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Pessoas cadeirantes estão enfileiradas, com mochilas penduradas na parte de trás das cadeiras de rodas.
Pessoas cadeirantes estão enfileiradas, com mochilas penduradas na parte de trás das cadeiras de rodas. Créditos: Paulo Pinto/Agência Brasil

Os desafios da inclusão nas universidades

De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, apenas 15% dos jovens com deficiência de 18 a 24 anos cursam o nível superior

No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), de 2022, produzida pelo IBGE, cerca de 14,4 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência ou neurodivergência. O PNAD pesquisa o grau de dificuldade que as pessoas têm para exercer determinadas atividades, como  se comunicar, manter cuidados pessoais, e até mesmo na aprendizagem, porém não classifica os tipos de deficiência ou neurodivergência. 

Apesar dos avanços em políticas públicas de inclusão, que ampliam o acesso à universidade, ainda não há garantia de permanência para estudantes com deficiência e neurodivergência. Mesmo com respaldo legal, a desigualdade persiste, e a inclusão desses estudantes no ambiente acadêmico ainda enfrenta dificuldades. 

A reportagem utilizou uma amostra de faixa etária entre 18 à 29 anos por ser um público que tradicionalmente concentra boa parte da população universitária.

No Brasil, numa faixa etária de 18 a 24 anos, 199.826 pessoas PCDs possuem o ensino superior completo. E entre universitários acima de 25 anos, o número aumenta para 592.397. Ou seja, menos de um milhão de brasileiros com deficiência possuem diploma de nível superior. Já o número de autistas com o superior completo é de 186.639 brasileiros, e as mulheres são maioria, representando 106.011 desse total. A situação pode ser melhor compreendida no pictograma abaixo, onde cada bonequinho representa uma parte proporcional do total de autistas com ensino superior no Brasil.

Em Minas Gerais, o cenário é semelhante, a população PCD com mais de 25 anos com ensino superior completo é de quase 51 mil pessoas. Enquanto isso, o número de autistas com graduação no estado é de 17.174.

As universidades estão preparadas para a inclusão?

De acordo com Thaís Aparecida Santos, 32 anos, pessoa com deficiência motora, mestre em Psicologia e especialista em inclusão, a baixa porcentagem, e a não permanência dos estudantes ao ensino superior está ligada à falta de inclusão. Ela afirma que “a inserção existe, mas a inclusão ainda não. Inserir é cumprir uma norma. Incluir é gerar pertencimento. E isso ainda não acontece plenamente nas universidades”.  

A reportagem entrevistou 32 estudantes (UFMG, Uemg, PUC Minas, Famig e Fumec) com deficiência ou neurodivergência, e pessoas próximas a este grupo. Também foram entrevistados quatro profissionais das áreas da educação e da saúde.

Os alunos destacam que já enfrentaram ou testemunharam várias dificuldades para acessar salas, banheiros e laboratórios nas universidades, e também pontuam que a sinalização em braille por vezes é inexistente. 

Benício, aluno que possui deficiência física do curso de Design de Moda da Uemg, conta que não consegue acessar o mezanino da faculdade, onde a maioria das palestras acontecem, devido a falta de elevadores naquele piso. “O ateliê de costura tem corredores estreitos, que dificultam a passagem com um andador”, aponta.

Gabriel Abelha, um estudante de educação física da Uemg de 20 anos, diz que “não há piso tátil para a orientação da direção para os espaços da universidade. As rampas, quando há rampas, são irregulares, e dificultam a mobilidade, não há braille em todos os espaços da universidade”.

Rampa De Acesso Ao Prédio De Educação Física Na Uemg Ibirité
Rampa De Acesso Ao Prédio De Educação Física Na Uemg Ibirité. Créditos: Izadora Macedo

Alunos neurodivergentes também descreveram o ambiente universitário como hostil, com excesso de estímulos e pouco acolhimento. “Como uma pessoa neurodivergente, sinto que esse fator se tornou ainda pior pra mim, dificultando muito a minha experiência de aprendizado, socialização e adaptação”, lamenta Maria Fernanda Ribeiro, estudante com Transtorno do Espectro Autista (TEA) da UFMG.

Para acolher estudantes com deficiência, e neurodivergência, algumas universidades, como a PUC Minas e a UFMG, dispõem do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI). Muitos alunos ainda desconhecem a existência desse instrumento de apoio, e outros não têm acesso. 

Uma aluna relatou à reportagem que, mesmo tendo enviado todos os documentos necessários, não conseguiu apoio do núcleo pela falta de clareza necessária nas exigências. Ou seja, é hora de repensar a forma como a comunicação é empregada na relação entre universidades e alunos.

Segundo a graduanda em Pedagogia Milene Oliveira, 22 anos, estudante autista e coautora da pesquisa “A inclusão de estudantes autistas na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais: campus Coração Eucarístico”, é necessário adotar ações concretas para que a inclusão nas universidades ocorra de forma ampla. 

“O NAI deve atuar como mediador entre estudantes e professores, facilitando a comunicação. Mas, apesar de previsto em normas institucionais, o núcleo ainda enfrenta barreiras, principalmente pela falta de sensibilização e capacitação dos profissionais. É urgente investir em formação contínua para garantir a inclusão de fato no ambiente universitário”, afirma Milene.

Tentamos contato com o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG e da PUC Minas, porém não obtivemos retorno a tempo do fechamento da reportagem.

Barreiras que vão além da infraestrutura

De acordo com Maria Teresa Eglér, pedagoga e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped), da Unicamp, as barreiras para a inclusão vão além da infraestrutura das instituições. Para a pedagoga, ainda existe um forte estigma e a falta de compreensão das especificidades das pessoas com deficiência. “Há uma descrença por parte de alguns professores quanto à capacidade desses estudantes de concluir certos cursos.”

Sob essa ótica, Milene Oliveira aponta que 86% dos 50 professores ouvidos em seu estudo afirmaram não ter preparo para lidar com alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

“Quando professores, colegas e funcionários desconhecem as particularidades do TEA, as adaptações necessárias deixam de ser aplicadas de forma adequada, e o estudante é frequentemente colocado na posição de ter que explicar ou justificar suas necessidades sozinho. A ausência de um acolhimento genuíno também pode fazer com que o estudante evite buscar ajuda, com receio de ser julgado ou não levado a sério. Comentários insensíveis ou estigmatizantes, mesmo que não intencionais, reforçam o sentimento de não pertencimento e alimentam barreiras invisíveis à participação acadêmica”, assevera Milene.

Empatia individual

O corpo docente age nesses casos por meio de uma empatia individual e não por diretrizes coletivas – não há preparo adequado por parte das instituições de ensino. A universidade ainda exige que os estudantes se adaptem a ela, e não o contrário. 

Thais Santos, especialista em inclusão, ressalta que  “o problema não é só a rampa ou o elevador. É a falta de sensibilidade e de capacitação dos professores. Muitos alunos se sentem isolados, inseguros e acabam abandonando o curso”. 

A socialização como peça-chave 

Larissa Regina Miranda, 37 anos,  pessoa surda e presidenta da Associação dos Surdos de Contagem (ASC), pontua que a socialização também é essencial para uma inclusão efetiva.

Larissa Miranda ao centro, rodeada por estudantes de Pedagogia e Jornalismo. Ao fundo, o brasão da ASC. Créditos: Vinicios Braga
Larissa Miranda ao centro, rodeada por estudantes de Pedagogia e Jornalismo. Ao fundo, o brasão da ASC. Créditos: Vinicios Braga

Acompanhada durante a entrevista do tradutor e intérprete Vinicios Braga, ambos questionam a ausência de surdos em espaços comuns e refletem sobre o isolamento a que são submetidos. “Você já encontrou um surdo numa festa? No shopping? Muitos não têm domínio do português. Sabem poucas palavras, mas não conseguem manter uma conversa. Como socializar assim?”, questiona Vinicios.

Larissa Miranda relata como essa exclusão impactou na sua formação “Era tudo em português. Não havia troca com os outros alunos. Já  no curso de  Letras-Libras, havia diálogo com outros professores e alunos surdos. Lá eu conseguia me expressar”.

Ainda assim, os desafios persistem. “A banca do TCC era toda de ouvintes. Não foi fácil. Mas hoje já há surdos fazendo mestrado e até se preparando para o pós-doutorado. É uma luta para conquistar esse espaço”, diz a diretora da ASC.

Milene Oliveira complementa que, a linguagem complexa do ambiente acadêmico, dificulta o processo de aprendizagem para alunos com dislexia e TDAH. A conexão é parte fundamental para a socialização humana, e, não adaptar a metodologia de ensino para que todos tenham os mesmos direitos à aprendizagem é uma escolha excludente e fruto do processo de meritocracia, reforçando a ideia de que, todos são capazes, basta querer.

“Como uma pessoa neurodivergente, o ambiente universitário se tornou ainda mais difícil para mim. Socializar e aprender passou a ser uma luta diária.” afirma a entrevistada Raquel, pessoa autista e estudante do curso de administração.

Além dos problemas sociais, na infraestrutura das instituições e na socialização de pessoas com deficiência ou neurodivergência, existe ainda a desvalorização dos profissionais capacitados a prestar assistência a esse grupo. Vinicios Braga, relata um caso em que uma universidade ofereceu um salário abaixo do mínimo para o intérprete, demonstrando falta de compromisso com a inclusão. 

Inclusão para quem? 

A manutenção de posturas excludentes como as citadas ao longo desta reportagem, reforça o capacitismo estrutural, ainda tratado como algo “normal” por parte da sociedade. Esse cenário é resultado do desconhecimento e da exclusão naturalizada. A inclusão, nesse contexto, segue mais como ideal do que como prática consolidada.

A trajetória das pessoas neurodivergentes e PCDs no Brasil revela que o sistema universitário não evoluiu junto com seus estudantes. Ele permanece preso a práticas antiquadas, e, quando existem, as políticas de inclusão são burocráticas, complexas e, muitas vezes, ineficazes.

Ser uma universidade viva, moderna e acessível exige, antes de tudo, garantir a todos, sem exceção, o direito à educação plena e às adaptações necessárias. A inclusão verdadeira vai além de documentos e políticas. Precisa ser vivida na rotina acadêmica. Conforme os especialistas, é fundamental que as universidades ouçam os estudantes nessas condições, reconheçam suas especificidades, valorizem a diversidade, adotem práticas pedagógicas e administrativas que assegurem equidade e dignidade a todos e assumam o compromisso de garantir acesso, permanência e sucesso.

Conteúdo produzido por Camilly Morena, Gabriel Basílio, Ítalo Lemos e Izadora Macsan, na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. Os monitores Karol Martins e  Wallison Gois auxiliaram na edição digital.

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Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

1 comentário

  • Temática extremamente importante e necessária de ser discutida em todos os níveis de ensino. Como citado na reportagem, a base para que a inclusão de fato aconteça é a informação. Muitos pessoas estão despreparadas e não querem buscar conhecimento para que as pessoas com deficiência sejam acolhidas. Pessoas desinformadas geram profissionais despreparados além de impulsionar negativamente a evasão escolar deste grupo que tanto tem a contribuir para a educação.