Cultura, arte, gastronomia e boas histórias: tudo o que um turista busca ao visitar a capital mineira pode ser encontrado no velho Mercado Novo. Localizado na Rua Rio Grande do Sul, no centro de Belo Horizonte, o Mercado Novo, como é mais conhecido, surgiu em 1963, de uma maneira bastante peculiar.
Criado para ser um substituto do Mercado Central, o Mercado Novo tinha como objetivo ser um centro de abastecimento e comércio, atendendo às demandas de uma Belo Horizonte em expansão. Nos primeiros anos, o espaço foi ocupado principalmente por gráficas, oficinas, pequenas lanchonetes e uma feira noturna, ganhando fama na região central. Nunca funcionou a ideia de substituição, e o “Novo” acabou desenvolvendo vocação própria e complementar ao antigo.
Antônio Gabriel Filho, superintendente do Mercado Novo há quase 20 anos, explica que, apesar da baixa frequência de público durante a semana, nos finais de semana, o número de visitantes pode chegar a 15 mil pessoas.
Ele salienta que, mesmo tendo sido criado como um “braço direito” do Mercado Central, as propostas dos dois mercados são distintas. “Nós temos o Mercado Central, que tem propostas completamente diferentes das nossas e elas não chocam. Porque a gente quer fazer uma coisa e o Mercado Central quer fazer outra. Aqui [o Mercado Novo] é o entreposto de todas as artes. Tecido, tinta, ferramentaria, madeira, eletrônica, tudo o que você quer está aqui.”
Declínio
O atual “queridinho” da juventude belo-horizontina nem sempre teve uma imagem positiva. Por ser localizado em uma região central, marcada pelos problemas que afetam as grandes cidades, como muito trânsito no entorno, registros de violência e consumo de drogas, o ambiente acabou afastando o público e prejudicando os comerciantes locais. A história do Mercado Novo é marcada por marginalização e esquecimento, especialmente durante as décadas de 1980 e 1990, em que o espaço enfrentou um período de abandono e decadência, passando a ser visto como pouco atrativo.
O local serviu como um “abrigo” para camelôs e lojistas que buscavam um aluguel barato, com destaque para as gráficas, motivo pelo qual ainda é conhecido como “o Mercado das Gráficas”. No início da década de 2000, o Mercado sofreu dois incêndios, o primeiro em 2004 e o segundo em 2011. Apesar de não deixarem feridos, ambos prejudicaram significativamente o funcionamento dos estabelecimentos e levantaram questionamentos a respeito da falta de infraestrutura do prédio contra incêndios.
Atualmente, a administração do condomínio do Mercado Novo informa que 90% das lojas estão ocupadas. O cenário é bem distinto do encontrado nos anos 2010, quando a ocupação estimada era de 50%.
Aqui é um ponto estratégico que tem o potencial para crescer muito ainda. Um prédio completo, com elevadores, escada rolante, tudo para a gente colocar para funcionar. Mas que vai chegar no seu devido tempo. O prédio tem que crescer, ficou muito tempo realmente parado.
Gabriel Filho, superintendente do Mercado Novo
Revitalização
Em 2010, o Mercado Novo iniciou a modernização da estrutura com a criação do Mercado das Borboletas, um projeto cultural que reunia uma diversidade de atividades artísticas, como exposições, shows, performances, e eventos que promovem a cultura independente e alternativa. Mas foi a partir de 2018 que o Mercado passou por uma grande transformação na identidade visual.
Um grupo de investidores, incluindo o empresário Rafael Quick, da cervejaria Viela, resolveu unir a tradição do Mercado com um estilo inovador, como forma de criar um polo cultural e artístico de relevância regional. A nova arquitetura, produzida pelo arquiteto Fernando Graça, se inspirou na estética modernista dos anos 1960, com tijolos cobogós, que promovem uma ventilação natural. As escadarias do terceiro andar do mercado valorizam a cultura do grafite e foram feitas pela artista Raquel Bolinho.
Para Gabriel Filho, o Mercado se encaixa completamente no cenário turístico atual de Belo Horizonte. “Primeiro que a proposta do mercado é de termos marcas e uma economia local circular, com ofícios feitos por artesãos e economia criativa daqui de Belo Horizonte e região. E BH tem, parece, o terceiro destino de negócios no Brasil. É muito forte.”
O subsolo
Sinto falta de uma atenção maior da administração no primeiro andar, até para as pessoas conhecerem melhor essa área aqui embaixo. Depois da revitalização, o pessoal aparece até na televisão, todo mundo conhece, e aqui embaixo somos um pouco esquecidos, mesmo com os nossos ótimos preços.
Márcia Alves, proprietária da loja Márcia Condimentos
Márcia Alves é proprietária da loja Márcia Condimentos, que possui duas unidades que se encontram no subsolo do Mercado, que funciona como uma feira livre. Ela trabalha no Mercado Novo há quase 25 anos e relembra a dinâmica inicial do Mercado, nos primeiros anos trabalhando no local.
“Logo quando eu cheguei aqui, tinham muitos camelôs, dava muito movimento, eles revendiam produtos nas bancas. Mas, ao longo dos anos, deu uma diminuída. Eu trazia as meninas [filhas] para vir comigo. Elas estudavam aqui pertinho. Trazia elas comigo, aí deixava lá e vinha trabalhar sozinha, não tinha funcionário. Aí depois eu fiquei grávida da terceira, trabalhando aqui também”.
Alves enfatiza que a modernização do Mercado, apesar de positiva para a imagem do local, ficou restrita apenas aos andares superiores. A lojista também chama a atenção para a falta de infraestrutura do subsolo, que não possui um sistema de ventilação
adequado e nem mesmo um bebedouro para os turistas. Ela ressalta a expectativa de que a revitalização possa contemplar o subsolo do Mercado Novo nos próximos anos.
“Os problemas de infraestrutura são recorrentes. De vez em quando, começa a pingar uma água suja dos andares de cima, na frente das lojas, os clientes ficam olhando e é até perigoso as pessoas caírem, mas estamos lutando para isso melhorar, não é fácil mas creio que vamos conseguir aos poucos”, reivindica Alves.
Cozinha Tupis e Distribuidora Goitacazes
Existe uma realidade meio dual na nossa troca da Cervejaria Viela com o mercado e vice e versa. Entendemos que grande parte do movimento do Mercado Novo nos últimos anos se dá por conta da Cervejaria Viela
Gabriel Dabian, gerente do grupo Viela
A Cozinha Tupis e a Distribuidora Goitacazes são os símbolos mais notáveis dessa nova fase do Mercado. Ambos fazem parte do grupo da Cervejaria Viela, que ainda inclui o Forno da Saudade, Bar Juramento 202 e Cachaçaria Lamparina. Gabriel Dabian, um dos gerentes dos locais, destaca o papel significativo dos estabelecimentos na revitalização do Mercado. “Na época, não tinha nenhum estabelecimento aberto no andar. [A reocupação veio] primeiro, com a Cozinha Tupis. Depois veio a Cachaçaria Lamparina, […] e com o tempo, mais alguns estabelecimentos vieram pro mercado. E aí, funcionou com um comitê de ocupação. A ideia inicial, capitaneada pela Cervejaria Viela, foi que existisse uma ocupação de vários bares e restaurantes diferentes, com culinárias diferentes, bebidas diferentes.”
E assim, dos diversos estabelecimentos que se instalaram lá, a maioria é do ramo alimentício, trazendo o mercado a ascensão cultural e o colocando no roteiro de visita de muitos. Dabian ainda ressalta que no início havia uma concorrência amigável entre os lojistas, de modo que cada um vendesse um serviço diferente, contudo, com o crescimento no número de lojas, essa parceria foi diminuindo.
Apesar da relevância da Cozinha Tupis e da Distribuidora Goitacazes na revitalização do Mercado Novo,o superintendente do Mercado, Gabriel Filho, ressalta que o sucesso não ficou restrito a esses locais: “É lógico que teve uma grande participação e foi fundamental, mas não foi só o trabalho deles, não foi só a ótica deles que fez o Mercado que é hoje, né. A gente trabalhou muito, fazendo festas, fazendo desfile, fazendo coisas aqui, na festa de Evento Mercado das Borboletas”.
A Cozinha Tupis também se destacou pelo segundo ano consecutivo no ranking de melhores restaurantes do Brasil realizado pela Revista Exame, melhorando a sua posição de trigésimo segundo para décimo nono lugar. Esse reconhecimento justifica o protagonismo do estabelecimento que combina a tradição da culinária mineira com inovações criativas, utilizando ingredientes frescos adquiridos diretamente do mercado.
Arte, souvenirs e mineiridade
Depois dos meus 24 anos, é que eu descobri a questão do Mercado Novo. E hoje já é um ponto turístico no mesmo nível de Mercado Central, de Praça da Liberdade, as pessoas vêm de outros países, de outras cidades, outros estados, para visitar o Mercado Novo. Isso é incrível!
Pedro Henrique Jardim, vendedor da loja Made in Beagá
O sucesso do Mercado Novo não ficou restrito apenas ao ramo gastronômico. A produção artística local, a oferta de presentes, souvenirs e artesanato se transformou em outra vocação. A loja Bendizê é um exemplo disso. Chegou em 2021 ao Mercado Novo com essa e tem como objetivo a valorização da cultura mineira e a diversidade do artesanato regional. Entre os produtos disponíveis estão roupas, acessórios, objetos de decoração, artigos de papelaria e presentes.
Já a Made in Beagá surgiu em 2018 e também foi uma das lojas pioneiras no processo de revitalização do Mercado Novo. A proposta do estabelecimento, comandado por Felipe Martins e Guilherme Pertence, é reunir um conjunto de produtos característicos da cidade que são produzidos por belo-horizontinos.
Pedro Henrique Jardim, um dos vendedores do local, enfatiza a importância das redes sociais como estratégia para atrair novos clientes: “Eles [sócios] usaram muito as redes sociais para divulgar alguns dos produtos, que têm uma temática diferente, né, explorando Belo Horizonte. o Felipe já me contou, por exemplo, que quando eles chegaram aqui, essa parte que nós estamos, as lojas eram todas fechadas, porque não tinha ocupação ainda”.
Assim como a lojista Márcia Alves, anteriormente citada, a infraestrutura do local também foi um ponto negativo destacado na fala de Jardim: “eu acho que é preciso uma melhor infraestrutura no mercado para continuar acolhendo bem as pessoas e fazendo com que elas queiram vir para o mercado”.
Ponto turístico
A minha experiência no Mercado foi excelente, fiquei impressionada com o ambiente, tem um aspecto meio underground. Mas o que mais me trouxe uma boa impressão é a variedade de lojas, comidas e bebidas, tem uma diversidade de coisas ofertadas
Juliana Gagliardi, turista do Rio de Janeiro
O Mercado Novo se destaca como um espaço vibrante e autêntico, onde os turistas encontram uma imersão completa nos sabores de Minas Gerais. Belo Horizonte, reconhecida oficialmente pela Unesco como Cidade Criativa da Gastronomia desde 2019, é um dos maiores polos gastronômicos do Brasil, recebendo anualmente mais de 1,5 milhão de turistas, dos quais cerca de 30% são atraídos por conta da culinária.
A pesquisadora Juliana Gagliardi, de Niterói (RJ), visitou o lugar pela primeira vez em novembro e diz que não tinha conhecimento sobre a existência do Mercado Novo. “Eu fui para Minas Gerais, para Belo Horizonte, por conta de um congresso da UFMG e eu não teria tempo para fazer turismo na cidade, o que me levou a ir pro Mercado Novo, foi por conta do horário de funcionamento, pois o congresso acabava às 19h, e o Mercado Central fechava às 18h, então nós [amigos] queríamos um lugar para jantar e por isso fomos ao Mercado Novo”.
Apreciadora da gastronomia mineira, Juliana afirma que irá voltar com mais tempo em outra oportunidade: “A comida mineira é muito famosa por ser muito gostosa, né? A gente já sai do Rio de Janeiro pensando nisso, porque não é tão fácil assim achar uma comida caseira gostosa em qualquer lugar, como é em Minas Gerais. E certamente, quando eu voltar a Belo Horizonte, vou querer ir lá de novo”.
95% de jovens entrevistados já visitaram Mercado Novo
Com base em um questionário online aplicado pelo Colab e respondido por 62 pessoas que vivem em Belo Horizonte e têm entre 18 e 28 anos, 95% dos respondentes afirmaram já terem visitado o Mercado Novo. A maioria (88,7%) frequenta o local de uma a três vezes por mês. O levantamento confirma o Mercado Novo como um dos principais pontos culturais e gastronômicos considerados pelos jovens na capital mineira.
O Mercado hoje
Nós [os lojistas] vemos um movimento turístico aqui muito grande e as pessoas vindo justamente atrás dessa vibe do mercado de ser realmente, assim, jovem, com energia, com essa receptividade, é uma coisa aberta, que as pessoas se sentem livres e acolhidas aqui. Então, eu acho que trouxe isso muito, é uma coisa importante que isso trouxe para BH porque virou um ponto turístico
Pedro Henrique Jardim, vendedor da loja Made in Beagá
Conforme pesquisa divulgada pelo jornal Hoje em Dia em 2023, o Mercado Novo conta com 290 empresas, distribuídas em 650 das 1,2 mil lojas dos três andares. O número se difere dos 90% de ocupação apontada pela administração do condomínio. Todavia, conforme explica Gabriel Filho, isso decorre de algumas portas aparentemente fechadas funcionarem como depósitos. O subsolo, por exemplo, tem estilo de feira livre, semelhante ao Mercado Central, enquanto os outros três andares possuem lojas de roupa, artesanato, papelaria, gráficas, bares e restaurantes.
O lugar, que vem conquistando os corações de um público variado, torna-se um ambiente convidativo e acolhedor para pessoas de diferentes perfis e interesses. Hoje, é um símbolo de revitalização e inclusão e reflexo de mudanças sociais e culturais que ampliaram a atratividade do ponto turístico.
A nova programação do Mercado ainda envolve eventos, shows e exposições, como Feira de Adoção de Animais, Festival de Vinhos, Festival Spot, Festival de roupas e calçados. O local fica aberto todos os dias, das 7h às 22h, exceto aos domingos, quando fecha às 18h. Alguns bares funcionam até meia-noite.
Confira a galeria de fotos
Conteúdo produzido por Bruna Sarnaglia, Jamilly Flores, João Pedro Guido, Júlia Dias, Luana Cadar e Maria Clara Corrêa, sob a supervisão da jornalista e professora Fernanda Sanglard na disciplina Apuração, Redação e Entrevista. A monitora Izabella Gomes colaborou com a edição digital.
Leia também
95 anos de Mercado Central: o terceiro melhor do mundo
De lazer à pesquisa científica