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Qual a relação entre insulina e emagrecimento?

“Canetas emagrecedoras” demonstram resultado na perda de peso mas têm função vital para diabéticos

Comumente utilizada no controle glicêmico, médicos começaram a perceber que pacientes que faziam uso de insulina também perdiam peso durante o tratamento do diabetes. A partir disso, estudos clínicos confirmaram esse efeito, e a semaglutida passou a ser pesquisada como uma alternativa para o tratamento da obesidade. Ozempic, Rybelsus e Wegovy são medicamentos originalmente indicados para o tratamento do diabetes tipo 2, mas ganharam relevância nos últimos meses devido ao uso no emagrecimento. Os três atuam imitando o hormônio GLP-1, aumentando a saciedade, retardando o esvaziamento gástrico e diminuindo o apetite.

A Wegovy foi a primeira versão aprovada voltada à perda de peso, nos Estados Unidos, em 2021 e no Brasil, em 2023. Já o Ozempic, embora não tenha aprovação formal para emagrecimento, começou a ser amplamente utilizado, fora da bula, com esse objetivo.  A farmacêutica EMS, produz os primeiros análogos de GLP-1 desenvolvidos e produzidos no Brasil, em agosto de 2025 lançou a caneta totalmente brasileira para o tratamento contra obesidade, a chamada Olire, que tem como princípio ativo a liraglutina, também agonista GLP-1.

O impacto no mercado foi significativo devido à demanda por esses medicamentos, que explodiu após celebridades começarem a usá-los e divulgá-los. Muitos médicos passaram a prescrevê-los inclusive para pessoas sem diabetes. O interesse aumentou ainda mais com a divulgação de estudos e reportagens que apontam uma perda de peso significativa, superior a 15% em alguns casos (como aponta o estudo STEP 1Semaglutide Treatment Effect in People with Obesity). No entanto, o uso voltado para fins estéticos provocou escassez dos medicamentos, prejudicando pacientes diabéticos que dependem deles.

Ozempic e Rybelsus estiveram em falta em farmácias no Brasil e em outros países ao longo de 2025. Isso levou a mudanças nas normas de venda no Brasil a partir de junho: agora, as farmácias e drogarias devem reter a receita médica para a venda, medida similar àquela já aplicada para a venda de antibióticos.

Com o sucesso desses medicamentos, a Novo Nordisk, empresa responsável pela fabricação dos três já citados, viu suas ações dispararem e se tornou uma das farmacêuticas mais valiosas do mundo. Diante do cenário, agências reguladoras como Anvisa, FDA e OMS emitiram alertas sobre o uso desses medicamentos sem indicação médica. Sociedades médicas brasileiras também publicaram notas reforçando que esses remédios não devem ser utilizados com finalidade estética sem acompanhamento profissional.

Entre os efeitos colaterais mais comuns do uso desse tipo de medicação estão náuseas, vômitos, constipação e dor abdominal. Há também risco de hipoglicemia, especialmente quando combinados com outros medicamentos, além de casos raros de pancreatite e problemas renais. Outro ponto de atenção é o reganho de peso após a interrupção do tratamento, além do risco de desenvolvimento de distúrbios alimentares e problemas psicológicos com o uso descontrolado.

De acordo com Marcio Lauria, médico endocrinologista, membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – Regional Minas Gerais, embora Ozempic, Rybelsus e Wegovy tenham eficácia comprovada no auxílio ao emagrecimento, são medicamentos sérios, que apresentam riscos e efeitos colaterais. “[o uso] tem que ser feito com muita supervisão médica, com muito cuidado em saber qual medicamento utilizar, porque pode ser que tente compensar uma situação e acabar piorando outros aspectos no paciente”. 

Sobre o diabetes

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, atualmente existem mais de 13 milhões de pessoas no Brasil vivendo com a condição, o que representa 6,9% da população nacional. O diabetes é uma doença resultante da produção insuficiente ou da má absorção de insulina, hormônio responsável por regular os níveis de glicose no sangue e fornecer energia ao organismo. A insulina desempenha a função de converter as moléculas de glicose (açúcar) em energia, essencial para a manutenção das células do corpo. Quando não há um controle adequado, o diabetes pode levar ao aumento da glicemia (nível de glicose no sangue), e níveis elevados podem resultar em complicações que afetam o coração, as artérias, os olhos, os rins e os nervos. Em casos não tratados, a doença pode ser fatal. 

A prevenção do diabetes se faz por meio da prática regular de atividades físicas, da adoção de uma alimentação saudável e da evitação do consumo de álcool, tabaco e outras substâncias. Hábitos saudáveis não apenas previnem o diabetes, mas também outras doenças crônicas, como o câncer.

Quadro comparativo de sintomas do diabetes tipo um e dois. Fonte: Reprodução Gov.br

A desinformação pré e ao receber o diagnóstico representa um desafio grande que impacta a vida de muitos pacientes, principalmente os que não estão cientes dos fatores de risco associados à doença, como obesidade, sedentarismo e histórico familiar, o que pode levar a um atraso no reconhecimento dos sintomas iniciais. A falta de compreensão pode resultar em diagnósticos tardios, aumentando o risco de complicações graves. Além disso, ao receber o diagnóstico, muitos pacientes se deparam com uma avalanche de informações contraditórias sobre a convivência com a doença, incluindo orientações sobre dietas, medicamentos e a importância do monitoramento regular da glicemia.

Essa confusão pode gerar insegurança, dificultando o tratamento e a implementação de hábitos saudáveis. A ausência de informações claras e acessíveis pode levar a decisões inadequadas no adequamento a condição, agravando a situação. Assim, a educação eficiente e o suporte contínuo ao paciente são cruciais para capacitá-los a gerenciar sua condição de maneira eficaz, possibilitando a conscientização sobre o diabetes. Iniciativas de conscientização e programas de educação em saúde são essenciais para assegurar que os pacientes tenham acesso às informações necessárias, permitindo que possam tomar decisões informadas sobre seu tratamento e estilo de vida.

É o caso de Ádane Laíza, enfermeira, paciente diabética tipo um (Dm1) que recorda que, aos 11 anos, recebeu apenas a instrução “você não pode comer doce”, sem explicações adequadas sobre sua condição. A carência de profissionais especializados é evidente, com muitos pacientes adquirindo conhecimento apenas em consultas particulares, enquanto outros se sentem mais informados que os médicos do SUS. 

Acesso aos insumos para controle de diabetes 

O Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, garante acesso gratuito a medicamentos essenciais para o controle do diabetes, incluindo insulinas (NPH – ação intermediária- e Regular) e alguns antidiabéticos orais, como a metformina e a glibenclamida. Além disso, pacientes cadastrados podem receber insumos como tiras reagentes, lancetas e seringas, conforme protocolo clínico e faixa etária.

Essa estrutura oferecida pelo SUS é fundamental para o tratamento dos 13 milhões de brasileiros que vivem com diabetes. Mas, apesar de sua importância, o sistema enfrenta limitações significativas. Muitos pacientes relatam dificuldades no fornecimento regular de medicamentos, longas filas para consultas com endocrinologistas e a ausência de medicamentos mais modernos, como as insulinas análogas (de ação rápida ou ultralenta) e fármacos mais recentes, como a semaglutida (Ozempic/Wegovy), que não são oferecidos pelo SUS. 

No dia-a-dia, entre compromissos e pausas para o café, elas estão sempre por perto — discretas, confiáveis e essenciais. Para quem vive com diabetes, essas canetas são parte fundamental do tratamento. Foto: sriram bala / Flickr.

Tecnologias avançadas, como bombas de insulina e monitores contínuos de glicose, permanecem inacessíveis devido aos altos custos. A esperança de Mariana Queiroz, microempresária, também paciente diabética tipo um (Dm1), por melhorias está em propostas como o PL 2687 (para mais informações, clique aqui), que poderia ampliar o acesso a insumos e tecnologias. Como pacientes entrevistados destacaram, ter diabetes no Brasil ainda é uma jornada solitária, mas mudanças nas políticas públicas podem fazer a diferença.

Essa lacuna no acesso a tratamentos mais eficazes pode comprometer o controle glicêmico e aumentar o risco de complicações associadas à doença. Pacientes que optam por esses medicamentos na rede privada enfrentam altos custos mensais, que muitas vezes são inviáveis sem um plano de saúde ou recursos próprios. Em contraste, em países como os Estados Unidos, o acesso a tecnologias mais avançadas no tratamento do diabetes é mais comum e amplamente disponível. Isso inclui bombas de insulina, monitores contínuos de glicose (CGMs), canetas de aplicação com dose ajustável e uma variedade maior de medicamentos modernos, como os inibidores de SGLT-2 (proteína que desempenha um papel crucial na reabsorção de glicose nos rins) e os agonistas de GLP-1 (hormônio produzido no intestino em resposta à ingestão de alimentos).

Contudo, mesmo nesses países, o tratamento pode ser extremamente caro sem seguro de saúde, e pacientes chegam a pagar centenas de dólares por mês apenas por insulina, além de custos adicionais quando utilizam tecnologias como CGMs, como contam relatos de vídeos que viralizaram em plataformas como TikTok, em que são comparados os gastos com os mesmos materiais na Brasil e nos Estados Unidos.

@eusarahmichelle #dueto com @@iamchloe.com Hoje sou eu mas amanhã pode ser você. #DefendaSUS #fyp ♬ Childish Gambino – This Is America / Post Malone – Congratulations – carneyval

Essa realidade evidencia a necessidade urgente de políticas públicas que garantam um acesso mais equitativo e abrangente a tratamentos eficazes para o diabetes, assegurando que todos os pacientes, independentemente de sua condição socioeconômica, possam gerenciar sua saúde de forma adequada e prevenir complicações graves, pois é esse tipo de programa que evita situações como a do vídeo abaixo, em que a mãe se encontra em desespero por não conseguir pagar nem um dia de medicação do filho.

@quebrandootabu fica a reflexão… #quebrandotabu #sus #diabetes ♬ som original – QoT

O acesso aos insumos e a possibilidade de que esses recursos estejam disponíveis apenas para pessoas com maior poder aquisitivo são questões críticas que afetam a qualidade de vida de milhões de brasileiros no tratamento do diabetes. Além disso, muitos pacientes relatam desabastecimento crônico de materiais básicos, como tiras para monitoramento glicêmico, o que compromete o controle da doença.

Na rede privada, é mais comum encontrar opções com insulinas análogas, uma forma modificada da insulina natural, com alterações em aminoácidos que alteram suas propriedades. Isso resulta na vantagem de menor risco de hipoglicemia e melhor previsibilidade. Para pacientes com diabetes tipo 1, as insulinas análogas são geralmente mais vantajosas, atuam nos receptores da insulina, sendo mais potentes do que o GLP-1 produzido pelo organismo.. Embora o GLP-1 seja um hormônio natural do corpo, seus agonistas são substâncias que se ligam ao receptor e têm efeitos biológicos.

O custo mensal com insulinas pode ultrapassar R$ 1.000, valor inacessível para a maioria da população. Essa situação é mais agravada pela procura crescente por esses medicamentos para os fins estéticos, o que resulta em escassez e dificuldade de acesso para aqueles que realmente necessitam. Tecnologias mais avançadas, como monitores contínuos de glicose e bombas de insulina, permanecem restritas a quem pode pagar planos de saúde “premium” ou pelo próprio financiamento, com valores que podem chegar a mais de R$ 5.000 por mês.

As consequências dessa elitização atingem principalmente pacientes de baixa renda que permanecem em tratamentos desatualizados, enfrentando maior risco de complicações, como cegueira e amputações, enquanto a parcela privilegiada da população tem acesso a ferramentas que melhoram a qualidade e a expectativa de vida. Segundo o endocrinologista Marcio Lauria, essa comercialização da saúde transforma o diabetes em uma doença social: “Quem tem mais condição financeira controla melhor, quem tem menos condição e acesso, controla pior”.

No relato de Luiza Carvalho, estudante, a vivência diária trouxe aprendizado:

Acredito que o SUS é uma peça-chave na vida das pessoas, apesar de, nos últimos tempos, o sistema estar dificultando o recebimento de medicamentos, com relatórios e restrições, principalmente. Muitas vezes, as doações de insumos são necessárias entre as mães de crianças diabéticas, já que os atrasos e a falta de materiais são regulares. Mas acredito na melhoria e em um acesso mais amplo para a população que necessita, com o fornecimento de insulinas avançadas e sensores de glicose, principalmente.

Como a maioria, Luiza Carvalho usava insulina NPH e Regular, com medição glicêmica na ponta do dedo (capilar), porém, hoje utiliza uma bomba de insulina automática, um recurso que, embora transformador, ainda é inacessível para muitos (imagens ilustrativas abaixo). O processo para obtê-la foi demorado, envolvendo processo jurídico, e caro. Outra opção é o Freestyle Libre – um sensor colocado na parte superior do braço, a partir do qual um leitor ou aplicativo digitaliza informações para fornecer leituras de glicose em tempo real – sendo também um dispositivo caro e elitizado.

Monitorar os níveis de glicose faz parte da rotina de milhões de pessoas com diabetes. Seja com o uso de glicosímetros tradicionais ou sensores modernos, o controle frequente ajuda a prevenir complicações e manter a qualidade de vida. Imagens via FreePik

Luiza Carvalho destacou o envolvimento da mãe, Luciene de Souza Carvalho, enfermeira, foi fundamental, já que ela sempre buscou pelos tratamentos e a ajudou a lidar com a doença. O apoio familiar, portanto, é fundamental.

Barbie diabética reforça valor da visibilidade

Tradicionalmente vista como um símbolo de perfeição e padrões inatingíveis, a Barbie, agora se transforma em um ícone que reflete a diversidade das experiências humanas, mostrando que a saúde e a tecnologia podem coexistir de maneira acessível e inclusiva, com a versão Barbie diabética.

@thet1dmama Thank you so much @mattel for this wonderful gift! You’ve made this little diabetes girl so happy!💙💙💙 #t1d #representationmatters #inclusivity #diversebarbie #t1dbarbie #diabetes #diabeticbarbie #barbie #diabetictoddler #type1 #t1d #type1diabetes #t1dmom #fyp ♬ What Was I Made For? (Epilogue) [Instrumental Version] – Mark Ronson & Andrew Wyatt

No Brasil, há muitas histórias e até jogos, criados pela Sociedade Brasileira de Diabetes, que visam conscientizar e retratar o dia a dia com o diagnóstico, usualmente voltados para crianças. Porém poucos são aqueles indivíduos inseridos em histórias e veículos populares, como Solange da novela Vale Tudo (remake), Globo, Junior nos quadrinhos da Turma da Mônica (especial 100 anos da insulina) e Geovani de Amor Sem Igual, da Record TV, que são alguns dos poucos personagens diabéticos no entretenimento brasileiro.

Barbie com diabetes tipo 1 / Reprodução Matel

A nova Barbie com diabetes tipo 1 não é representante só de um avanço na inclusão, mas desafia estereótipos associados à personagem, ao abordar a realidade de crianças diabéticas. Essa representação, ao mesmo tempo que promove a conscientização sobre a tecnologia no dia-a-dia do diabetes, levanta questões sobre a elitização dos recursos, evidenciando a desigualdade no acesso a cuidados de saúde.

Nesse viés, essa abordagem também pode ser vista como uma forma de elitização, onde a boneca incorpora elementos que podem não estar disponíveis para todos. A inclusão de dispositivos como medidores de glicose e bombas de insulina, embora educativa, pode reforçar a ideia de que o acesso a cuidados de saúde de qualidade é um privilégio.

Um projeto de lei, apresentado pelo vereador Pablo Almeida (PL), que propõe o fornecimento de medidores de longa duração pela Prefeitura de Belo Horizonte, em 07/08 foi aprovado pela câmara e em 02/10 sancionada pelo prefeito Álvaro Damião.

Luana Cadar

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