Em um país onde o esporte muitas vezes é visto como uma possível rota de ascensão social, como no casos dos medalhistas olímpicos Rebeca Andrade, Caio Bonfim e Rafaela Silva, os projetos sociais esportivos se destacam por transcenderem a simples formação de atletas e serem parte de movimentos de transformação social. Em Minas Gerais, iniciativas estão espalhadas pelo estado e têm desempenhado um papel fundamental na criação de oportunidades para jovens em situações de vulnerabilidade, promovendo inclusão, educação e cidadania em comunidades periféricas.
Exemplos de atletas profissionais bem sucedidos são emblemáticos de como o esporte pode transformar vidas, especialmente em anos olímpicos, quando essas histórias ganham mais visibilidade. No entanto, ainda que, para eles, o esporte tenha sido uma porta para um futuro promissor, inspirando jovens em todo o Brasil, existem lacunas significativas a serem preenchidas para que essas iniciativas alcancem todo o seu potencial.
Em Minas Gerais, programas como o Projeto de Extensão de Ginástica Artística da Universidade Federal de Minas Gerais e a parceria entre o Minas Tênis Clube e a Gerdau, que desenvolve um projeto social esportivo no interior do estado, são exemplos do impacto transformador do esporte. Essas ações, apoiadas ou não por empresas privadas, mostram como o esporte pode ser uma poderosa ferramenta de inclusão social, promoção da saúde, incentivo ao lazer e transformação na vida de jovens.
Participar de um projeto esportivo pode ser o momento mais esperado do dia para um dos beneficiados. É o meio de se reunir com os amigos, praticar atividades físicas, e, acima de tudo, a chance de escapar da vulnerabilidade social, caracterizada pela desigualdade e pela falta de oportunidades que afetam comunidades periféricas. As organizações se tornam, portanto, não apenas um momento de lazer e desenvolvimento físico mas, também, um refúgio.
Entretanto, a sustentabilidade e a efetividade dos projetos dependem de uma série de fatores interligados: a participação ativa das famílias e da comunidade, o apoio governamental, com a criação de políticas públicas robustas que garantam recursos para expandir seu alcance, além da própria estrutura, organização e desenvolvimento da iniciativa. Isso porque, sem incentivos governamentais adequados e uma estrutura sólida que sustente essas ações a longo prazo, os projetos continuam a enfrentar desafios significativos, impactando, desta vez de forma negativa, a vida dos jovens participantes.
Desafios estruturais e apoio governamental
No interior de Minas, programas como O esporte como ferramenta de inclusão social são exemplo do poder transformador para os jovens, oferecendo nova narrativa de sucesso e afastando-os da criminalidade. Sob a coordenação de Breno Ferreira, também responsável pelas Escolas de Esporte do Minas Tênis Clube, o projeto é uma parceria entre o Minas e a empresa Gerdau, atuando nas cidades de Itabirito e Ouro Branco, com mais de 280 crianças e adolescentes, dos quais 70% são oriundos do ensino público. Segundo o Coordenador, o principal objetivo é “oferecer uma nova perspectiva para os jovens, não apenas física, como também pessoal e social, dando a eles a oportunidade de ver um futuro diferente do que estão acostumados em suas comunidades”.
Todavia, nem todos os projetos esportivos em Minas Gerais desfrutam das mesmas condições estruturais e financeiras. A parceria entre duas grandes empresas do estado, especialmente o Minas Tênis Clube, por ser referência nacional no esporte, consegue garantir recursos fundamentais para a qualidade e o andamento das aulas. Dessa forma, a iniciativa conta com profissionais capacitados e qualificados, treinamentos e atualizações regulares, aquisição de materiais esportivos de qualidade e a implementação de um sistema de gestão especializado.
Por outro lado, muitas organizações menores, com projetos geridos por pessoas físicas ou entidades de menor porte, inspiradas pelo poder transformador do esporte, enfrentam outros desafios para se manterem ativas e conseguirem efetivar suas atividades. Luiz Soares, profissional de Educação Física, fundador e coordenador da Associação Buritis de Esporte e Cultura (ABESC), ilustra bem essa realidade. A iniciativa foi fundada em 2009 e atende cerca de 370 alunos no Horto Florestal, região leste de Belo Horizonte. Ele destaca que, apesar das dificuldades, a gratificação de manter um projeto esportivo vem do impacto positivo que ele gera na vida dos participantes.
Apesar do engajamento e da vontade de fazer a diferença, Luiz Soares também enfatiza a importância de políticas públicas para a sustentação de projetos sociais esportivos. A Lei de Incentivo ao Esporte, tanto em nível federal, quanto estadual, é uma das principais ferramentas que permitem que iniciativas como a ABESC se mantenham ativas, viabilizando o financiamento de atividades que, de outra forma, seriam inviáveis. No entanto, o coordenador aponta que ainda existem lacunas significativas na forma como essas políticas são implementadas. Muitas vezes, a burocracia excessiva e a falta de agilidade na liberação de recursos criam barreiras que dificultam a execução dos projetos e comprometem sua continuidade.
A burocracia mencionada por Luiz Soares, coordenador da ABESC, reflete um problema estrutural na forma como o esporte, assim como em diversas outras áreas, é tratado no Brasil. Processos administrativos excessivamente complexos e demorados acabam retardando o andamento de muitos projetos sociais, comprometendo sua eficiência e, em alguns casos, até sua continuidade. O tempo perdido com procedimentos burocráticos acaba impactando diretamente aqueles que mais dependem dessas iniciativas: os jovens em situação de vulnerabilidade.
Política para a transformação social
Segundo Luciano Pereira da Silva, pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para analisar as políticas públicas voltadas ao esporte dentro do estado de Minas Gerais, é preciso compreender como elas acontecem, de fato. Afinal, o estado e todo o poder público, mesmo em outras esferas da federação, pode executar uma política ou apoiar a política, ou ainda ser o indutor dessa política pública, o que implica em diferentes níveis de responsabilidade.
Ouça a explicação de Luciano Pereira sobre os modelos de apoio e financiamento:
Com base nessa análise, o professor Luciano Pereira da Silva destaca que, em termos de execução, o governo de Minas Gerais não apresenta muitos projetos esportivos realmente significativos. Contudo, para o especialista, o estado se destaca em políticas que induzem e apoiam a democratização do esporte, como o Bolsa Atleta, os Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG) e a Lei de Incentivo ao Esporte. Essas iniciativas são consideradas sólidas e bem estabelecidas, embora enfrentem desafios. Entre esses entraves, o professor aponta a “falta de clareza dos objetivos dessas políticas e o orçamento limitado, ou melhor, a ausência de um orçamento participativo”.
Eficácia e efetividade dos programas com vistas à transformação social
Sobre a primeira questão, Luciano Pereira da Silva observa que, muitas vezes, as políticas públicas voltadas ao esporte e lazer carecem de diretrizes bem definidas e objetivos claros:
Levando em consideração a explicação do especialista, essa falta de clareza impossibilita mensurar a eficácia das políticas públicas. Por isso, elas podem gerar ações desconectadas da realidade ou de curto alcance, tornando difícil avaliar o real impacto social, ainda que possam ser efetivas. Definir com precisão os propósitos das políticas é essencial para que se possa medir seus resultados e fazer os ajustes necessários ao longo do tempo.
No que se refere ao orçamento, Luciano Pereira da Silva destaca a importância de um maior envolvimento da população no processo decisório. Ele ressalta como o interesse público é relevante para a aplicabilidade das políticas, apontando que a participação popular deveria ser parte de todo o processo. Para ele, o interesse público é crucial para a efetividade, e a implementação de um orçamento participativo traria benefícios significativos ao permitir a inclusão da comunidade nas etapas de planejamento e execução. Isso garantiria que os recursos fossem alocados nas áreas de maior necessidade, resultando em ações que realmente atendam às demandas da população local.
Apesar disso, Luciano Pereira da Silva lembra que a construção de políticas públicas sólidas é um processo que demanda tempo e cujos resultados são mais visíveis no médio e longo prazo. Ele alerta que os desafios são complexos, mas afirma que as políticas esportivas em Minas Gerais têm se mostrado referências nacionais, tanto na forma como são geridas, quanto no impacto que geram na vida dos jovens atendidos. Essas políticas, embora ainda em desenvolvimento, têm contribuído de maneira significativa para a inclusão social e o fortalecimento do esporte como ferramenta de transformação no estado.
Entre sonhos e esportes
Na prática, o esporte tem sido uma via transformadora nas vidas dos jovens que participam de muitos projetos sociais em Minas Gerais. Breno Ferreira, coordenador do projeto em parceria entre Minas Tênis Clube e Gerdau, enfatiza que o objetivo principal é deixar um legado de educação e melhoria de vida para os jovens atendidos.
Embora o foco não seja a formação de atletas, ele também não descarta essa possibilidade, como demonstrado pelo exemplo de Beatriz Lima Moreira, uma jovem de 11 anos do projeto em Ouro Branco, que foi convidada a integrar as equipes de base de vôlei do Minas Tênis Clube em 2024. Este caso ilustra como o esporte social pode, em algumas situações, revelar talentos para o esporte de rendimento.
O esporte de rendimento não é a única forma de transformação social. Conforme o relato de Luiz Soares, coordenador da ABESC, a identificação de jovens talentos dentro de um projeto esportivo exige mais do que apenas um olhar atento. Esses jovens precisam de uma rede de suporte adequada para trilhar o caminho do esporte de alto rendimento, que demanda muita dedicação e disciplina.
A trajetória para se tornar um atleta profissional é árdua e a responsabilidade recai sobre a comunidade e as famílias dos jovens que almejam esse caminho. O envolvimento familiar é imprescindível, desde o incentivo ao sonho até a busca por recursos que tornem sua realização possível. No Brasil, a história da ginasta medalhista Rebeca Andrade é um exemplo emblemático de como esse sonho transforma não apenas a vida do atleta, mas também a de toda a família.
Conforme reportado pelo Globo Esporte em julho deste ano, Rebeca começou a treinar ginástica artística aos quatro anos, em um projeto social organizado pela prefeitura de Guarulhos, sua cidade natal. Apesar da origem humilde e das inúmeras dificuldades, a união e resiliência de sua família foram fundamentais para apoiar a jovem atleta. Seu irmão, Emerson Rodrigues, era responsável por levá-la aos treinos. Muitas vezes, sem dinheiro para a passagem de ônibus, eles percorriam quilômetros a pé, em uma caminhada que durava cerca de duas horas. Aos 15 anos, Emerson conseguiu comprar uma bicicleta usada, essencial para que Rebeca continuasse a treinar.
Essas ações conjuntas e sacrifícios em prol de um objetivo maior mostram como o apoio familiar é o motor que impulsiona trajetórias de atletas como Rebeca. Hoje, apesar das adversidades, incluindo lesões graves ao longo da carreira, ela conquistou o prestígio internacional e uma impressionante coleção de medalhas: duas de ouro, três de prata e uma de bronze em competições olímpicas.
Embora nem todos os jovens em projetos sociais sigam os passos de Rebeca Andrade, sua história não é única quando se trata de superar dificuldades em busca do sonho esportivo. No projeto de extensão de Ginástica Artística da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO) da UFMG, coordenado pela professora Ivana Montandon, essa realidade é vivenciada constantemente. Famílias e comunidades continuam sendo peças-chave para que sonhos como o de Rebeca se transformem em conquistas memoráveis.
O projeto recebe inúmeras crianças com o sonho de se tornarem ginastas profissionais, e muitas vezes suas famílias fazem grandes sacrifícios para fazê-lo possível. “Os pais e responsáveis se dedicam a atividades extras para que, ao menos, suas filhas tenham a oportunidade de competir”, relata a professora. O sonho de ser atleta, portanto, é compartilhado com a família, e só assim a dedicação diária faz sentido, fortalecida pelo apoio necessário para enfrentar os desafios dessa carreira.
Esse projeto de extensão é um exemplo de como a prática esportiva pode transformar vidas, proporcionando educação e inclusão para crianças, jovens e adultos. Em funcionamento há 30 anos, ele oferece aulas específicas de Ginástica Artística para diversas faixas etárias, com foco tanto na iniciação esportiva, quanto no alto rendimento. Atendendo estudantes da UFMG e a comunidade externa, o projeto se destaca por ser um espaço de aprendizado esportivo que vai além da prática física, como explica Ivana Montandon: “A ginástica artística é uma forma de desenvolvimento físico e mental, e nossa missão é proporcionar esse espaço para quem quer aprender, seja para lazer ou com o objetivo de competir”.
Esse projeto de extensão é um exemplo de como a prática esportiva pode impulsionar a transformação social e mudar vidas, proporcionando educação e inclusão para crianças, jovens e adultos. Em funcionamento há 30 anos, ele oferece aulas específicas de Ginástica Artística para diversas faixas etárias, com foco tanto na iniciação esportiva, quanto no alto rendimento. Atendendo estudantes da UFMG e a comunidade externa, o projeto se destaca por ser um espaço de aprendizado esportivo que vai além da prática física, como explica Ivana Montandon: “A ginástica artística é uma forma de desenvolvimento físico e mental, e nossa missão é proporcionar esse espaço para quem quer aprender, seja para lazer ou com o objetivo de competir”.
A iniciativa, embora não seja gratuita, oferece bolsas e descontos para tornar o acesso mais democrático. A coordenadora, assim como outras lideranças de projetos esportivos, enfatiza a importância de políticas públicas, como a Lei de Incentivo ao Esporte. Para ela, o apoio governamental, especialmente por meio de incentivos fiscais, é essencial para que projetos como este possam continuar funcionando e expandindo suas atividades. “O apoio do governo, por meio de incentivos fiscais, é fundamental para a continuidade e expansão do nosso trabalho. Sem ele, fica muito difícil manter a qualidade e a infraestrutura necessária”, ressalta.
Conforme enfatizado pela coordenadora, ao longo de três décadas, o projeto não apenas formou atletas, mas também cidadãos. Por meio do esporte, ele promoveu valores como disciplina, trabalho em equipe, resiliência e foco, que são úteis em todas as áreas da vida. Mesmo para aqueles que não seguem o caminho do esporte de rendimento, os benefícios são inúmeros. Para Ivana Montandon, que também foi ginasta da seleção brasileira, o aprendizado adquirido através da prática esportiva vai muito além da busca por uma carreira no esporte de alto rendimento. Ela defende:
Em muitos casos, esses projetos esportivos representam uma rede de apoio que vai além do esporte, oferecendo orientação, disciplina e uma nova perspectiva de futuro. Sendo assim, é fundamental reforçar a relevância de investimentos em políticas públicas para ampliação do acesso a atividades esportivas de qualidade para todos.
Ampliando olhares: Lei 780/2019
Por outro lado, é fundamental analisar a perspectiva governamental no que diz respeito à criação e manutenção das políticas públicas voltadas para o esporte, bem como os obstáculos enfrentados para torná-las mais eficazes. Nesse sentido, a questão dos investimentos esportivos ganham notoriedade durante grandes eventos que têm repercussão midiática, como os Jogos Olímpicos. Entretanto, fora desse período, as verbas destinadas ao setor tendem a sofrer cortes, e a burocracia dificulta o repasse de recursos para projetos sociais.
Em 2024, após cinco anos de tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o Projeto de Lei 780/2019, que aumenta a captação de recursos da receita líquida do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (veja aqui o que é ICMS) para empresas que patrocinam projetos esportivos no estado foi sancionado pelo Governo de Minas Gerais. O projeto, de autoria do Deputado Coronel Henrique (PL), eleva a captação de recursos de 0,05% para 0,15%. De acordo com o parlamentar, isso significa que o incentivo poderá aumentar de R$27 milhões, valor arrecadado no último ano, para até R$81 milhões. Conforme a Secretária de Estado de Desenvolvimento Social, Alê Portela, em 2023 para 2024 foram arrecadados R$26,5 milhões, o que permitiu o incentivo a 101 projetos e beneficiou mais de 22 mil pessoas.
Ainda segundo o Deputado, o investimento no esporte como política de inclusão é um meio capaz de transformar a vida de crianças e jovens, além de promover saúde e bem-estar, garantindo a eles o acesso ao esporte inclusivo e de desenvolvimento humano. “Fiquei confiante de que os recursos provenientes desta lei trariam impactos positivos para nossas comunidades, permitindo a realização de mais iniciativas esportivas e o fortalecimento de talentos locais”, ressalta o Coronel Henrique.
Pingos nos “is”
Apesar de avanços, como a recente aprovação da Lei 780/2019, que amplia a captação de recursos para o esporte, os desafios ainda são significativos, principalmente no que diz respeito à descentralização e à falta de apoio consistente para iniciativas fora dos grandes centros urbanos. Nesse cenário, o papel dos órgãos públicos é essencial, não bastando apenas o investimento financeiro.
Além disso, a contribuição das empresas privadas têm feito a diferença, seja por meio de patrocínios, investimentos ou parcerias que integrem responsabilidade social com desenvolvimento comunitário. Com base no posicionamento do Professor Luciano Pereira da Silva, entende-se que a sociedade civil também precisa ser mais envolvida, não apenas como espectadora, mas como agente ativa, cobrando e participando da formulação de políticas que deem sustentação a esses projetos. Afinal, a articulação dessas redes é o que possibilita que jovens permaneçam nos projetos por mais tempo, aumentando as chances de transformação de suas realidades.
Portanto, compreendeu-se que o esporte, quando bem direcionado, se torna um agente de transformação multifacetado: ele não só revela talentos esportivos, mas também contribui para a formação de cidadãos mais conscientes, saudáveis e integrados socialmente. Ao fortalecer e ampliar os projetos sociais esportivos, é possível que mais jovens, independentemente de onde estejam, tenham acesso a oportunidades capazes de mudar suas vidas. O investimento e apoio necessário perpassa por muitas esferas e não se trata apenas uma questão de responsabilidade social, mas sim uma aposta concreta no potencial de cada jovem que encontra no esporte uma nova chance de vida. Dessa forma, o esporte é uma poderosa ferramenta de mudança e pode ser o caminho para um futuro mais promissor para jovens.
Reportagem desenvolvida por Amanda Lopes, Maria Clara Rezende e Pamela Dias na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital, no semestre 2024/2, no curso de Jornalismo do campus São Gabriel da PUC Minas, sob supervisão da professora Verônica Soares da Costa
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