Cuidado com a Cuca! Mas calma, não é com a bruxa do Sítio do Pica Pau Amarelo, não! Cuca foi o nome carinhoso que a Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas (FCA) recebeu dos alunos do período da ditadura militar. Até hoje, a Cuca, atual FCA, é lembrada com afeto e respeito por quem viveu aqueles tempos e por quem ainda carrega o legado de coragem dessa época.
Por falar em coragem, um grande exemplo disso vem de um ex-aluno da FCA: o renomado jornalista Chico Pinheiro. Em suas aparições pela manhã, especialmente ao apresentar o Bom Dia Brasil, da TV Globo, Chico usava o bordão “coragem!”, que muita gente pensava ser uma fala apenas destinada a encorajar o público para o início do dia e da semana.
Mas o bordão, na verdade, remete à memória de um personagem que Chico conheceu enquanto estudante da FCA: dom Paulo Evaristo Arns, que foi paraninfo da turma de Chico e realizou um discurso emocionante, em plena ditadura. Então arcebispo de São Paulo, dom Paulo representava a luta do movimento democrático da Igreja Católica por Justiça e pelos direitos humanos, tendo sido um opositor da ditadura militar. Convidado por Chico e sua turma, viajou até Belo Horizonte para ser paraninfo e discursar na formatura. O bordão virou então um tributo e um modo do jornalista manter viva a memória de uma época de resistência.
Quando entrevistei Dom Paulo, ele sempre me chamava de afilhado e, com um sorriso, dizia: “coragem, coragem!” Isso ficou marcado em mim. Tanto que, nas segundas-feiras, quando apresentava o Bom Dia Brasil, eu começava dizendo: “Coragem, que hoje é segunda-feira!” Muita gente achava que era brincadeira, como se tivéssemos preguiça de trabalhar, mas, na verdade, era minha forma de homenagear Dom Paulo e suas palavras de incentivo.
Chico Pinheiro, jornalista e ex-aluno da FCA
Essas e outras histórias da FCA, como a razão das cores da pintura das pilastras do terceiro andar do Prédio 13, a prisão de cerca de 40 estudantes da faculdade por participarem de um congresso e a criação do jornal O Outro, como contraponto ao jornal Marco, são reveladas no podcast “Memórias da FCA: vivências universitárias na Ditadura Militar”, produzida como trabalho de conclusão de curso por estudantes de Jornalismo da PUC Minas.
Curiosidades e aprendizado
A produção revela que nunca temos a total dimensão da quantidade de curiosidade e aprendizado que pode ser descoberta sobre um lugar ao revisitar as memórias de quem vivenciou e ajudou a construir aquele espaço. Agora, 60 anos depois do golpe e 53 após a criação da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA), as histórias dessa resistência ganham vida na série de podcasts. Dividida em dois episódios – “Como Nasce uma Faculdade?” e “Resistência e Criatividade como Identidade da FCA” – a produção apresenta uma série de informações sobre a FCA durante o período autoritário até então pouco conhecida pelas novas gerações. Algumas são reveladoras até para quem é docente da universidade há mais tempo ou estuda o período da ditadura.
Construído por uma narrativa não linear, que revisita as memórias e os testemunhos dos entrevistados, o podcast tem início com a criação da faculdade pelo então reitor Dom Serafim e por um grupo de jovens profissionais da comunicação que queriam tornar a faculdade um oásis da liberdade em pleno período autoritário. O curso de comunicação da então Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG), que ainda não tinha o Pontifícia no nome, logo se destacou como um dos principais pontos de criatividade e resistência ao regime no campus Coração Eucarístico.
O podcast foi produzido pelas formandas em Jornalismo Alícia Teodoro, Amanda Amorim, Amanda Maciel, Eduarda Berigo e Hadassa Victoria, sob a orientação da professora Fernanda Sanglard.
COMO NASCE UMA FACULDADE?
O primeiro episódio da série Memórias da FCA: vivências universitárias na Ditadura Militar revisita a criação da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA), em março de 1971. Diferentemente das demais faculdades de comunicação da época, a FCA nasceu com um propósito claro: ser um espaço de resistência, luta pela liberdade e pela redemocratização do país.
Em 1972, um episódio marcante redefiniu a história do Prédio 13. Originalmente planejado para a Faculdade de Ciências Econômicas, o espaço foi ocupado por professores e estudantes de comunicação durante uma dinâmica conduzida por Georges Lapassade, um francês conhecido por suas críticas à estrutura tradicional de ensino. Essa ação espontânea e ousada simbolizava a busca por maior liberdade acadêmica e organizacional.
José Milton, ex-professor da FCA, relembra como a ocupação deu início a uma transformação gradual na faculdade. “Depois da ocupação, a organização foi acontecendo aos poucos. No início, os corredores mais pareciam uma galeria de arte ou um centro cultural de vanguarda, com paredes pintadas e decoradas das mais diversas formas.”
A mudança trouxe consigo um espírito de inovação que marcou a história do Prédio 13 do Coração Eucarístico. Os corredores, ainda em obras, foram transformados em arte, com pinturas que mesclavam referências à arte moderna e elementos de histórias em quadrinhos, criando um ambiente visualmente impactante e único. Além disso, a disposição das carteiras e a dinâmica das aulas refletiam um espaço sem rigidez, mas repleto de criatividade e liberdade. Essa atmosfera vanguardista consolidou o Prédio 13 como um símbolo de experimentação na universidade. “Era um espaço inteiramente diferente de tudo que eu já tinha visto. O visual era marcante, com pinturas e decorações que misturavam história em quadrinhos e pintura abstrata, algo que impactava fortemente”, relembra Fernando Miranda, jornalista e ex-aluno da FCA.
RESISTÊNCIA E CRIATIVIDADE COMO IDENTIDADE DA FCA
O segundo episódio, Resistência e Criatividade como Identidade da FCA, destaca a Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) como um espaço que transcendeu a formação profissional, consolidando-se como um núcleo de inovação pedagógica. Fundada em um período de intensas mudanças sociais e políticas no Brasil, a FCA desafiava normas conservadoras e promovia uma educação transformadora.
Essa essência foi moldada por um ambiente de proximidade e diálogo constante entre professores e alunos, como conta o ex-aluno Francisco Meira. “Era um ambiente em que havia uma interação muito aberta, muito franca com os professores, para além das disciplinas específicas.” A energia dos professores também foi um aspecto marcante, como relembra a ex-aluna Carmen Oliveira. Segundo ela, o entusiasmo e a dedicação ao ensino eram tão intensos que envolviam a todos.
A professora e pesquisadora Vera França, outra ex-aluna, reforça essa atmosfera ao destacar a dinâmica vibrante do curso: “A relação de proximidade era muito grande, com muita conversa, entrosamento e diálogo. A vida interna do curso era quase como uma festa, mas repleta de ótimas experiências acadêmicas e um clima de liberdade”, relembra.
Quer saber mais sobre essas e outras histórias? Acesse os episódios um e dois do Colabcast Memórias da FCA: Vivências Universitárias na Ditadura Militar, disponíveis no Spotify. Acompanhe também o Colab no instagram: @colabpucminas.
Conteúdo produzido por Alícia Teodoro, Amanda Amorim, Amanda Maciel, Eduarda Berigo e Hadassa Victoria.
Excelente apuração. Texto leve, maravilhoso. Nota 10 para esse grupo.