Estudantes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), quando pensam em Ministério Público, falam em leis ou no judiciário. Esta afirmação não o define 100%, visto que o Ministério não está no âmbito judiciário, nem cria ou altera leis. Entretanto, sua relação está correta, considerando seu envolvimento no funcionamento delas.
De acordo com cartilha disponível pelo próprio Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no site da Instituição, o MPMG foi criado para garantir a aplicação das leis, semelhante ao Instituto de Defesa ao Consumidor (Procon). A diferença é que o MP atua na proteção de direitos para causas coletivas, e abrange inúmeros assuntos, desde esportes, mineração, urbanismo e educação, até violência doméstica, racismo e direitos humanos.
Mais de 130 anos desde o seu surgimento, com a proclamação da República, sobrevivendo durante a Ditadura Militar e se renovando durante a Constituição de 1988, o Ministério Público hoje clama ser um símbolo da democracia brasileira, um órgão que representa a voz do povo, como é enfatizado nesta reunião do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
As áreas de atuação incorporam tanto a área civil e criminal, com as promotorias e procuradorias de justiça, quanto outros setores, que oferecem vagas para servidores públicos, como jornalistas, professores, publicitários, administradores, engenheiros, médicos, geólogos, designers e muitos outros.
Representatividade de Mulheres no MPMG
O machismo está estruturado dentro da sociedade e o Ministério Público está dentro desta sociedade”
Mônica Sofia, promotora do MPMG
Em uma Instituição que simboliza o povo brasileiro, é importante que os membros na cadeia de poder representem o próprio povo. No entanto, não é isso que ocorre na prática.
Um bom exemplo desta realidade desigual é observar os dados dos concursos para a promotoria de Minas Gerais. No 59º concurso foram 7.200 inscritos – homens e mulheres. Destes, 58 passaram para a última etapa, sendo 21 mulheres, representando 36% dos aprovados. Dentre as mulheres aprovadas, apenas duas são mulheres pretas, ou seja, apenas 3,44%.
Por que faltam mulheres em posições de poder no MPMG?
A desigualdade significativa na distribuição de homens e mulheres nestes cargos públicos, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é um fenômeno complexo e multifacetado, que diz respeito à existência de uma segregação vertical ou “afunilamento hierárquico”. Ele pode ser explicado através do conceito “teto de vidro”, que segundo o Ipea, isso acontece mesmo em setores onde a seleção para cargos públicos é por meio das provas de concurso, as mulheres têm menos chances de serem nomeadas para as posições mais elevadas.
A falta de acesso é causada por estruturas sociais que naturalizam a desigualdade entre homens e mulheres e criam barreiras para o avanço das mulheres nas carreiras, especialmente para as mulheres de grupos historicamente marginalizados. Para o estudo, essa falta de representatividade nos cargos de poder pode desencorajar outras mulheres a seguir carreiras na área. Também a falta de referências femininas em lideranças podem reforçar a ideia de que as mulheres não são adequadas para esses cargos.
Segundo o relatório disponibilizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de 2018, desde a Constituição de 1988, os dados relativos aos cargos de Procurador-Geral e de Corregedor-Geral apresentaram que 13.3% eram de mulheres, e 86.7% de homens ocupando os cargos. No ano de 2021, o último concurso concluído para ingressar na carreira no MPMG, foram aprovados 45 candidatos, destes apenas 17 foram mulheres, representando 7,65% dos aprovados. Dentre as mulheres aprovadas, apenas uma é negra, sendo apenas 0,17%.
De acordo com os dados disponibilizados pela Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), atualmente há 1.368 promotores e procuradores em atividade pelo MPMG. Destes, 611 são mulheres (cerca de 44%). Em 2023 a entidade de classe divulgou que em 70 anos, participou da diretoria e conselhos da Associação Mineira, 47 mulheres, e pela primeira vez em 2022 uma mulher se tornou a presidente da entidade.
A pouca representatividade nessas cadeias do setor público também gera uma questão de desigualdade salarial no Brasil. De acordo com a Lei Complementar nº 116/2011, o salário inicial de um promotor de justiça é de R$ 30.404,42, o que é um valor bastante elevado em comparação com outras profissões no setor público e privado. Em um ambiente majoritariamente dominado por figuras masculinas cisgênero e brancas, o que isso diz sobre a desigualdade no país?
O problema não se limita à representação. A promotora de justiça, Mônica Sofia, revela que, em 2023, as mulheres do MP ainda buscam seus direitos como lactantes. Tudo isso enquanto navegam em um ambiente de trabalho machista e marcadamente patriarcal.
Elas pelo MPMG
O “Elas pelo MPMG”, é um coletivo de promotoras e procuradoras de justiça que nasceu por meio da pesquisa “Cenário de Gênero”, realizada pela Comissão de Planejamento Estratégico (CPE) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 2017. O objetivo era discutir dentro do Ministério Público a representatividade feminina. A tese foi a primeira a discutir sobre o assunto.
De acordo com Maria Clara Azevedo, promotora de justiça do MPMG e idealizadora do projeto, o “Elas pelo MPMG” surgiu após a pesquisadora perceber que mesmo com tantos avanços teóricos, não havia realmente público feminino inserido em posições de poder.
Apesar de existir esse discurso de que ‘as mulheres estão dominando o mundo’, isso não existe, e em muitas instituições, eu não via nada disso na prática”.
Maria Clara Azevedo
Segundo a promotora, a pesquisa inicial surgiu para ter dados para começar a refletir e discutir melhor sobre o número de mulheres dentro do Ministério Público, não só no de Minas Gerais, como em todo o Brasil. Para colocar em prática as discussões dentro da instituição, eram necessários inicialmente ter esses números e uma perspectiva de mulheres já existentes.
Colhemos os dados com colegas de todo o Brasil para saber quantas mulheres havia entre promotores e procuradores, quantas estavam em cargos de poder. Percebemos que não só havia menos mulheres no corpo do Ministério Público, mas quanto mais olhamos para os cargos maiores, de administração, mais diminuía a quantidade de mulheres”.
Maria Clara Azevedo, promotora de justiça do MPMG
Maria Clara percebeu que, na época, quando começaram a colher os dados que precisavam para a pesquisa, nenhum Ministério Público do Brasil tinha algum informações sobre o número de mulheres que representavam o órgão público. “Não sabiam nem quantas mulheres estavam em seu corpo, quanto menos discutir sobre o assunto. Como iam fazer isso se nem os dados tinham? Era claro a falta de preocupação com a representatividade”, afirma.
Segundo a pesquisadora, quando a tese foi concluída, foi constatado que só havia três estados do país que tinham mais mulheres sendo representadas na instituição. No restante, a maioria eram homens.
A promotora de justiça Maria Clara Azevedo explica o nome do projeto de pesquisa “Santa de Casa Não Faz Milagre”. O nome faz uma crítica à própria estrutura do MP.
#CADÊASMULHERESMPMG
Com a discussão mais efetiva sobre a representatividade, também surgiram dentro do âmbito do Ministério Público medidas para facilitar a inclusão de minorias na instituição. Confira as principais dos últimos anos.
Apesar das adversidades, observa-se uma perspectiva positiva no futuro do Ministério Público. Como apontado pela promotora Mônica Sofia, a voz de protesto das promotoras e procuradoras de justiça já se difere do modo como acontecia 20 anos atrás.
Reportagem produzida por Daniel Domiciano, Maria Júlia Nascimento e Pedro Barros para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital, no semestre 2023/1, sob supervisão da professora Verônica Soares da Costa.
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