual dica você gostaria de dar para jovens jornalistas LGBTQIA+?
As regras e técnicas do jornalismo continuam as mesmas independentemente da sexualidade, cor e origem do jornalista, mas a produção jornalística é extremamente afetada pela vivência do criador. A gente sabe que precisamos ser imparciais, mas quem nós somos reflete no produto. Ser uma pessoa humana, aberta e empática é necessário para escrever um bom texto. Nenhuma narrativa é rasa, a gente precisa saber mergulhar na fala e na vida do outro para saber como escrever sobre ele. Nem sempre a fala agrada a gente, mas talvez, no fundo da fala, depois de uma análise, a gente consiga encontrar uma reflexão importante, que merece mais foco e cuidado.
Eu não acho que devemos romantizar o trabalho, mas se você quer ficar na produção jornalística e ama o jornalismo, você tem que pensar no outro para realizar o sua produção, você recebe críticas e comentários ao longo do caminho, e é necessário escutá-los e analisar a fundo o que tirar disso, não importa quem você seja. O canal de empatia é essencial. Se você não quiser tentar entender o outro, esse trabalho não é para você. Temos que buscar conhecimento e buscar ter cuidado com a vida das pessoas, especialmente a dos marginalizados. Fazemos esse trabalho para quem é pobre, para quem é oprimido, o jornalismo é feito para dar voz àqueles que são silenciados.
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