Com o objetivo de compreender a fundo a situação precária da educação brasileira em tempos de pandemia – em especial dos alunos do ensino médio – estudantes de Jornalismo de todo Brasil se mobilizaram e conceberam um projeto para o 12º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, do Instituto Vladimir Herzog.
Intitulado “Sonhos Adiados”, o trabalho foi vencedor do prêmio em 2020 e contribuiu para a divulgação da visão que os próprios alunos que iriam prestar o ENEM tinham sobre o sistema educacional.
Dentre os participantes deste projeto, está Guilherme Sá, da PUC Minas, um dos responsáveis pela concepção da ideia, do desenvolvimento da pauta e por um perfil sobre uma das alunas que viveu a mudança do ensino presencial ao EaD (Ensino à Distância), e que prestaria o ENEM.
Confira, a seguir, o perfil feito por Guilherme na íntegra.
Incertezas no Caminho
Texto e Entrevista por Guilherme Sá
Aos 12 anos, Sophia Beatriz Kurth Reckers saiu da pequena Angelina, no interior de Santa Catarina, para morar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O desejo era estudar em um bom colégio da capital para ter vantagens no vestibular de direito.
“Eu via que o meu sonho de trabalhar com direito ali nunca iria acontecer se eu continuasse naquela cidade”, comenta. Sair da casa da mãe e morar com a tia foi uma decisão que ela conta com naturalidade, hoje aos 17 anos.
Adaptar-se a novos lugares nunca foi problema para Sophia. Ela estava acostumada a constantes mudanças de endereço, por causa do trabalho da mãe que é bancária: “Perder amizades e fazer novas eu já estou habituada”. Para ela, sua facilidade de comunicação e a escola sempre tiveram um papel importante na hora de recomeçar.
O sorriso e gestos animados, que saltam à tela do computador enquanto conversamos, é de uma adolescente cheia de sonhos. Sophia relembra o tempo em que estava no segundo ano do ensino médio: “O melhor ano da escola pra mim. Eu sonhava que esse ano também seria maravilhoso”.
O ano de 2020 seria, de fato, único para a estudante. Após seis meses procurando emprego, ela conseguiu uma vaga de menor aprendiz. A felicidade foi enorme. Sophia começou a trabalhar no ambiente que um dia lhe será corriqueiro. A vaga que conquistou foi para o setor administrativo de um escritório de advocacia. Sua função é digitalizar os processos para o portal eletrônico, além de cuidar das planilhas de solicitações e envio de documentos.
A dinâmica de trabalhar e estudar ocupava a maior parte do seu dia, mas ainda sobrava tempo para suas atividades favoritas. Após o trabalho, era comum reunir-se com os amigos para sair, comer e, aos finais de semana, passear no parque Guaíba, uma extensa área verde de lazer em Porto Alegre. Hoje, ela sente falta dessa rotina.
Muitos amigos da escola Professor Júlio Grau desistiram de continuar a estudar. O descompasso do momento, a incerteza do futuro e o sentimento de frustração tomaram conta. Em nada lembra o início do ano cheio de planos para a formatura. “A gente pisou na escola já pensando nisso”, relembra.
O colégio público no centro de Porto Alegre é uma referência no ensino médio. No entanto, assim como outros do país, enfrentou dificuldades para seguir o cronograma escolar na pandemia. À medida que a quarentena avançava, o medo de Sophia crescia. O medo de não saber o que aconteceria, se iria se formar ou não. Essa insegurança era alimentada pelo descaso no ensino.
As atividades foram reduzidas a questões de múltipla escolha, enviados por e-mail ou WhatsApp: “Oito meses recebendo qualquer atividade que pudesse ser considerada como nota”, explica a estudante. Sem as aulas explicativas, ela acredita que a escassez do material didático é um problema. Isso fragiliza a sua ambição de se preparar adequadamente, para disputar uma vaga no concorrido curso de direito.
Após reivindicação dos alunos, alguns professores aderiram à plataforma de aulas online. A baixa adesão ao sistema pelos docentes, no entanto, comprometeu o sucesso. “Disponibilizaram alguns links, às vezes algum material de apoio. Mas foi a minoria”, relata Sophia. A situação melhorou no mês de novembro, quando o governo estadual do Rio Grande do Sul adotou o @educar, e-mail de acesso a plataforma Google Classroom, utilizada pela maioria dos professores. As aulas com duração de 40 minutos a uma hora são gravadas e enviadas para os alunos.
Sophia conta que, para suprir a necessidade de se preparar para a prova do Enem, a família decidiu custear um cursinho online. Porém, adaptar-se à metodologia foi um problema e ela desistiu no meio do ano. Agora, sua rotina de estudos inclui os tradicionais resumos e fichamentos, prática habitual antes da pandemia. Ela também tem acompanhado o “desafio cem dias”, lançado nas redes sociais por um pré-vestibular de Porto Alegre.
Sophia saiu de Angelina determinada a conquistar o sonho de ser advogada. Ela demonstra paixão por esse projeto de vida e pelos amigos. No momento, incomoda o sentimento de falta. A falta dos colegas, da escola e de visitar a mãe. Faz falta a rotina com horário apertado, levantar cedo e pegar o ônibus. Ela vive os dias entre a certeza do quer para o futuro e a incerteza de como chegar lá.
Para conferir todo o material do projeto “Sonhos Adiados”, clique no link: sonhosadiados2020.wordpress.com
Este material foi produzido no âmbito do
12º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão
Instituto Vladimir Herzog. São Paulo, Brasil, 2020