Com as constantes instabilidades geopolíticas em diversos países, como a crise humanitária venezuelana e as guerras civis no Oriente Médio, a quantidade de pessoas refugiadas que chegam ao Brasil vem aumentando consideravelmente. Os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que o país conta com cerca de 60 mil pessoas com essa situação reconhecida. Em busca de sobrevivência, as pessoas refugiadas enfrentam dificuldade no mercado de trabalho brasileiro e lutam contra a burocracia por trabalho digno e pela revalidação de diplomas.
O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) é o órgão responsável por denominar a condição de refúgio a indivíduos que se retiram de seus respectivos países de origem, seja por conflitos bélicos, perseguições ou generalizada violação de direitos humanos, por exemplo. O órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, apresenta dados de que, dos 60 mil refugiados que estão no país, 34% concluíram o ensino superior em seus países e 25,5% não estão inseridos no mercado de trabalho.
Os motivos para deixar o país de origem podem ser, inclusive, financeiros. Em busca de trabalho, muitos refugiados chegam no Brasil em fuga e sem documentação, visto a urgência do deslocamento, o que amplia as dificuldades. Sem documentação, sem bens, sem rumo e com membros da família para manter, a fonte de renda se mostra insuficiente.
Se por um lado, a independência financeira está condicionada à inserção no mercado de trabalho, e é questão de sobrevivência, por outro, é dificultada pelo preconceito e pelos entraves no processo de revalidação do diploma. De acordo com o Ministério da Educação, o prazo para a universidade se manifestar sobre o requerimento de revalidação varia entre 60 e 180 dias, dependendo do processo de tramitação. Para obter a revalidação, é necessária tradução juramentada que pode chegar a custar até R$20 mil, fora a taxa da universidade que pode chegar a R$ 7 mil. A questão é que os migrantes precisam antes dar entrada no pedido de refúgio e o tempo entre a solicitação e a convocação para entrevista segue conforme a demanda e as condições de vulnerabilidade do indivíduo. A princípio, todos os solicitantes devem ser entrevistados em até um ano após sua solicitação. Em média, o Brasil leva três anos para conceder o documento definitivo de reconhecimento de refúgio.
Segundo Yolis Lion, jornalista formada na Venezuela que buscou refúgio no Brasil, “É preciso abaixar essa curva de índice de não regularização da documentação e sobretudo da documentação profissional da população migrante refugiada”. Yolis conta sobre seu processo de revalidação, “eu saí da Venezuela e não peguei nenhuma documentação”. Sem perspectiva de emprego, viveu com os filhos durante dois anos em situação de rua, dormindo as manhãs para vigiá-los durante as noites.
Hoje ela reside em Belo Horizonte, trabalhando na gerência de uma organização independente que acolhe pessoas refugiadas na cidade e as emprega em uma panificadora. A jornalista deixa um recado aos refugiados que, assim como ela, adentraram na jornada de revalidação de seus diplomas, “peço para não desistir, pois é um processo burocrático mesmo, custoso, mas que com a sensibilização faculdade nós vamos conseguir!”
Revalidação de diplomas
A revalidação, realizada por instituições de ensino superior brasileiras, é a declaração de equivalência dos diplomas de cursos de graduação expedidos por estabelecimentos estrangeiros. Portanto, ela é um dos pilares para a inserção dos refugiados no mercado de trabalho. Atualmente, apenas universidades públicas brasileiras são elegíveis para este processo. Uma das lutas da Associação Compassiva, da cidade de São Paulo, através do projeto Levando Ajuda a Refugiados (LAR), é fazer com que universidades particulares reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC) tenham a permissão para emitir a regularização dos documentos, o que aumentaria a disponibilidade e facilitaria a busca por equivalência acadêmica. Porém não é um processo fácil, a validação de diplomas de graduação por tramitação regular leva 180 dias e por tramitação simplificada é de até 60 dias.
De acordo com Miguel Pachioni, jornalista e profissional humanitário do Alto-comissariado das Nações Unidas para os refugiados (Acnur), o refugiado deve apresentar seus documentos originais, histórico escolar e o diploma traduzidos de forma juramentada para garantir sua existência legal no Brasil, não substituindo a documentação original. Sendo que essa entrega fica impossibilitada pela falta de documentos ocasionada pela saída forçada do país de origem e pelo valor da tradução juramentada , que custa em média R$16 mil reais.
O jornalista também aponta que a demora no processo desencoraja as pessoas refugiadas a continuarem com a revalidação. Muitas vezes os pré-requisitos de uma Universidade Federal não são os mesmos de outra que dará continuidade ao processo. Essas instituições, inclusive, muitas vezes não fornecem o devido suporte às pessoas que ainda não dominam a língua portuguesa. Para Miguel, a solução estaria em tornar o processo mais dinâmico, com etapas mais fáceis e acessíveis.
“O ACNUR tem iniciativas nesse sentido, mas não conseguimos abranger a todos”
Projetos de integração
A Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) é um acordo de cooperação entre as universidades brasileiras. a instituição foi criada em 2003 como homenagem ao funcionário das Nações Unidas, Sérgio Vieira de Mello, que morreu em um atentado a bomba em Bagdá no mesmo ano, quando representava as Nações Unidas na tentativa de pacificação do país. A principal função das cátedras Sérgio Vieira de Mello é auxiliar esses refugiados nas demandas sobre educação, principalmente na revalidação dos seus diplomas ou também na apresentação de bolsas de estudo para que eles possam voltar a estudar no país.
No Brasil, as cátedras que formam esse conjunto são federais, e tem a capacidade de revalidar os diplomas. A PUC Minas não revalida os diplomas, mas indica aos refugiados a UFMG ou a UFU, que também possuem a instituição da cátedra.
A cátedra da PUC Minas foi a primeira de Minas Gerais. Algumas de suas ações são receber os documentos dos refugiados, e produzir novos aos que não tem, criando condições para que eles possam ser matriculados em universidades dentro das regulações do MEC.
Sobre o mercado de trabalho, a questão é de responsabilidade de outras organizações, como o Serviço Jesuíta para o Migrante, que busca criar melhores condições de trabalho para os refugiados e imigrantes em Belo Horizonte. O maior foco da Cátedra Sérgio Vieira de Mello é a inserção do refugiado na universidade.
Outra iniciativa é o Projeto LER, programa de extensão idealizado pela Pós-graduação em Letras da PUC Minas que tem dado esperanças a diversos refugiados e migrantes. O projeto visa a interação e a emancipação social de crianças, jovens e adultos, em situação de refúgio, na sociedade brasileira através de ações de educação, cultura e artes, promovendo a oportunidade do aprendizado da língua portuguesa.
O programa é responsável por realizar ações cooperativas para o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita em diversos contextos, gêneros e suportes, entre seus atos pedagógicos a prática contextualizada tem como finalidade atender objetivos comunicativos dos participantes, em seu processo de adaptação e inserção social
Entre encontros presenciais e virtuais, em um espaço de aprendizagem coletiva e colaborativa, o projeto realiza de maneira planejada baseado nas experiências culturais, aptidões pessoais e demandas socioculturais. Entre suas ações pedagógicas e culturais, estão oficinas de leitura e escrita, rodas de conversa, aulas-passeio em espaços públicos, reflexões de direitos de cidadania e saraus.
Tradições familiares e mercado de trabalho
Amine Ahmad Khaouli é filha de pais refugiados foragidos da Guerra de 1976 no Líbano. Ela chegou ao Brasil com apenas 5 meses de idade, acompanhada de seus pais e dois irmãos pequenos. Em seu país de origem, o pai, Ahmad Sobhi Muhieddine Khaouli, era Oficial da Marinha, e sua mãe, Hana Ahmad Khaouli, médica obstetra formada pela Universidade da ONU, mas se viram impossibilitados de exercerem a própria profissão no Brasil, devido a ausência de qualquer auxílio governamental, somados à barreira da linguagem e o choque cultural. A família então encontrou o comércio como alternativa para a subsistência no território brasileiro.
A mãe de Amine, fundou em 1987 o “Empório Àrabe D’Hana”, no Mercado Central de Belo Horizonte. Hana, que aprendeu a arte da culinária árabe com a avó de Amine, colocou em prática seus aprendizados e repassou os ensinamentos aos seus filhos. Hoje, os cinco irmãos – dois de nacionalidade brasileira, nascidos em São Paulo e Curitiba – seguem o negócio que se tornou referência em culinária estrangeira na capital mineira e no Brasil, mesmo com formações acadêmicas em desconcordância, como paisagismo, direito e nutrição.
Mesmo com a falta de informações necessárias e barreiras linguísticas e culturais, a refugiada libanesa relembra o maior suporte na sua jornada familiar de repatriamento: “O Brasil e os brasileiros nos acolheram de maneira incondicional chegamos onde estamos graças ao nosso trabalho árduo e ao apoio das pessoas”.
Reportagem produzida por Diego Bessas Silva, Felipe Moraes de Carvalho, Gabriel Coelho Castro, Leonardo Oliveira de Deus Júnior, Letícia Lanes de Paiva, Luísa Policarpo Damian de Oliveira, Ulisses de Almeida Maciel sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard e da estagiária docente Eliene Resende, na diciplina de Apuração, Redação e Entrevista. A edição foi feita por Flávia Assis, Isadora Rabelo, Laura Couto Lopes e Maria Clara Lacerda sob supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini.
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