O avanço econômico da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), liderado pelo setor industrial, trouxe grande fluxo de pessoas em busca de prosperidade e uma vida próxima à capital. Esse crescimento populacional exagerado demandou a ocupação de novas áreas e a construção de habitações. Assim, o crescimento rápido e desordenado da cidade ocupou regiões que não deveriam ser habitadas, como margens de rios, encostas de morros e áreas de preservação, gerando sérios impactos para o meio ambiente e a qualidade de vida dos moradores.
Para Charles Pimenta, geógrafo pela PUC Minas, o crescimento de grandes condomínios, como os de Nova Lima e Lagoa Santa, exemplificam o impacto negativo dessa urbanização acelerada. Apesar de serem classificados como empreendimentos de luxo, muitos desses condomínios resultam em desmatamento significativo. “Bairros de Nova Lima como o Vale dos Cristais e Vale do Sereno, por exemplo, transformaram-se em um complexo de casas e prédios, eliminando grande parte da vegetação nativa, perdendo a biodiversidade remanescente da Mata Atlântica”, aponta
Além do crescimento populacional
No segundo semestre de 2024, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) tem enfrentado uma série de preocupações ambientais, destacando-se os incêndios criminosos, que liberam grandes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera. Esses eventos não apenas agravam as emissões de poluentes, mas também prejudicam a qualidade do ar e a fertilidade do solo, impactando diretamente a saúde da população e a biodiversidade local. A Defesa Civil da capital mineira, já previa um aumento nas ocorrências de incêndios devido às altas temperaturas, ondas de calor, baixa umidade e longos períodos de estiagem. No entanto, a ação humana vem sendo a principal causa dos incêndios florestais.
De acordo com o portal G1, dados da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) revelam que foram concluídos 687 procedimentos investigativos relacionados ao crime de “provocar incêndio em mata ou floresta” (Art. 41 da Lei de Crimes Ambientais) entre janeiro e setembro deste ano, houve um crescimento de 98% em relação a todo o ano de 2023. Durante o mesmo período, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) conduziu 216 pessoas em ocorrências relacionadas a incêndios, com 76 delas especificamente por crimes em áreas de florestas.
O desmatamento e a degradação ambiental são fatores principais que agravam essa situação. A perda de vegetação nativa impacta diretamente os ciclos da água e do carbono, intensificando os períodos de seca e alterando os padrões de precipitação. Na RMBH, em especial, isso é particularmente grave em áreas de Cerrado e Mata Atlântica. A ausência de cobertura vegetal compromete a disponibilidade hídrica e torna o solo mais vulnerável à erosão e a deslizamentos de terra, especialmente em áreas inclinadas. Quando a vegetação é removida, a água escorre rapidamente, adquirindo velocidade e capacidade de mover a terra, colocando em risco a estabilidade das encostas e a segurança das comunidades vizinhas.
“Sem cobertura vegetal, você não tem água”, afirma Charles Pimenta. Segundo ele, quando a vegetação está presente, a água que cai sobre o solo se infiltra, abastecendo os lençóis freáticos, que alimentam rios e oceanos. “Esse ciclo é crucial, pois a evaporação da água favorece as chuvas”, defende. O uso ineficiente dos recursos hídricos também agrava o desequilíbrio climático.
Recentemente, a RMBH passou por um período de estiagem de 172 dias, quando o calor e a baixa umidade foram predominantes. Em 8 de setembro, Belo Horizonte atingiu recorde de calor para o ano, com temperaturas chegando a 36,8ºC, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). No fim da tarde, por volta das 17h, do dia 9 de setembro, após o segundo dia mais quente do ano, o calor e baixa umidade do ar deram espaço para a chuva. De acordo com Climatempo, as próximas semanas devem manter o nível de precipitação prevendo céu nublado e pancadas de chuvas durante o período da tarde e da noite.
Desequilíbrio climático e microclima
As causas da mudança no clima são tanto de origem local quanto global, resultando de uma combinação de fatores interligados. No caso específico da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a alteração do microclima está diretamente ligada à transformação da paisagem natural e à intensificação das atividades humanas.
Um exemplo claro é o fenômeno das ilhas de calor, causado pela substituição de áreas verdes por superfícies impermeáveis, como asfalto, concreto e edificações. “Essas superfícies absorvem mais calor durante o dia e o liberam lentamente à noite, o que eleva as temperaturas em áreas urbanizadas em comparação com regiões periféricas ou rurais”, afirma Mayra Siqueira, coordenadora da pós-graduação em Emissões Atmosféricas e Mudanças Climáticas da PUC Minas. Esse calor retido na atmosfera local intensifica a sensação de calor e contribui para um aumento geral nas temperaturas médias.
A expansão urbana e industrial também desempenha um papel crucial. O crescimento desordenado dessas atividades aumenta as emissões de gases de efeito estufa (GEE), seja pelo maior uso de combustíveis fósseis em veículos e máquinas, seja pelo aumento do consumo de energia elétrica. Esses gases estão diretamente ligados à elevação das temperaturas médias e à intensificação das mudanças climáticas. “O crescimento do número de veículos e a consequente elevação da poluição atmosférica também agravam as condições climáticas”, completa a coordenadora. A poluição não só contribui para o aumento das temperaturas, mas também retarda a formação de chuvas, além de intensificar fenômenos como a chuva ácida, que prejudica tanto o solo quanto a saúde pública.
Também a exploração de recursos minerais na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) desempenha um papel significativo no aumento das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Conhecida por sua forte presença no setor siderúrgico e por diversas áreas de extração mineral, a região enfrenta sérios desafios ambientais decorrentes dessas atividades. O uso intensivo de combustíveis fósseis em maquinários e veículos, além das explosões para a extração de minérios, resulta em emissões substanciais de gases. “Processos industriais, como o beneficiamento do minério de ferro, são grandes fontes de emissão de dióxido de carbono (CO₂), que, em alta concentração, retém calor e contribui para o aumento da temperatura da região”, afirma Mayra Siqueira.
O crescente consumo de energia elétrica pelas indústrias, frequentemente proveniente de fontes não-renováveis, agrava ainda mais esse cenário de emissões. Além do impacto no ar, essas atividades afetam também os recursos hídricos, consumindo grandes volumes de água e, em muitos casos, contaminando rios e aquíferos. Os desastres ambientais recentes, como o rompimento da barragem em Brumadinho, intensificaram os efeitos negativos no ecossistema local. Esses eventos não apenas contribuíram para o desequilíbrio climático, mas também aumentaram a frequência e a severidade de fenômenos climáticos extremos, como secas e enchentes. Os rejeitos de minério de ferro deixaram os rios Doce e Paraopeba com leitos mais estreitos e menos profundos, permitindo a rápida disseminação de lama tóxica durante as enchentes, o que traz riscos de contaminação e insegurança hídrica em áreas rurais e urbanas, conforme aponta relatório da Agência Câmara de Notícias.
Além dos impactos diretos, a pressão das mineradoras sobre áreas de preservação em torno de Belo Horizonte é uma preocupação crescente. Essas empresas frequentemente fazem lobby para mudanças nas leis que permitam a exploração dessas regiões, que são cruciais para a cobertura vegetal e o abastecimento de água da capital e da região metropolitana, como a Serra do Gandarela, o Vale do Rio Paraopeba e o Vale do Rio das Velhas que se apresentam como fontes essenciais de água. Um exemplo dessa tentativa do setor privado é a empresa Mineração Geral do Brasil (MGB) que, conforme o Brasil de Fato, tenta desde 2019, emplacar um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a fim de obter para si uma fração da serra do Rola Moça, na RMBH.
Outro exemplo claro dessa pressão ocorreu em uma tentativa de liberar a construção de uma alça viária que poderia comprometer a área de captação de água da reserva do Cercadinho, um ponto vital para o abastecimento de Belo Horizonte. Segundo Charles Pimenta, durante o processo legislativo, uma emenda que permitia a construção de três grandes edifícios em uma área próxima ao BH Shopping foi descoberta a tempo de evitar a aprovação. “A sociedade se mobilizou, e a emenda foi retirada, salvaguardando essa importante área de preservação”, completa.
Desafios e responsabilidades
Para o geógrafo, o principal desafio na preservação ambiental da Região Metropolitana de Belo Horizonte é garantir o cumprimento das leis existentes. Ele ressalta a importância de que as normas de uso e ocupação do solo, que deveriam abordar a preservação ambiental, sejam debatidas e votadas nas câmaras municipais e na Assembleia Legislativa. “É fundamental que essa legislação, que também é de âmbito estadual, seja fortalecida para proteger a região metropolitana e combater a especulação imobiliária”, afirma.
Mayra Siqueira também destaca a urgência de uma mudança nas políticas públicas, tanto no campo ambiental quanto no planejamento urbano. “Sem incentivos para infraestruturas mais sustentáveis, proteção eficaz das áreas nativas e melhorias significativas na mobilidade urbana, é difícil vislumbrar avanços concretos na agenda climática”. Ela enfatiza que os governos precisam agir de forma assertiva, criando mecanismos que priorizem a sustentabilidade nas cidades e nas áreas rurais.
No setor privado, a responsabilidade é igualmente crucial. Empresas e indústrias devem adotar práticas sustentáveis com urgência, integrando eficiência energética, processos de descarbonização e economia circular em suas operações. A transparência e a comunicação dessas ações com o público são fundamentais para demonstrar um comprometimento real com a sustentabilidade e reforçar as iniciativas governamentais. “Sem essa colaboração, será difícil promover uma mudança significativa”, alerta Mayra.
A integração entre todos os atores, governos, empresas e sociedade, é indispensável. E isso se torna ainda mais evidente quando tomamos consciência de que temos apenas um planeta, e só uma chance de garantir um futuro sustentável. A hora de agir é agora, e cada passo dado em direção à sustentabilidade pode fazer a diferença”, Mayra Siqueira.
Esta é a segunda reportagem de uma série de publicações sobre a RMBH. Acompanhe no Colab PUC Minas os demais textos sobre o desenvolvimento econômico e a mobilidade urbana na região.
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